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Crítica | To Leslie (2022)

Declínio e superação como temas.

por Fernando JG
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Quando Leslie (Andrea Riseborough) ganha 190 mil na loteria, seu objetivo de comprar uma casa e dar uma vida melhor ao seu filho James (Owen Teague) se torna realidade. Alguns anos mais tarde, a vida de Leslie volta a ser palco de mais uma cena, mas agora de um revés ao perder tudo para o alcoolismo e estar na miséria. Ao longo da sua trajetória, todas as oportunidades são dadas, mas Leslie parece não aproveitar os momentos únicos que poderiam tirá-la desse estado e fracassa cada vez mais como numa sina maldita até encontrar enfim um motivo que a impulsione a vencer o vício. Este é um filme de Michael Morris com roteiro de Ryan Binaco.

Acompanhar a problemática personagem Leslie é um convite a empatia. Dificilmente não iremos fazer um juízo de valor a respeito de suas ações, mas ao mesmo tempo em que a julgamos quando perde sucessivamente oportunidades de superar a sua condição, a protagonista nos faz enxergar o quão adoecida está e então provoca uma reviravolta emocional no público. Esse efeito está amparado numa excelente atuação de Andrea Riseborough. Aliás, o filme é dela, e opera como se feito unicamente para que possa dramatizar a situação decadente de Leslie. As transições da personagem, entre bêbada e sóbria, são o suprassumo da película, o que demonstra a versatilidade de Andrea Riseborough, que necessariamente atua em dois  tipos distintos, com duas personalidades diferentes. Ainda que eu tenha tendência a aclamá-la, o seu trabalho não é acima da média, mas absolutamente acurado, com domínio e técnica.

Há um inevitável peso melancólico na película, uma vez que não só trabalha o tema do vício e do declínio proporcionado por ele de forma verossímil, mas o retrabalha ad infinitum, de modo a colocar em evidência as dificuldades subjetivas e objetivas de quem atravessa o problema, que parece nunca ter fim. Triste, a obra evoca um sentimento de frustração movido pela seguinte questão: “quando ela vai estragar tudo de novo?”. Porque é isso: ela sempre estraga a nova chance, o novo dia, a oportunidade. O seu único filho a leva para morar consigo, com a regra de que não beba, e então ela recai; Leslie volta para a casa de seus parentes, que estendem-na a mão mais uma vez, e então ela coloca tudo a perder; enfim um novo emprego e uma nova chance, talvez a última que terá na cidade, e logo a protagonista começa a se atrasar porque na noite anterior passou bebendo. Ela tem inúmeras chances mas desperdiçou todas elas. 

O filme se esforça em ser uma jornada de subjetividade. Vemos que a nossa heroína segura as pontas todas sozinhas. Poucas personagens aparecem e permanecem. Mesmo o filho que a abriga tem pouco tempo de tela, mergulhando o filme ainda mais numa jornada pessoal. São poucas as coisas que não dão certo, como aquela cena no parque, em que se começa uma briga. Vejo-a como uma vulnerabilidade de roteiro. Não há uma motivação plausível para que se dê no sentido em que se deu. Não há sentido para que a discussão tenha iniciado da maneira pela qual se iniciou. Vejo como uma solução básica encontrada pelo roteirista para oferecer à trama uma continuidade. A cena poderia ser aprimorada, com motivos que pudessem convencer e sem acusações surgidas do nada. Falta-lhe verdade. 

Me deixa contente, a despeito da linearidade clichê da trama, a construção da relação amorosa entre Leslie e Sweeney (Marc Maron), que começa sem pretensão alguma, e mesmo dentro de um conflito, e evolui para uma sincera e bonita relação, que se consuma naquela cena de beijo tão aconchegante, com sinceridade e verdade. Todo drama deve evoluir de maneira natural, como esse que se deu. No fundo, na interpretação da obra, percebe-se que ela acaba dando um sentido para a vida dele, e vice-versa. A reconstrução de Leslie atravessa a presença de Sweeney. 

No mais, o filme brilha nas mãos de Andrea Riseborough que conduz todo o fio dramático necessário ao enredo, que recicla, sem muita inovação, temas e problemas já conhecidos, mas que tem seu ponto de distinção na atuação ímpar da personagem feminina, que mostra as variadas facetas de um adicto, elaborando um retrato notável do processo de declínio e superação. Esta clássica história de redenção nos mostra, pela vida de uma personagem falha e errante, que todos nós estamos sujeitos ao erro e que a hora de cometê-lo chega a todo ser humano, mas reconhecê-lo nos faz menos infeliz na busca pelo reparo e salvação. 

To Leslie (EUA, 2022)
Direção: Michael Morris
Roteiro: Ryan Binaco
Elenco: Andrea Riseborough, Allison Janney, Marc Maron, André Royo, Owen Teague, Stephen Root, James Landry Hebert, Bagre Jean, Scott Subiono, Matt Lauria
Duração: 119 min.

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