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Crítica | Tidelands – A Série Completa

Uma trama rocambolesca e deliciosamente ruim: prazer culposo?

por Leonardo Campos
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As sereias e seus mistérios são temas presentes há bastante tempo nas artes. Numa rápida digressão, podemos encontrar várias menções a estes seres mitológicos nos mais variados segmentos culturais da humanidade. Na Idade Média, por exemplo, as sereias são destacadas em artes de edificações, igrejas, navios da época, etc. Escarpadas em ilhas rochosas e envoltas numa atmosfera misteriosa, elas são conhecidas por exercer seu canto hipnotizador responsável por levar os bravos marinheiros para o naufrágio e, consequentemente, para a morte. Simbólicas, as sereias representam a ambição e os demais desejos considerados luxuriosos pela moral humana. Na cultura alemã, Lorelei é o mito que segundo as narrativas populares, habita os rochedos do rio Reno e seduz os navegantes de suas águas fluviais ao encontro da morte. Aqui no Brasil, Iara é a representação mitológica das sereias, criatura que induz os homens a segui-las até as profundezas, de onde nunca retornam. Persuasivas e fatais, as sereias são apresentadas constantemente com seus pentes de ossos de peixe, objeto que na história dos pescadores, simboliza o poder de controle em relação aos mistérios do mar. O espelho representa a sua vaidade e está associado a lua, espécie de alegoria da natureza refletida. Em suma, é um ser de mitologia expandida.

Além destas incursões no imaginário, as sereias são personagens constantes na cultura cinematográfica e atualmente, estiveram em duas séries televisivas focadas numa abordagem sensual e sombria de sua figura: Siren e Tidelands, sendo a última o interesse de nossa análise. Produzida pela Netflix australiana, a narrativa se dividiu em oito episódios, criados e escritos por Stephen M. Irwin, Leigh Grant e Tracey Robertson, dramaturgos da sala de roteiristas que entregou os capítulos para as mãos de quatro diretores, Toa Fraser, Catriona Mackenzie, Emma Freeman e Daniel Nettheim, cada um responsável por assinar duas unidades dramáticas da série. Na trama, acompanhamos a trajetória de Cal McTeer (Charlotte Best), uma jovem e misteriosa ex-presidiária que retoma a vida em Orphelin Bay, a sua cidade natal, uma década após ter aniquilado a vida de um policial. Os motivos? A série vai desvendando aos poucos. A cada instante de sua chegada, a moça sente os olhares curiosos e críticos das pessoas que conhecem a sua história e julgam a sua postura tida como libertária e ousada demais. Quando uma morte se estabelece de maneira inesperada, Cal descobre que o seu passado possui uma conexão com os Tidelands.

Mescla de corpo humano com características das sereias e tritões, estes seres habitam uma colônia chamada L’Attente, espaço comando por Adrielle Cuthbert (Elsa Pataky), uma mulher sensual e com postura agressiva, muito parecida com a estratégia utilizada pelos criadores de Game of Thrones ao construir Daenerys, a Mãe dos Dragões. Diferente da personagem interpretada por Emilia Clarke, no entanto, a antagonista de Elsa Pataky é caricata e novelesca, um pouco burlesca demais, falta de dosagem na direção e na construção textual que acabam por anular um pouco a credibilidade da figura ficcional chave no desenvolvimento da trama em Tidelands. Descendentes das sereias e com poderes especiais, os habitantes da região interagem num ritmo que lembra também o clima austero, patriota e rigoroso dos espartanos, algo desenvolvido ao longo das sete temporadas da vampiresca True Blood, programa que tinha como forte característica, a postura dúbia de seus personagens. Da contemporânea Siren, a produção australiana dialoga com o abandono do clima lúdico herdado dos desenhos animados e foca na perspectiva sombria de representação das sereias, criaturas mitológicas que podem ser perigosas e fatais. Como destaque, temos Dylan (Marcos Pigossi), homem de atributos físicos invejáveis, também em busca de explicações sobre o seu passado, tal como todos os demais personagens da série. Ele precisa compreender o destino de sua mãe, busca pelas origens que está na dimensão dramática de todos que possuem um tempo a mais em cena no desenvolvimento da narrativa.

Apesar de sua primeira metade arrastada, Tidelands ganha um ritmo interessante na segunda parte e até nos deixa em suspensão diante dos conflitos interrompido no episódio final, faíscas dramáticas que levantam questionamentos não respondidos diante da ausência de mais uma temporada para amarrar as coisas. Os diálogos, cabe ressaltar, são bastante expositivos, em excesso muitas vezes, entrega de conteúdo que não permite a abordagem de determinadas reflexões no âmbito das entrelinhas. Teatrais, a maioria das situações da série beiram o artificialismo, haja vista a entonação e o desempenho dramático fora do tom esperado para o estilo audiovisual televisivo. Isso não impede, por sua vez, o bom desenvolvimento dos aspectos estéticos: na condução musical, Matteo Zingales entrega um material médio, mas envolvente, adequado para o que é exposto pela direção de fotografia de Robert Humpreys e Bruce Young, fotógrafos dominantes do setor responsável por enquadrar e nos inserir nos ambientes construídos pelo litorâneo e azulado design de produção comandado por Matthew Putland. Ademais, os efeitos visuais supervisionados por Grant Lovering funcionam bem e os figurinos de Tess Schofield trajam os personagens conforme os seus perfis dramáticos. Visualmente, as coisas funcionam.

Lançada em 2018, Tidelands tinha fôlego para mais uma breve temporada, ou então, um telefilme ou mais dois episódios para encerrar a sua jornada. Infelizmente, não aconteceu. O programa não ganhou continuidade e deixou os ganchos em aberto. Ainda sobre as sereias, mencionadas na abertura desta análise, a série toma de empréstimo algumas caracterizações descritas no campo da simbologia destes seres mitológicos para a construção dos personagens e de suas situações dramáticas ao longo de seus episódios. As tentações que fazem parte de nosso caminho, a iminência da possibilidade de morte prematura, a ruptura com os caminhos trilhados em nossa formação pessoal, a capacidade de ser persuasiva, a ferocidade no âmbito da independência feminina, dentre outras questões, parte integrante na perpetuação do imaginário cultural em torno das sereias estão empregadas nas diversas situações desta série divertida, envolvente, mesmo que dramaticamente irregular. Tensões sexuais, crimes, momentos sobrenaturais e uma estética voltada ao uso constante da cor azul definem Tidelands, uma produção que trafega no âmbito do urban fantasy, gênero de presença cativa no sistema de realizações para streaming.

Tidelands (Idem, Austrália/2018)
Criação: Stephen M. Irwin, Nathan Mayfield, Leigh McGrath, Tracey Robertson
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Charlotte Best, Marco Pigossi, Aaron Jakubenko, Matias Inwood, DalipSondhi, Caroline Brazier, Elsa Pataky, Jet Tranter
Duração: 45 min. (Cada episódio – 8 episódios no total)

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