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Crítica | Torchwood – 4ª Temporada: Miracle Day

por Luiz Santiago
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estrelas 3,5

Depois de assistir à 4ª Temporada de Torchwood (cujo subtítulo é Miracle Day), fica fácil de entender por quê Russell T. Davies e os outros produtores da série permitiram que ela fosse afastada para o limbo.

Esse estágio das cosias não poderia ser mais impreciso quanto ao futuro de um programa de TV: não houve o cancelamento oficial mas também não há previsão ou pronunciamentos recentes sobre uma 5º Temporada. T. Davies chegou a brincar em entrevista que a série poderia voltar “daqui a dez anos, quem sabe”, mas não adicionou nenhuma informação contundente sobre a (possível?) próxima temporada.

O fato é que o showrunner e a equipe de produção de Torchwood chegaram a um impasse produtivo drástico após o término de Miracle Day. A adição de mais uma personagem imortal e a reformulação que fugiu aos padrões “clássicos” da série são as dores de cabeça imediatas que nublam o surgimento de mais um ano de caça aos aliens. Para ajudar o caos, o cliffhanger em Miracle Day prolonga o drama em torno das três famílias que “cultivaram” e alimentaram “A Benção”, ou seja, não há muita saída para o roteiristas se não mostrar, pelo menos no início da possível temporada, o que seria o tal “Plano B” citado nos segundos finais do último episódio. Parece-me que conseguiram se encurralar muito bem.

A Nova Torchwood

As duas primeiras temporadas de Torchwood contaram com uma equipe carismática e uma trama que envolvia o combate e a caça a objetos alienígenas. A série mantinha uma estrutura estética bastante próxima a Doctor Who (no sentido de ser propositalmente “B” em alguns efeitos e caracterização de monstros), e lidava cotidianamente com ameaças externas. O uso de determinadas tecnologias e a estrutura dramática da série eram encantadoras e, a cada episódio, um novo impasse precisava ser resolvido, só de uma uma forma que fugisse aos moldes do chateante “caso da semana”.

Na terceira temporada houve uma reformulação completa na estrutura do show. Com a morte de Tosh e Owen ao final da segunda temporada, os remanescentes Ianto, Gwen e Jack deram um prosseguimento mais que satisfatório ao que havia sido plantado anteriormente. Children of Earth representou apenas uma reformulação narrativa para a série, mas o padrão estabelecido desde o início permaneceram. Mesmo a presença maior e muito mais dinâmica de Rhys e do amigo policial de Gwen fizeram total sentido dentro da série. As coisas iam bem demais.

A exemplo de Children of Earth, Miracle Day seguiria o modelo de “uma única história”, de modo que teríamos a temporada inteira (desta vez com 10 episódios, o dobro da temporada anterior) destinada ao desenvolvimento de um drama específico. O problema é que os eventos desta 4º Temporada não constituem-se uma ameaça ou algo plenamente alienígena ou não tão alienígena quanto o que tínhamos nos anos anteriores.

A tal “Benção” até pode ganhar uma classificação de força alienígena, mas sua exposição como um ser de outro mundo e o trabalho com os elementos da mitologia da série foram tão tímidos e tão modificados que no final das contas temos um ano completamente fora do padrão dos anos anteriores. A nova Torchwood nem parece mais ser Torchwood, principalmente se contarmos a transferência da base para os Estados Unidos, na primeira metade desta temporada, e o compartilhamento do poder imortal de Jack para o detetive Rex Matheson. Parece uma frase infantil, mas é a mais pura verdade: perdeu a graça.

As Intermitências da Morte

Em 2005, o escritor português José Saramago publicou um de seus romances mais inventivos e críticos à sociedade contemporânea: As Intermitências da Morte. O livro aborda os acontecimentos de um país fictício onde a partir do dia 1º de janeiro, nenhuma pessoa mais morreu. Embora T. Davies e os roteiristas da série não tenham creditado Saramago como inspiração para a trama de Miracle Day, é impossível não fazer ligações imediatas com as tramas do livro e da série.

