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Crítica | The White Lotus – 1ª Temporada

por Ritter Fan
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Podemos até não perceber, mas, quando paramos para realmente pensar, o ambiente hoteleiro é uma perfeita maneira de lidar com um recorte socioeconômico díspar, algo que pode e deve ser abraçado em abordagens cinematográficas e televisivas, já que é razoavelmente fácil estabelecer uma situação corriqueira, comum mesmo, mas que serve de lente de aumento para enxergarmos com mais foco a realidade do que podemos chamar de hierarquia de privilégios. É isso que, na qualidade de criador, diretor e roteirista, Mike White (escritor, dentre outros, de Escola de Rock, Nacho Libre e Emoji: O Filme) faz em The White Lotus, minissérie da HBO que, com o sucesso, já se tornou uma série, com uma segunda temporada já encomendada e que se passará em outro hotel da mesma cadeia fictícia, com personagens completamente diferentes.

O conceito é simples e muito interessante: diversos hóspedes, divididos em três grupos, chegam a um paradisíaco resort em uma das ilhas do Havaí para relaxar por uma semana, com as histórias, que se interpenetram, mas mantendo um bom grau de independência, sendo desenroladas a partir daí, o que envolve também, naturalmente, os funcionários do hotel. Em comum, eles têm a riqueza que recheia seus bolsos e a cor branca da pele que facilita tremendamente suas vidas, já que o objetivo de White é justamente satirizar esse grupo representativo e incomodar o espectador que porventura se encaixar nele, como mais um veículo audiovisual para que olhos sejam abertos, posturas sejam colocadas em xeque e conceitos sejam revistos. Portanto, a série não é nem de longe sobre a vida dos ricos e abastados, mas sim uma forte – e por vezes talvez didática demais – crítica social sobre o que os poucos por cento impõem aos muitos por cento sem muitas vezes sequer perceberem. Mas White não se contenta com maniqueísmos óbvios e vai além, também lidando com outras classes sociais que parecem querer fazer o que é certo sem sequer ter uma noção do que é certo ou que se valem de atitudes absolutamente hipócritas para lidar com determinada situação.

Como artifício narrativo maroto – e, sendo bem sincero, desnecessário – para fisgar o espectador logo no início, a temporada de apenas seis episódios começa no final dessa semana de férias em que descobrimos que alguém morreu no resort e que seu corpo está sendo carregado no avião comercial para o continente. As perguntas que resultam daí só são respondidas nos últimos minutos do último episódio, mas o que realmente interessa, o que realmente importa em termos narrativos, é o que está entre uma ponta e outra e não a revelação em si que, de certa forma, pode decepcionar quem esperar que ela seja um momento climático sensacional ou algo do gênero.

Usando magistralmente a trilha sonora eclética composta por Cristobal Tapia de Veer como uma espécie de “marcador de humor”, mas sem ditar como o espectador deve se sentir, Mike White comanda um elenco muito bem escolhido para povoar seu pequeno universo. Temos Jennifer Coolidge (a primeira MILF!) como Tanya McQuoid, uma solitária, insegura e cheia de problemas senhora que quer jogar as cinzas de sua mãe no mar; Jake Lacy como Shane Patton, o típico filhinho da mamãe recém-casado com Rachel, vivida por Alexandra Daddario (o que são aqueles olhos?), de classe social “inferior” e, finalmente, a família Mossbacher, composta por Nicole (Connie Britton), a matriarca e importante executiva de uma ferramenta de busca famosa, Mark (Steve Zahn), seu marido que enfrenta uma crise de saúde, Olivia (Sydney Sweeney), a filha mais velha que regurgita chavões politicamente corretos sem entender de verdade o que eles significam e que está acompanhada de sua melhor amiga Paula (Brittany O’Grady), também de classe social “inferior” e, finalmente, Quinn (Fred Hechinger), o filho mais novo que é socialmente inábil e vive imerso em jogos eletrônicos. Dando ainda mais sabor a esse conjunto, há Murray Bartlett como Armond, gerente do hotel que enfrentou vícios e está há cino anos sóbrio e Belinda (Natasha Rothwell), gerente do spa que estabelece uma esperançosa conexão com Tanya.

