- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas de todos os episódios da série e, aqui, de todo nosso material do universo The Walking Dead.
Há algo de inevitavelmente curioso em como The Walking Dead insiste em se reinventar depois de tantos anos, mas quase sempre retorna ao mesmo ponto: a promessa de novidade se esgota rapidamente e o que sobra é uma repetição cansada dos velhos vícios. O primeiro episódio da terceira temporada de Daryl Dixon, intitulado Costa da Morte, é um exemplo claro desse paradoxo. Há, sim, certo frescor em ver Daryl e Carol dividindo a tela, mas o contexto e a execução oscilam entre momentos inspirados e outros de pura fadiga.
O episódio abre em Londres, um cenário que poderia render bastante pela carga icônica. Mas, em vez de explorar as possibilidades de uma cidade que mistura o peso histórico com a atmosfera de desolação zumbi, a narrativa opta por atalhos. A cidade está simplesmente vazia, tomada por uma horda imensa de mortos, e tudo se resolve em um confinamento rápido em um prédio qualquer. Nesse espaço restrito conhecemos Julian, interpretado com um certo ar de tragédia resignada pelo ótimo Stephen Merchant, um sobrevivente que acredita ser o último homem vivo na Inglaterra. Ele funciona bem como elemento de passagem, alguém que dá aos protagonistas o barco necessário para mover a trama, mas não chega a ser memorável. Sua morte, na tempestade que os leva até a costa espanhola, acontece rápido demais para ter impacto emocional, resumindo-se a mais uma engrenagem da máquina narrativa.
O pior de tudo é o quão pouco tempo passamos em Londres, o que não justifica o uso desse cenário. Logo em seguida, a sequência da travessia carrega a intensidade visual e a qualidade técnica que a série ainda consegue oferecer quando quer, chegando ao acidente (não gosto do corte e da montagem aqui, mas ok). Carol, ferida na cabeça e com um ombro infectado, carrega o peso dramático do restante do episódio, algo que Melissa McBride sabe traduzir sem esforço. Sua Carol continua sendo um dos grandes trunfos dessa franquia: ela domina a tela mesmo quando está debilitada, e dá ao episódio um senso de urgência que Norman Reedus, por mais esforçado que seja, nunca alcança.
Mas se Carol sustenta a atenção, o roteiro continua tropeçando em escolhas fáceis. A presença do grupo mascarado com chifres de ossos, saqueando o barco e forçando Daryl e Carol a seguir para o interior, soa como repetição de inúmeras facções genéricas já vistas em The Walking Dead. São antagonistas mais estéticos do que narrativos, que aparecem para criar tensão imediata sem qualquer esforço de construção dramática. A sensação é de déjà vu: mais um grupo com máscaras chamativas, mais uma horda interminável de zumbis como pano de fundo, mais um deslocamento que parece não nos levar a lugar algum.
Do ponto de vista estrutural, Costa da Morte sofre do mesmo mal que assombra a franquia há anos: a pressa em criar ganchos para episódios seguintes sem consolidar o que apresenta no presente. O desaparecimento de Carol no fim, sequestrada ou perdida enquanto Daryl caçava, é um artifício óbvio para mover a trama, mas soa apressado demais para um primeiro episódio que deveria firmar terreno (e o cliffhanger é desfeito já na prévia dos pós-créditos…). Ao invés de tensão genuína, o que resta é a sensação de manipulação.
Os temas centrais de The Walking Dead — a luta contra a violência cíclica, a busca impossível por um lugar seguro, o peso de carregar o passado em meio ao caos — permanecem vivos, ainda que soterrados por escolhas narrativas questionáveis. O tom mais cansado de Daryl, refletido na própria encenação de Reedus, ecoa essa fadiga da franquia, mas de certa forma também a torna mais honesta, com o personagem parecendo tão esgotado quanto o espectador. No fim, Costa da Morte é um começo irregular, que reafirma tanto o desgaste da fórmula quanto a força de duas presenças maiores que a série em si. Carol e Daryl juntos são, sim, motivo de interesse, mas precisam de uma trama à altura, algo que esse primeiro episódio ainda não entrega. A franquia, mais uma vez, parece andar em círculos, com boas ideias visuais desperdiçadas e personagens descartáveis surgindo apenas para serem esquecidos. Talvez reste a esperança de que a jornada pela Espanha e a prometida busca por retorno aos Estados Unidos dê à narrativa um rumo mais consistente. Até lá, seguimos entre o cansaço e a curiosidade, como quem olha para uma franquia que já passou do auge, mas insiste em sobreviver, assim como seus próprios personagens.
The Walking Dead: Daryl Dixon – 3X01: Costa da Morte (EUA, 07 de setembro de 2025)
Desenvolvimento: David Zabel
Direção: Daniel Percival
Roteiro: Jason Richman, David Zabel
Elenco: Norman Reedus, Melissa McBride, Stephen Merchant
Duração: 62 min.
