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Crítica | The Walking Dead – Vol. 1: Dias Passados

O começo de um clássico moderno.

por Kevin Rick
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Quando Robert Kirkman publicou The Walking Dead em 2003, talvez nem ele imaginasse que estava abrindo um dos maiores épicos do universo de quadrinhos contemporâneo (inclusive, o autor mentiu para a Image Comics que a obra teria alienígenas, por receio do projeto ser cancelado). A primeira coletânea, que reúne os seis capítulos iniciais, não é apenas a introdução de Rick Grimes e da sua jornada, é o embrião de um projeto que redefiniu a ficção zumbi, transformando um gênero já saturado em um campo para discussões sobre moralidade, família, política e sobrevivência.

O início é direto, sem rodeios: Rick, um xerife de uma pequena cidade de Kentucky, é ferido em serviço e acorda de um coma em um hospital vazio, cercado por cadáveres ambulantes. A imagem do protagonista caminhando pelos corredores escuros e pela cidade, descobrindo a nova realidade, é uma homenagem clara a clássicos do terror, como Despertar dos Mortos de George A. Romero. Mas o diferencial de Kirkman e do artista Tony Moore está na cadência narrativa: em vez de despejar informações ou ação desenfreada, o quadrinho constrói um clima de desorientação, de alguém que não entende em que mundo acordou.

A arte em preto e branco é parte fundamental dessa atmosfera. Longe de ser uma limitação, ela se torna recurso estético: os zumbis, desenhados por Moore com detalhes repulsivos, ganham um impacto maior no contraste com os espaços vazios e a solidão das páginas. Não há o conforto de cores para suavizar a violência ou o drama. Tudo é cru, direto, impiedoso, como se a ausência de cor fosse a própria metáfora do mundo que perdeu a vitalidade.

A narrativa rapidamente reencontra Lori e Carl, esposa e filho de Rick, agora vivendo em um acampamento improvisado de sobreviventes. A dinâmica familiar, no entanto, já nasce fraturada: Shane, melhor amigo e ex-parceiro de Rick, havia iniciado um relacionamento com Lori durante a ausência do xerife, e a chegada dele funciona como catalisador para um triângulo de tensões. Kirkman, desde o início, deixa claro que o verdadeiro conflito da série não são os mortos-vivos, mas os vivos, apesar de nunca deixar de fazer ótimos exercícios de gênero com as criaturas, que são de fato uma ameaça constante. Inclusive, o ataque de zumbis que atinge o acampamento no meio do volume é brutal, mas serve como pano de fundo para a tragédia maior: a incapacidade dos personagens de se adaptarem emocionalmente à nova ordem.

O clímax desse primeiro arco é emblemático, com Shane, tomado pela obsessão e pelo ressentimento, tentando matar Rick. A resolução, com Carl, ainda uma criança, atirando no amigo da família para salvar o pai, é um choque para o leitor, mesmo olhando hoje, em que esse tipo de violência se tornou mais normalizada em obras audiovisuais. É nesse ponto que se entende a proposta de Kirkman: The Walking Dead não é sobre derrotar zumbis ou encontrar a cura. É sobre como as pessoas mudam diante da catástrofe, sobre até onde vão as fronteiras morais quando o instinto de sobrevivência fala mais alto. Rick, que começa como um herói clássico, já termina o primeiro volume em um dilema ético que vai persegui-lo por toda a série: manter a esperança de um futuro humano ou se curvar à lógica brutal de um presente sem regras.

Em termos de impacto, Dias Passados é mais do que um bom quadrinho de terror. É a fundação de uma mitologia. Sua força está no equilíbrio entre os clichês do gênero — tiroteios, ataques de mortos-vivos, cenas grotescas — e uma construção dramática que dá peso a cada perda, a cada escolha. Foi esse equilíbrio que mais tarde permitiria à série crescer em escala, expandir personagens e até se tornar uma das adaptações televisivas mais populares da década seguinte.

Revisitado hoje, o primeiro volume ainda impressiona pela clareza da proposta. Kirkman não perde tempo com explicações científicas sobre a origem do apocalipse; o foco é humano e intimista. É essa decisão que torna a história atemporal: não importa o que causou a catástrofe, importa como ela transforma as pessoas. E a última cena, com Rick, Lori e Carl deixando o acampamento e partindo para uma nova etapa, já anuncia o que virá: uma jornada sem garantias, onde o perigo maior nem sempre está entre os mortos, mas entre os vivos.

The Walking Dead – Vol. 1: Dias Passados (The Walking Dead – Vol. 1: Days Gone Bye) | EUA, 2003-2004
Contendo:
The Walking Dead # 1 a 6
Roteiro:
 Robert Kirkman
Arte: Tony Moore
Letras: Robert Kirkman
Editora: Image Comics
Editora no Brasil: HQM
Data original de publicação no Brasil: maio de 2006 (encadernado)
Páginas: 144

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