O ecossistema de personagens é muito bem conduzido e desenvolvido nos poucos capítulos da temporada que mais ou menos ecoam o número de dias de permanência de cada um dos três grupos (sei que Tanya é sozinha e, portanto, não pode ser caracterizada como grupo, mas vocês entenderam, não é?), cada um deles com seu objetivo narrativo claro que discute desde relacionamento abusivo, passando por carência extrema que leva ao desenvolvimento de relacionamentos puramente interesseiros e chegando à injustiças históricas como a tomada de terras nativas pelo invasor branco, a posição da mulher na sociedade, machismo, preconceito e assim por diante. A proposta de White é colocar as questões na mesa, ou melhor, é colocar o assunto conforme ele é discutido por aqueles que estão do lado confortável da conversa, de forma que seja possível escancarar sua evidente incompreensão das mais variadas questões.

Se Shane não consegue conceber uma mulher que não lhe seja subserviente, Nicole, mulher que galgou posição de destaque em um mundo de homens, não percebe que sua luta em princípio egoísta para chegar onde chegou precisa ser expandida para equilibrar a balança do mundo e assim por diante. Os diálogos são criados de maneira expositiva, como mencionei mais acima, mas é uma exposição que tem a natureza de “conversa de bar” ou “mesa de jantar” em que amigos e familiares afastados da realidade dura, abordam a realidade dura como se especialistas fossem. E não sobra para ninguém claro.

Aliás, não sobra nem mesmo para Armond, que se vê em uma espiral que começa com o parto de uma funcionária logo no primeiro episódio, levando-o à beira do abismo, e que mesmo assim precisa lidar com os caprichos de seus hóspedes, caprichos esses que o corrói por dentro sem dó nem piedade. Murray Bartlett, diria, tem o grande papel da temporada ao construir um personagem complexo, que vive para servir, mas odeia servir, que vê inimigos onde talvez devesse ver clientes, mas sempre tendo que receber todo mundo com um enorme sorriso, sorriso esse que precisa continuar quando está na recepção, quando está sentando comensais no restaurante ou mesmo quando está levando broncas terríveis. Armond o meio termo entre castas e ele mesmo, como personagem falho que é, não é perdoado pelo roteiro cáustico de Mike White.

Se há arcos de redenção? Sim, eles existem e sim eles obedecem à lógica interna estabelecida pela série, mesmo que alguns deles não vão agradar todo mundo. Mas lembrem-se que alguns finais “felizes” são só felizes assim mesmo, entre aspas, nada mais do que o reflexo de uma prisão de onde não é possível fugir. E mesmo os finais genuinamente felizes – eles existem – são privilégios exclusivos dos brancos ricos, o que obviamente não é sem querer, já que eles representam exatamente o que a série quer passar, quase que de maneira metalinguística.

The White Lotus não é para agradar ninguém, pois expõe o que temos de pior, especialmente considerando que, por sua própria natureza, a série pode ser vista como chegando à conclusão que talvez o mundo seja assim mesmo e que mudanças exigirão mais do que discussões intermináveis em redes sociais. E olha que Mike White situa sua história em um paraíso na Terra, bem longe da realidade da maioria que vive e sofre o mesmo, sem o essencial privilégio de uma vista para belíssimos vulcões a partir da suíte Abacaxi.

The White Lotus – 1ª Temporada (EUA, 11 de julho a 15 de agosto de 2021)
Criação: Mike White
Direção: Mike White
Roteiro: Mike White
Elenco: Murray Bartlett, Connie Britton, Jennifer Coolidge, Alexandra Daddario, Fred Hechinger, Jake Lacy, Brittany O’Grady, Natasha Rothwell, Sydney Sweeney, Steve Zahn, Molly Shannon, Lukas Gage, Alec Merlino, Kekoa Scott Kekumano, Christie Volkmer, Jon Gries, Jolene Purdy, Austin Stowell
Duração: 353 min. (seis episódios)

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