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Crítica | Todo Mundo Já Foi Pra Marte

Portfolio individual dos artistas ou um filme?

por Michel Gutwilen
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O filme escolhido como encerramento do Olhar de Cinema 2022 inevitavelmente dialoga com o de abertura, Vai e Vem, no sentido de ambos se localizarem no enfrentamento pandêmico, através do Cinema, por meio de um diálogo coletivo, se afastando da individualidade e do isolamento. Só que ao invés da co-autoria de duas pessoas no filme de Fernanda Pessoa e Chica Barbosa, a animação Todo Mundo Já Foi Para Marte parte de 37 autorias (ainda que todos sob o comando de Telmo Carvalho, creditado como diretor), sendo todos animadores do Ceará, com a multiplicidade de olhares influenciando diretamente no resultado do filme. Assim, a curadoria do Olhar, a partir desse ciclo, parece privilegiar um anseio em voltar a dialogar, de que o caminho para superação deve ser a recuperação da comunicabilidade, de que o que move o Cinema no fim das contas são as mais variadas formas de enxergar o mundo artisticamente e todas elas devem estar de alguma maneira se chocando e complementando, de que a pandemia foi uma experiência coletiva.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer o potencial artístico de todos os realizadores envolvidos, em um filme que verdadeiramente mostra quantos animadores cearenses estão por aí e podem ser descobertos, com projeção para o futuro. Contudo, a grande questão que me pego pensando durante a sua duração, é se o que se vê em tela consegue de fato atinge o objetivo de ser um filme ou apenas um grande portfolio individual para cada realizador mostrar suas habilidades? É claro que, inevitavelmente, uma obra feita por 37 artistas, iria ser desarmônica — se Vai e Vem, com 2 realizadoras, já era, imagine agora — e irregular, havendo claramente entre a totalidade segmentos uns que parecem individualmente mais interessantes artisticamente do que outros. Novamente, como disse para o filme de abertura, uma obra como essa parece estar muito menos preocupada em ser uma arte perfeita e fechadinha, mas que assume para si as limitações de sua própria escolha.

No  caso de Todo Mundo Já Foi Para Marte, isso talvez seja mais limitador ainda do que em Vai e Vem, que pelo menos estabelece um diálogo mínimo entre suas cartas. Ainda que o tema em comum seja a pandemia de COVID, este elo parece ser fraco demais para sustentar todos os filmes em uma experiência única. Ainda que exista o fator da unidade pela sensorialidade, a impressão majoritária é a de que cada segmento de um diferente artista é também um universo completamente isolado, com pouquíssimas conexões entre si, em que a passagem de um segmento para o outro não busca a tal da comunicabilidade. Ou seja, o oposto das intenções do filme. Dar espaço para 37 artistas diferentes é diferente do que botá-los para dialogarem entre si. 

O pior é que há até um fio condutor narrativo bem fino, mas ele mesmo é engolido pela natureza do projeto: como cada plano é um estímulo visual completamente diferente e toda mudança é uma ruptura da estrutura anterior, fica até difícil prestar atenção do que está sendo falado pela voz em off, com a própria estética chamando atenção para si — novamente, uma característica que reflete mais a ideia de portfolio e uma ode aos animadores por si só e menos a de um filme coeso. 

Animação não é muito minha especialidade (tanto é que tampouco me arrisco a nomear seus diferentes estilos, então é algo que não está sendo abrangido no texto) e nem sei, na prática, tudo que envolve as nuances dos seus processos de direção, ainda mais de um projeto coletivo, mas se há um papel a ser presumido seria pelo menos o de tentar organizar tudo enquanto um grande filme, ao invés de uma antologia de mini curtas.

Além disso, Todo Mundo Já Foi Para Marte, ainda que talvez até sem querer, acaba sendo dividido em duas partes. Na primeira, há uma grande inventividade visual, sendo pelo menos instigante enquanto experiência sensorial e audiovisual, quase que uma viagem lisérgica em que o espectador pode se deixar levar diante de tantos traços diferentes. Neste momento, a pandemia está sendo abordada menos frontalmente, com os realizadores se voltando para dentro, exteriorizando os sentimentos gerados por ela e decorrentes do isolamento. Numa segunda metade, o instinto criativo de antes parece dar lugar a uma obviedade do confrontamento, de um direcionamento que leva os artistas para lugares não tão convidativos com sequências que envolvem visualmente acontecimentos como: “pessoa lendo notícias do COVID na internet”, “números de morte subindo na tela” ou ou até “animador briga fisicamente com o presidente da República”.

Todo Mundo Já Foi Pra Marte (2022) — Brasil
Direção: Telmo Carvalho
Roteiro: Telmo Carvalho
Elenco: Silvia Moura
Duração: 75 mins

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