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Crítica | Tormento, de John Boyne

por Leonardo Campos
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Os impactos de uma tragédia de trânsito não acometem apenas os familiares e demais pessoas envolvidas na trajetória da vítima, mas a depender da situação e do caráter do “culpado” da história, pode também acarretar uma série de dilemas para o lado responsável, mesmo que sem querer, pelo acontecimento fatídico, seja uma batida, atropelamento, etc. Em Tormento, de John Boyne, contemplar o olhar de um jovem adolescente diante dos desdobramentos de uma crise após a sua mãe atropelar acidentalmente outro jovem e trazer para a família não apenas a necessidade de acalento face ao clima culposo que se estabelece. Ela também afunda o casamento e o próprio filho dentro da atmosfera angustiante de dor que lhe acompanha diariamente, sensação enlutada narrada em primeira pessoa pelo menino, Danny Delany, impedido de continuar a sua fase de crescimento a amadurecimento com o devido acompanhamento dos pais, naufragados em crises constantes.

O autor irlandês, como pudemos contemplar no emocionante e reflexivo O Menino do Pijama Listrado, sabe tocar nas cordas das emoções humanas e nos sensibilizar mesmo diante de uma história com estrutura mais básica. Seguimos a trajetória de Danny, no auge de seus 12 anos, tendo como ponto de vista o seu olhar comprometido pelos próprios desejos e ansiedades. A narrativa se passa durante as suas férias de verão, período ideal para andar de bicicleta e se divertir jogando bola e fazendo coisas descomprometidas com seu amigo Luke. Esse clima diletante e leve é deixado de lado quando certo dia, a sua mãe demora mais tempo que o esperado para retornar da rua. Ele e o pai, atentos diante da anormalidade dos fatos, aguardam a chegada da matriarca que ocorre logo mais, sem delongas, mas de uma maneira inusitada. Ela está acompanhada da polícia. É o começo de uma situação estressante, pois somos informados que houve o atropelamento de uma criança chamada Andy, atingida ao surgir do nada na pista e tornar a sua mãe parte das estatísticas dos condutores e acidentes de trânsito.

Depois do ocorrido, o jovem adentrou nas zonas profundas e encontra-se em estado de coma. Devastada, a mãe é um poço de lágrimas, acalentada inicialmente pelo pai, consolo que ao se estender demasiadamente, torna a relação alvo de desgastes. Ele, no papel de filho, faz o que é possível, mas precisa lidar com uma mãe distante e amargurada. Ninguém lhe explica adequadamente as coisas e o destino de tudo é o naufrágio das relações humanas envolvidas no caos em questão. O seu irmão mais velho, elo familiar que podia ajuda-lo diante deste esquema de ressignificação de sua família, encontra-se fora do país, numa faculdade situada no continente europeu. É quando a novela de Boyne dá margem para que conheçamos Sarah, irmã do garoto atropelado, catalisadora de algumas reviravoltas que tomarão a história, contada agora pelo outro lado. Parece, salvaguardas as devidas proporções, Traídos Pelo Destino, filme de 2007, adaptação de um romance mencionado no desfecho desta reflexão, trama sobre vítimas, culpados e todos os arrastados para o inferno de uma situação tão devastadora.

Diante do exposto, entre “fios e rastros” de segredos dos personagens, a amizade dos jovens gera mais crises e torna-se um projeto a ser bruscamente interrompido por forças empreendidas de ambos os lados dos familiares envolvidos. Segundo o relato de sua mãe, o menino atropelado surgiu do nada e causou a situação, o que leva Danny a se perguntar por qual motivo há tanta comoção e culpa se o que de fato ocorreu foi um acidente. Subestimado cotidianamente, o menino é deixado ora é deixado com os vizinhos para que os pais resolvam as suas celeumas ora é deixado para escanteio em casa, sem a atenção que clama, pelo olhar e por ações simples. No desenrolar de suas 89 páginas, Tormento cumpre a missão de encerrar sem pressa a sua história, tampouco estender demais o relato e nos deixar diante do tédio. Sem grandes momentos, a novela de John Boyne é um texto simples, direto, envolvente e reflexivo.

Publicado em 2009, a edição de 2014 da Editora Seguinte no formato digital é de estrutura atraente para leitura ao longo de suas 88 páginas. Com tradução adequada de Carlos Alberto Bárbaro, Tormento foi parte de um projeto intitulado Quick Reads, de 2006, idealizado para permitir maior acesso ao ato da leitura, modificado na contemporaneidade, tomada pela velocidade do tempo diante de tantas dispersões. Um dos focos do projeto era quebrar o preconceito com histórias mais ligeiras, obras que tal como já sabemos desde sempre com o menor volume do conto comparado ao romance, pode ser até mais intenso e filosófico que longas páginas do gênero literário conhecido pelo número maior de páginas. Ademais, sobre o tema, a novela de John Boyne é bastante atual ao trazer, tal como A Estrada da Reserva, de John Burnham Schwartz, o tema da culpa que corrói o lado culposo da história, dando ênfase aos desdobramentos de seus atos, isto é, alguém atropela e leva consigo um rastro de pessoas e sentimentos. É uma rede de luto, dor, arrependimentos, dentre outros sentimentos.

Tormento (The Dare) – Irlanda, 2009
Autor: John Boyne
Editora: Seguinte
Tradutor: Carlos Alberto Barbaro
Páginas: 74

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