Home TVTemporadas Crítica | Three Pines – 1ª Temporada

Crítica | Three Pines – 1ª Temporada

Mistérios conectados.

por Felipe Oliveira
1,5K views

Ainda que não se conheça as obras que Three Pines se baseia, é interessante como há elementos atraentes que configuram a adaptação dos romances policiais de Louise Penny. O primeiro deles, é a introdução a um caso do desaparecimento de uma jovem indígena, Blue Two-Rivers (Anna Lambe), depois, uma mórbida morte na idílica vila de Quebec — e que intitula a série — o que convoca o peculiar inspetor-chefe Armand Gamache (Alfred Molina) e sua equipe para investigar e solucionar o caso. Nesse trecho, é quando podemos reconhecer o tradicional whodunit e às inspirações ao estilo de Agatha Christie, e que o tira Gamache de ser apenas uma reprodução de Poirot, é a criatividade da produtora e showrunner Emilia de Girolamo de inserir em Three Pines um plano de fundo pungente além do típico suspense policial de crime e mistério.

Não que o whodunit não seja convincente, afinal, é o estilo que permeia os livros de Penny, porém, termina que a parte mais interessante dessa adaptação não é o mistério entre casos, e sim a dinâmica de personagens entre o introspectivo Gamache e seus parceiros de investigação. E embora a obviedade seja a maior pista que a trama apresenta como peça do quebra-cabeça, com todo melodrama envolvido, é graças a aposta na concepção desse universo e importância dos personagens que Three Pines encontra fôlego para a história que está contando.

Adaptando quatro — a cada dois episódios — da extensa publicação da série de Gamache, Three Pines ia definindo sua estrutura procedural onde os casos sempre respingavam nos moradores da misteriosa cidadezinha. E por mais que o fator previsibilidade seja notório, há algo nessa adaptação que consegue fisgar para ver o desenrolar dos segredos e resolução dos crimes; talvez isso venha da ironia de que a pequena cidade tenha a alma aconchegante e de fraternidade, mas que esconde as feridas e amarguras nos lugares mais sombrios. Ao mesmo tempo, é como se essa característica ficasse só na promessa, uma vez que essa noção é embasada em prol do suspense, mas é deixada de lado quando não aprofunda os aldeões e o suspense sugerido, mantendo a possível complexidade na linha rasa do melodrama e frases reflexivas de Gamache.

Porém, se a série não consegue trabalhar com os moradores como a premissa indica, faz de Gamache o coração da história, a linha tênue entre o sentimento de fracasso e o choque de lidar com segredos do passado que são a base para os crimes em Three Pines. Esse linha moral é muito bem trilhada no primeiro episódio quando a impunidade pelo sumiço de Blue grita pela ação e respostas das autoridades, e Gamache, movido por sua serenidade, tenta de alguma conter os ânimos da família de Blue e não seguir o conformismo da polícia local, sem imaginar que aquele crime ainda o perseguiria ao entrar na marcante vilazinha. Ao contrário de apenas ter um caso no formato procedural para o inspetor com ares de Columbo solucionar, de Girolamo estende esse conceito-base abordando o histórico de desaparecimentos e maus-tratos a crianças indígenas ocorridos no Canadá, e o que ganha força ao ter isso como foco, é pela série chamar a atenção para um passado colonial que não se restringe na ficção, o que remete às Escolas Residenciais criadas pelo governo canadense no século XIX.

Essa força também pode ser observada quando a série deixa os relatos e as histórias ganharem voz, assumir um papel de relevância e espaço para a abordagem, o que é somado também com a escolha do elenco e personagens que ganham destaque no protagonismo. E por seguir um formato que desfoca do whodunit em alguns momentos, Three Pines se divide entre um drama denso e terror psicológico, o que revela as facetas da culpa, fracasso, impunidade dos crimes sendo refletidos nos traumas de Gamache, o que pontua como a figura do inspetor não cumpre um modelo ao investigar os crimes, mas se aproxima do tom mais delicado da abordagem ao ser alguém repleto de fragilidades.

Apesar de ter conseguido conquistar o público, Three Pines não teve a sorte de voltar para uma segunda temporada e continuar adaptando e explorando novos horizontes com as histórias de Penny envolvendo seu característico personagem, ainda assim, foi uma criativa série que não só será lembrada pela performance contida de Molina, mas por contar com talentos notáveis contribuindo para um relato relevante.

Three Pines (Reino Unido-Canadá, 2022)
Criação: Emilia di Girolamo
Roteiro: Emilia di Girolamo, Jamie Crichton, Catherine Tregenna
Direção: Samuel Donovan, Tracey Deer, Daniel Grou
Elenco: Alfred Molina, Rossif Sutherland, Elle-Máijá Tailfeathers, Sarah Booth, Anna Tierney, Julian Bailey, Marie-France Lambert, Tantoo Cardinal, Clare Coulter, Frank Schorpion, Georgina Lightning, Anna Lambe, Crystle Lightning
Duração: 8 episódios (52 min. cada)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais