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Crítica | Tintim no Tibete

por Luiz Santiago
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À medida que avançamos cronologicamente na obra de Hergé, percebemos que depois da criação do Capitão Haddock suas aventuras passaram a ter uma maturidade narrativa cada vez mais forte. O próprio Capitão começou a ganhar tanto destaque e importância que Tintim, o protagonista e “dono” das aventuras, foi muitas vezes ofuscado. Mas isso nem de longe é algo negativo. Haddock se sobressai por sua personalidade forte, seus palavrões a tudo quanto é gente, coisas e situações; suas confusões quase infantis (e por isso mesmo, hilárias) de nome de pessoas e lugares, e o modo dele se comportar quando está nervoso, bêbado ou sob pressão. Haddock é um daqueles personagens facilmente adoráveis, que chegam a uma história já em andamento e acrescentam muito ao trabalho que o autor fazia até aquele ponto. Foi por isso que comecei esse texto falando dele: essa aventura no Sudeste Asiático jamais seria a mesma sem a presença ou importância dada por Hergé ao personagem que, na minha opinião, é a verdadeira estrela do álbum.

Em Tintim no Tibete, temos um início calmo, com Tintim, Milu, Haddock e o Professor Girassol em férias nos Alpes Franceses, até que o Capitão lê uma terrível notícia sobre um acidente aéreo no Nepal. Isso leva a Tintim, pouco tempo depois, a saber que seu amigo Tchang também estava nesse voo, e o repórter coloca imediatamente na cabeça que, mesmo Tchang estando num acidente de grandes proporções, ele ainda estaria vivo e precisando e ajuda.

Aqui, é bom fazermos um chamado para a trama forçosa em torno do pressentimento de Tintim em relação ao seu amigo. Mesmo considerando toda a mitologia das aventuras do repórter, não vejo com bons olhos essa teimosia quase neurótica dele em querer ir para o Nepal em busca de alguém cuja possibilidade de ter sobrevivido, mediante as condições da história, eram pequenas demais; e tudo isso por causa de uma espécie de revelação em “sonho muito real“, segundo palavras do próprio Titim. Ou seja, todos os perigos possíveis e imagináveis pelos quais o grupo passou foi fruto de um palpite inicial e um dos mais amalucados, diga-se de passagem.

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Mas se tirarmos esse fator loucura e teimosia de Tintim (que algumas vezes entra em paradoxo com o que eu disse antes, porque quase todos já seguimos um palpite para algo que sabíamos não ter muito remédio), teremos um restante de história simplesmente genial, composta por uma grandiosa pesquisa de Hergé, não só para o cotidiano dos monges locais, mas também para o lendário Abominável Homem das Neves, o Yeti. Uma forte veia humorística – partindo do Capitão Haddock – e um forte sentimentalismo e amizade são os ingredientes principais da obra, sem sombra de dúvida, a mais sensível e humana das obras de Hergé. E não era pra menos.

Enquanto escrevia essa aventura, Hergé estava em processo de divórcio, o que deve tê-lo influenciado para adotar um caminho mais espiritual para a aventura, uma espécie de expurgar de pecados e angústias em uma trama com grande amplitude de cenários, humor e quadros abertos para destacar as belas, perigosas e geograficamente acidentadas paisagens. É tudo o que Hergé já tinha nos apresentado com bastante qualidade nas obras anteriores, só que dessa vez, alguma cosa além da conhecida trama principal, uma estrutura de mundo que não necessariamente precisava de explicação, mas de vivências.

Tintim no Tibete é uma história notável. Do roteiro aos desenhos, ela tem consistência e apelo social e de relações humanas muito fortes, não é à toa que inicia a década de 1960 com uma mensagem propícia à aquele momento da História. A viagem de Tintim ao Tibete foi para encontrar algo; assim como o autor procurava à época que escreveu, e assim como o mesmo autor nos impulsiona para que procuremos. Um sentido. Vê-se logo que se trata de uma história filosófica em seu grande ideal, mas sempre divertida e fácil de ser lida, uma verdadeira obra-prima de Hergé.

Tintin in Tibet – Bélgica, 1958 a 1959
Publicação original: Tintim Magazine, 17 de setembro de 1958 a 25 de novembro de 1959.
Publicação encadernada original: Casterman, 1960
No Brasil: Companhia das Letras, maio de 2008
Roteiro: Hergé
Arte: Hergé
62 páginas

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