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Crítica | Thor: Amor e Trovão (Sem Spoilers)

Os deuses devem estar loucos...

por Ritter Fan
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Taika Waititi tem um jeito muito peculiar de fazer humor que decididamente pode não agradar todo mundo, mas que trafega muito bem entre esquetes hilárias cuidadosamente estruturadas e momentos pastelão de qualidade, o que lhe permitiu parodiar, satirizar e, em geral, esculhambar um variado material composto, dentre outros, por relações paternais, vampiros, piratas e, talvez mais famosa e audaciosamente, nazistas. Quando ele mergulhou no Universo Cinematográfico Marvel, arremessou para longe toda a sisudez viking de Thor e fez um dos filmes mais genuinamente divertidos e visualmente interessantes de todos da vasta franquia, mesmo que muita gente tenha virado o nariz para o “Deus do Trovão piadista”.

Com Amor e Trovão, quarto filme solo do personagem imortalizado por Chris Hemsworth – que é, aliás, o primeiro e provavelmente único do panteão original do UCM a conseguir chegar nesse ponto, vale lembrar – o cineasta tenta repetir seu feito, mas, para isso, escolheu ampliar justamente a abordagem que para mim não funcionou em Ragnarok: o humor metralhadora de besteirol sem timing cômico. Sou o primeiro a defender a abordagem mais cômica escolhida pela Marvel Studios para servir de linha de base para quase todos os seus filmes, algo que ganhou ainda mais ênfase com o merecido sucesso de Guardiões da Galáxia, mas tudo é uma questão de tom. Em Ragnarok, Waititi muito mais acertou do que errou nesse quesito, e, agora, infelizmente, ele muito mais erra do que acerta na primeira metade do longa (pois são dois longas bem diferentes em um só, aliás, mas eu já chego nesse ponto).

Se Waititi conseguiu fazer de Hitler o amigo imaginário de um menino em plena Alemanha Nazista, ele era a pessoa perfeita para lidar com comicidade com uma heroína morrendo de câncer e com um vilão de origem trágica que tem como missão de vida exterminar todos os deuses do universo. No entanto, em Amor e Trovão, o que vemos é um humor tacanho, quase que integralmente na base de silêncios constrangedores como quando Jane Foster (Natalie Portman), em plena quimioterapia, tenta acelerar o processo apertando a bolsa de substâncias químicas para poder voltar mais rapidamente ao seu laboratório ou de caras e bocas extremas – e, portanto, cômicas pelas razões erradas – por parte de Gorr, o Carniceiro dos Deuses (Christian Bale), que ganha uma origem de segundos em sequência preambular em que perde tudo apesar de rezar para seu deus e, no processo, ganha uma necroespada aleatória (dentro do filme, pois eu sei que ela vem dos quadrinhos e blá, blá, blá) capaz de ceifar os seres divinos que não lhe deram ouvidos.

Tudo isso vem intercalado de um show cômico de stand-up de Hemsworth como Thor primeiro ao lado dos Guardiões da Galáxia e Korg (Waititi emprestando novamente sua voz ao Coisa azulado) em que basicamente Chris Pratt e companhia são completamente desperdiçados e logo defenestrados da história, e, depois, em parceria com Valquíria (Tessa Thompson), rei de Nova Asgard (foi uma boa sacada, confesso, a transformação do lugar em uma Disneylândia) e de Jane Foster, agora como a Poderosa Thor em uma “lógica de transformação” que é um exagero de economia e conveniência narrativa que tira todo e qualquer peso de sua chegada triunfal. E olha que eu considero Hemsworth um bom ator fazendo comédia, mas, aqui, o material que lhe foi entregue foi… constrangedor e não exatamente engraçado. Tudo funciona na base de um furor de piadinhas do tipo que mencionei no parágrafo anterior que, quando o filme está lá em sua segunda meia hora, a estrutura já está tão desgastada que só resta esperar os créditos chegarem. Para o leitor ter uma ideia, a única piada recorrente que funcionou de verdade para mim foi a dos bodes gigantes que não param de balir berrar tamanha a idiotice da coisa toda que ajudou a desopilar o fígado. O resto foi de olhar o relógio…

Mas somente até a segunda metade – ou segundo filme, talvez – começar.

