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Crítica | Toby Dammit (Histórias Extraordinárias)

por Luiz Santiago
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Ao longo de sua carreira como diretor, Federico Fellini participou de três longas coletivos, a saber, O Amor na Cidade (1953), onde dirigiu o segmento Agência Matrimonial; Boccaccio’70 (1962), onde dirigiu o segmento As Tentações do Doutor Antônio; e por fim, Histórias Extraordinárias (1968), um longa cuja proposta era trazer três contos de Edgar Allan Poe sob a visão de três diretores diferentes: Roger Vadim, Louis Malle e Federico Fellini, que ficou responsável pelo último segmento do longa, Tobby Dammit.

Baseado no conto Nunca Aposte Sua Cabeça com o Diabo (1841), Tobby Dammit já traz toda a iconografia, sonhos e toques psicanalíticos de Fellini estabelecidos em pelo menos 3 de seus longas anteriores (com destaque para Julieta dos Espíritos, onde se revela no formato mais conhecido, e pela primeira vez, em cores). O segmento conta a história de um ator britânico que vai à Itália participar de um filme. No início temos alguns takes de um céu poente cheio de nuvens, como a visão de alguém da janela de um avião. E é nesse espaço claustrofóbico e ao mesmo tempo amplo (lembram-se da abertura de Oito e Meio?) que ouvimos pela primeira vez os temores do nosso protagonista.

Fellini não se preocupa muito em dar corpo ao que o conto diz, o que não é nenhuma novidade, já que dos três diretores envolvidos no projeto, ele era o único autor e inventor de mundos, portanto, nada mais natural que partisse apenas da premissa literária de Poe e então inventasse a sua própria história.

O teor metalinguístico e o tormento de Toby Dammit nos lembra o já citado Oito e Meio, onde temos Guido, o cineasta, atormentado e às vezes acalentado por memórias e sonhos de sua infância, juventude ou vida adulta. A impressão que temos, no entanto, é que Tobby Dammit não viveu. Seus tormentos são mais de ordem psíquica (no sentido patológico) e espiritual do que uma espécie de “resíduo temporal” que acompanha seu parceiro metalinguístico de Oito e Meio.

Tobby Dammit é uma faceta do artista autodestrutivo. Uma pitada de James Dean é colocada na concepção psicológica do personagem, que ganha vida na excelente interpretação de Terence Stamp. Talvez o ritmo da montagem em toda a caótica corrida de Ferrari pelas ruas e becos de Roma e o desfecho misto de mistério e nonsense sejam os pontos mais fracos do filme e, de alguma forma, desaceleram a alta expectativa que o público incorpora já nos primeiros minutos de projeção. Em contrapartida, a estética decadente, dois ambientes fotográficos distintos e dramaticamente bem pensados (que fornecem o suficiente para a criação da atmosfera correta daquele ponto do roteiro e ajudam o espectador a enxergar melhor a intenção do diretor) junto às interpretações propositalmente canastronas e cheias de maneirismos formam um círculo de absurdos que representa muito bem o mundo cinematográfico e seu conteúdo incomum, capturando por tabela a essência da obra de Poe.

Tobby Dammit é um notável exercício lisérgico e perturbador de Fellini. Uma visita insólita mas muito interessante à obra de um dos maiores escritores americanos, o que, por si só, já a torna imperdível.

  • Crítica originalmente publicada em 10 de dezembro de 2013. Revisada para republicação em 07/04/2020, como parte da versão definitiva do Especial Federico Fellini aqui no Plano Crítico.

Toby Dammit – Histórias Extraordinárias (Histoires extraordinaires)França, Itália, 1968
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Federico Fellini, Bernardino Zapponi (baseado num conto de Edgar Allan Poe)
Elenco: Terence Stamp, Salvo Randone, Anne Tonietti, Marina Yaru

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