Na série, somos apresentados ao caso de Oswald Danes (Bill Pullman), um pedófilo e estuprador que sobrevive à execução de sua pena de morte. Em seguida, temos o acidente do detetive Rex Matheson, onde ele é empalado por vigas de ferro em um acidente de carro que o teria matado se não fosse o tal “dia do milagre”. De repente, em todo o mundo, as pessoas pararam de morrer.

A trama em si só é realmente incrível e abre espaço para questionamento e críticas tão contundentes quanto as que tivemos em Children of Earth. A discussão sobre os direitos de vida e morte, a estruturação de governos fascistas, o impacto e posição da mídia, as contrastantes opiniões dos intelectuais, a visão religiosa, tudo isso vem à tona e gera um excelente ponto de partida para a temporada. De início, aceitamos não saber a origem alienígena do acontecimento, mas já somos obrigados a lidar com a nova roupagem da série e suas modificações drásticas no trato com a Equipe Torchwood.

Por um lado, o alívio cômico vindo da briga entre britânicos e americanos é muito interessante e ganha uma boa abordagem nos primeiros episódios. Aos poucos, porém, a permanência de Jack e Gwen nos Estados Unidos esvazia tudo o que havíamos conhecido deles. De repente, Torchwood perde o padrão, não apenas pela mudança geográfica mas porque essa mudança vem acompanhada de alterações no padrão conceitual, estético e dramático da série.

Jack, Gwen e Rhys não perdem a formulação psicológica, e isso é algo positivo, convenhamos. Mas dentro de uma mesma apresentação de personagens, a “nova Torchwood” se torna ainda mais estranha. É como se víssemos as mesmas pessoas das temporadas anteriores interpretando o mesmo papel em uma série diferente!

No desenrolar da história, é inegável que há escolhas estéticas e composições do roteiro que são dignas de aplausos. Se não fosse ligada a Torchwood, Miracle Day seria uma série excelente. Mas ao mudar o padrão do show original, essa temporada cria conflitos em grande escala no espectador. O primeiro deles está ligado à excelência técnica. Com investimento americano na produção, Miracle Day ganha ares cinematográficos e até em subtramas de caráter filler, como a de Angelo Colasanto (que só serve para introduzir um ponto no passado de Jack que se ligue ao presente e, o que realmente importa aqui são as três famílias), nos conquistam pela ótima direção, fotografia e trilha sonora.

Mas ao mesmo tempo que apresenta essa versão “HD” de Torchwood, sem os monstros ou objetos toscos e uma verdadeira e palpável ameaça alien, Miracle Day afasta o espectador porque praticamente renega a fonte original. É bastante complicado lidar com esse tipo de mudança em uma série e confesso que é a primeira vez que eu vejo algo assim.

Diferente das temporadas anteriores, estou muito apreensivo quanto ao futuro de Torchwood, no caso de sua saída do limbo. Com as grandes modificações feitas na estrutura da série nesta temporada, temo que o quinto ano afaste ainda mais o espectador daquela série pela qual se apaixonou em 2006, nos velhos tempos da base subterrânea, do café, das pizzas e das verdadeiras ameaças alienígenas. Um milagre. Sim. É de uma temporada milagrosa que Torchwood precisa para recuperar a sua verdadeira alma.

Torchwood – 4ª Temporada: Miracle Day (EUA / UK, 2011)
Direção: Bharat Nalluri (episódio 1); Bill Gierhart (episódios 2, 3, 4, 10); Guy Ferland (episódios 5, 6, 9); Gwyneth Horder-Payton (episódios 7, 8).
Roteiro: Russell T. Davies (todos os episódios); Doris Egan (episódio 2); Jane Espenson (episódios 3, 5, 7, 8, 10); Jim D. Gray (episódio 4); John Shiban (episódios 4, 6); Ryan Scott (episódio 8); John Fay (episódio 9).
Elenco principal: John Barrowman, Eve Myles, Mekhi Phifer, Alexa Havins, Kai Owen, Bill Pullman, Arlene Tur, Lauren Ambrose
Duração: 60 min. (cada episódio)

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