Quando, depois da interminável sequência de revirar os olhos em um panteão de deuses retirado completamente da cartola, Thor, Poderosa Thor, Korg e Valquíria chegam na Dimensão das Sombras em sua perseguição a Gorr, com direito à uma bonita fotografia em preto e branco no planeta do Pequeno Príncipe que vai ganhando cores na medida em que é banhada de luz, cortesia do diretor de fotografia Barry Baz Idoine, tudo muda. É por isso que eu digo que esse filme é tonalmente perdido, inflado no pastelão ruim no começo e, depois, quase que completamente esvaziado de humor para, então, poder lidar com coisas sérias, só revelando que Waititi e sua co-roteirista Jennifer Kaytin Robinson não conseguiram encontrar nenhum semblante de equilíbrio, ao ponto de, pela primeira vez em muito tempo em um filme do UCM, a comédia ter me impedido de me conectar com o que veio quando ela foi “apagada” da história.

Afinal, quando chegamos no mundo sem cor, automaticamente vem aquele alerta subconsciente de que a situação ficará mais séria – e há verdadeiros bons momentos que poderiam, em outro filme, assustar -, mas que é logo abafado pela lembrança do que veio antes. E isso desmancha o poder da narrativa, tirando a força dos heróis e principalmente do vilão, mesmo que Bale sensivelmente diminua o histrionismo para fazer o que ele faz de melhor, ou seja, aquele ar lucidamente psicótico que já vimos em vários de seus papéis, de Patrick Bateman a Batman. E não que Waititi não consiga costurar momentos inspirados como é a sequência das crianças asgardianas e a simples, mas eficiente e bonita resolução final de toda a situação, além do fofo – sim, fofo – epílogo em que vemos uma dupla muito inusitada justificar literalmente o título do filme. No entanto, como dizem por aí, a essa altura o estrago já está feito, mesmo que ele inegavelmente seja suavizado.

Entre um milhão de participações especiais divertidas e, diria, até bem colocadas (menos a do ator de circunferência avantajada que faz um certo deus bonachão, pois olha, aquilo foi de arrancar os olhos com colher…), a introdução do filho de um querido personagem, as obrigatórias referências à cada vez mais complexa continuidade do UCM e à material clássico dos quadrinhos, além de muita música do Guns N’ Roses (fica a dúvida se não foi a banda que pagou a Waititi para colocar as canções no filme e não o contrário…), os dois filmes que Waititi fez achando que era um só não consegue, em momento algum, evocar o ritmo de Ragnarok ou a comicidade veloz de Guardiões da Galáxia, ainda que seja perfeitamente possível entrever uma potencialmente excelente obra se algum tipo de equilíbrio tivesse sido alcançado entre suas tão díspares metades. Do jeito que ficou, Amor e Trovão até poderá divertir, talvez, com bastante boa vontade, mas o longa não consegue nem ser um bom filme do Thor piadista e muito menos um bom filme do cineasta neozelandês.

P.s.: Há duas cenas pós-créditos, como de costume. A primeira vem logo após os nomes do elenco e parece apontar para o que pode vir em Thor 5 e a segunda, lá no final, é apenas um simpático arremate. Ambas contam com participações especiais.

Thor: Amor e Trovão (Thor: Love and Thunder – EUA, 2022)
Direção: Taika Waititi
Roteiro: Taika Waititi, Jennifer Kaytin Robinson
Elenco: Chris Hemsworth, Natalie Portman, Christian Bale, Tessa Thompson, Jaimie Alexander, Taika Waititi, Russell Crowe, Chris Pratt, Pom Klementieff, Dave Bautista, Karen Gillan, Vin Diesel, Bradley Cooper, Sean Gunn, Matt Damon, Sam Neill, Luke Hemsworth, Melissa McCarthy, Kat Dennings, Stellan Skarsgard
Duração: 125 min.

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