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Crítica | Tormenta

Sociedade dos Marinheiros Mortos.

por Ritter Fan
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É interessante como, em toda descrição, em toda peça publicitária e até em seu título, Tormenta apresenta-se como um filme-desastre, enquanto que o desastre – que, sim, como nos fatos em que o longa se baseia, acaba se abatendo sobre o veleiro-escola Albatross – é uma parte ínfima da obra, tão ínfima que, tenho para mim, ela é trabalhada com uma velocidade desconcertantemente rápida na projeção por Ridley Scott, com um dénoument igualmente afobado e até atabalhoado. Não que seja incomum Hollywood privilegiar o “espetáculo” ao ponto de enganar o público sobre a natureza de uma obra, mas essa estratégia pode ser frustrante para o espectador e pode acabar manchando a própria obra.

E, de fato, Tormenta não é, de forma alguma, um filme-desastre, ou seja, ele não gira em torno de um grande e mortal evento como Inferno na Torre ou O Destino do Poseideon, mas sim um clássico e bonito longa de amadurecimento – ou coming of age – que foca na jornada de jovens a bordo da referida embarcação-escola, um bergantim, comandada pelo rígido, mas ao mesmo tempo adorável Capitão Christopher Sheldon (Jeff Bridges) e que acaba em tragédia. Em outras palavras, o final não é o objetivo do longa, algo que, inclusive, é mencionado textualmente durante a projeção pela narração do jovem Chuck Gieg (Scott Wolf) em cujo relato o filme é baseado. É necessário, portanto, que o espectador desavisado ajuste suas expectativas, algo que deve ter sido uma das razões para o injusto fracasso financeiro do longa em seu lançamento, mais um dos vários na carreira do cineasta, até porque Tormenta pode ser muito bem interpretado como uma versão náutica do belíssimo Sociedade dos Poetas Mortos, de Peter Weir.

Não que a obra de Scott tenha o mesmo tipo de ressonância dramática do longa de seu colega australiano, claro, mas Tormenta carrega o mesmo tipo de espírito edificante que une muito bem as descobertas de mentes jovens a partir de um professor que os inspira a sair das cápsulas confortáveis em que vivem, reconstruindo sua visões de mundo e, por consequência, deles mesmos. Bridges, apesar de não ser tecnicamente o protagonista, novamente constrói um personagem de presença magnética que não precisa recorrer a floreios dramáticos para firmar-se em seu ambiente. Seu Capitão Sheldon é um homem apaixonado pela vida, pela arte de ensinar, pela aventura de velejar pelo mundo e por sua esposa Alice (Caroline Goodall), que é a médica do veleiro e o ator transmite tudo isso de maneira natural, até mesmo estoica, em que suas poucas palavras ressonam muito mais do que o “despertador shakespeareano” do divertido professor McCrea (John Savage).

A direção de Scott é, novamente, um primor, assim como a direção de arte que captura a essência “estrangeira” – ou não-americana – dos anos 60 em que o longa se passa, mantendo acesas as chamas de deslumbramento por que os jovens passam, cada um trazendo de casa seus mais variados problemas, seja o trauma da perda do irmão de Gil Martin  (Ryan Phillippe), seja a sombra que o pai de Frank Beaumont (Jeremy Sisto) projeta sobre ele. É muito bonito ver a crescente união entre eles ao redor da navegação e, claro, de Sheldon, que se torna admirado por todos, mas o roteiro adaptado de Todd Robinson, ao eleger uma estrutura episódica para contar a história, acaba tirando tempo para uma imersão maior em cada personagem, com Scott, por mais que se esforce, não encontrando tempo e até mesmo espaço para estabelecer com força o tipo de dinâmica que acaba sendo exigida pelos eventos ao final do longa, depois do desastre.

Apesar de desconhecer relatos dessa natureza, é como se um filme muito mais longo tivesse sido originalmente imaginado e, depois, editado de maneira a “caber” dentro das exigências do estúdio, deixando no chão da sala de edição toda a coesão dramática que a história merecia. O que resta dessa impressão, porém, ainda é um longa de inegável qualidade especialmente pela presença de Bridges e pelo invejável trabalho de câmera de Scott no espaço confinado que tem para trabalhar (a sequência da tormenta do título em português é particularmente eficiente, ainda que acelerada demais), além do quanto o elenco jovem, em conjunto, funciona bem em termos de dinâmica de grupo, com as atuações solo sendo bem menos interessantes.

Como Tormenta não é, apesar do esforço publicitário, um filme-desastre, não cabe, aqui, dizer que ele não alcança esse objetivo, pois é óbvio que este nunca foi o objetivo da fita, mas, como o coming of age que é, ele acaba funcionando, mesmo que sem o mesmo ritmo ou peso dramático de diversas outras obras do subgênero. Apesar de ser uma obra muito agradável, mesmo nos (poucos) momentos mais tensos, Ridley Scott entrega uma versão picotada demais de uma história que tinha potencial para ser muito mais do que o que acabou chegando às telonas.

Tormenta (White Squall – EUA/Reino Unido, 1996)
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Todd Robinson (baseado em livro de Charles Gieg Jr. e Felix Sutton)
Elenco: Jeff Bridges, Caroline Goodall, John Savage, Scott Wolf, Jeremy Sisto, Ryan Phillippe, Eric Michael Cole, Julio Oscar Mechoso, Balthazar Getty, Jason Marsden, David Lascher, Ethan Embry, David Selby, Jordan Clarke, Željko Ivanek, James Rebhorn, Jill Larson, Lizzy Mackay
Duração: 129 min.

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