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Crítica | Toy Story

por Gabriel Carvalho
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“Você é um brinquedo!”

É estranho encarar uma obra cinematográfica como uma amiga, no entanto, Toy Story certamente entraria nessa categoria excêntrica. A animação é muitas coisas, para muitas pessoas, épocas e contextos. Lançada em 1995, esta produção tornou-se, a exemplo, a primeira animada totalmente por computador – controvérsias existem, principalmente relacionadas à Cassiopeia, longa nacional. Mesmo assim, sem Toy Story não teríamos as aventuras, para além da animação tradicional e em duas dimensões, que temos atualmente. Junto aos animadores, o comandante desse projeto, John Lasseter, explora o senso de novidade nas proposições visuais do longa-metragem, criando um universo que soa original e particular em várias esferas. Desde a apresentação do quarto de Andy (John Morris) ao voo no clímax, importam as três dimensões, que consolidam a imersão em uma premissa que as usa mais do que como mera reconfiguração das texturas e traços. A inovação tecnológica é uma renovação em essência. É das mais simpáticas ideias de fantasia o argumento de que os brinquedos das crianças têm vida. Como poder transformar a premissa em realidade, senão materializando aos objetos inanimados, projetados num mero cinema, uma outra dimensão?

Era imprescindível, assim sendo, o longa-metragem ser confeccionado em computadores. Longe dessas máquinas serem sem vida – como os brinquedos também não são -, morava, entretanto, muita paixão na vontade dos artistas da Pixar Animation Studios em se tornarem pioneiros. Essa é uma conquista, consequentemente, que não apenas engrandece Toy Story em um sentido técnico, já merecedor de prêmios. Em contrapartida a isso, a revolução tecnológica em questão igualmente engrandeceu a animação em outros termos: como ao concretizar a sua criação de mundo, em si novo, e que originaria uma aproximação sentimental entre cinema e público. O encantamento, por sua vez, não reside somente na novidade “superficial”, porque existe valor no conteúdo e numa integração entre tecnologia e narrativa. Em termos de profundir um senso de amor a todas as crianças que assistiram à animação, Toy Story cumpre, no caso, uma instigante proposta criativa – e que, por sinal, é muito original, convidativa. O roteiro preocupa-se, no mais, em usar a premissa mágica não apenas como pretexto, mas como parte de um estudo. É importante para Toy Story, portanto, compreender quem são esses brinquedos e quais são os reais objetivos deles no mundo.

Ao som de “You’ve Got a Friend in Me”, composição de Randy Newman, apresenta-se o jovem Andy, na primeira cena da animação, interagindo com os seus melhores amigos. A música é crucial no estabelecimento do amor incondicional entre brinquedos e donos. O roteiro, ademais, traja paciência ao não expor de cara a premissa, construindo com paciência a mística e o entendimento dos dramas que estão em jogo e que servem a um propósito discursivo: uma criação de mundo ficcional que ressignifica relações reais. Esse conjunto inteiro enriquece o senso imaginativo e o carinho dos espectadores-mirins pelos seus bonecos e bonecas, assim como investe a atenção dos animadores em um universo que tem muitas camadas de verossimilhança. Pode até ser que parte do público-alvo não tenha muitas amizades nos seus cotidianos, contudo, certamente tem em seus quartos. A jornada de Woody (Tom Hanks), no caso, abrange basicamente os seus ciúmes com a chegada de Buzz Lightyear (Tim Allen), um astronauta de brinquedo que acredita ser um explorador espacial de verdade, mas que passa a ser brincado com mais frequência por Andy, o dono de ambos os personagens. Os dois se perdem e precisam voltar antes que o garoto se mude.

Em meio a crises existencialistas, os protagonistas entram em trajetórias que progressivamente intensificam o amor que está em jogo. Certas canções, aliás, complementam os dramas dos personagens – “Strange Things” e “I Will Go Sailing No More” são marcantes nesse sentido. Buzz, em sua instância, está prestes a perceber-se como uma fraude, até que sua missão ganha outros significados, não mais sendo proteger as galáxias, porém, proteger o coração de um mero menino. Já Woody, mesmo sem que Andy brinque com ele, precisa estar a sua disposição quando o garoto precisar. Essa ideia mágica de amor acima de tudo é muito recompensadora ao público, embora passível de certo questionamento, por sustentar um pensamento um pouco escravocrata. Mas até para isso o argumento consegue encontrar uma resolução, trazendo o antagonista Sid (Erik von Detten) para contrapor Andy enquanto criança e, derradeiramente, sofrer as consequências de seu comportamento. Os moralismos da obra constroem um imaginário que é poderoso o suficiente para impactar, sem precisar ser expositivo ou pedagógico. Enquanto promessa de uma amizade eterna, Toy Story transpõe muros cinematográficos para nos abraçar, conversando conosco pessoalmente.

E como qualquer brincadeira, a animação precisaria ser imaginativa, precisaria entreter e também conquistar. Das aventuras mais empolgantes que o cinema de animação já apresentou, Toy Story é, acima de qualquer coisa, uma boa história. Os eventos necessários ocupam a curta duração do longa com muita agilidade, contudo, nunca parecendo apressados ou precisando de soluções bobas para encontrarem conclusões. Os confrontos que despontam no decorrer da narrativa soam naturais, como Buzz ignorar os chamados de Woody para adentrar numa nave espacial e, em seguida, ser capturado por Sid. Há muita inteligência no modo como o roteiro usufrui dos dramas, como a inimizade que os demais brinquedos de Andy pegam de Woody, para reorganizar cenas específicas. Várias possibilidades de soluções vão surgindo para os personagens, os aproximando dos seus objetivos, entretanto, recorrentemente, aparece um problema novo para ser uma barreira ao sucesso antecipado da missão. Quando o caubói está apenas a uma janela de distância do quarto do seu dono, por exemplo, uma reviravolta na trama de Buzz Lightyear o impede de ser resgatado. Os acontecimentos encadeados, portanto, exemplificam uma ótima precisão na coesão.

De certo que o longa não possui as nuances emocionais que as suas sequências apresentariam, mas é extremamente rico em estabelecer a empatia do público com tais personagens, para que esse futuro se tornasse uma possibilidade. Cada um dos coadjuvantes – que ganhariam mais presença na narrativa em outras oportunidades – traça uma personalidade particular. Cada bordão ocupa um espaço no imaginário. Iconograficamente, monta-se uma animação que pega da nostalgia do público com os brinquedos do seu passado – ou os do presente – para recriar uma própria. A premissa é um tanto simples, porém, as reinvenções na jornada mostram um cuidado criativo que merecidamente rendeu à animação uma indicação ao Oscar de Roteiro Original. Um experimento tecnológico, uma revolução cinematográfica, uma conquista intimista. Toy Story ganha vários significados ao longo dos tempos, no entanto, no final das contas, o mais importante mesmo mora na conexão que a obra estabelece com o seu público. De certa maneira, Andy torna-se uma espécie de personificação de cada um dos espectadores. E ao passar dos anos, a amizade, entre estes personagens e nós, não irá morrer. O tempo vai passar. Já Toy Story continuará o seu amigo.

Toy Story – EUA, 1995
Direção:
 John Lasseter
Roteiro: Joss Whedon, Andrew Stanton, Joel Cohen, Alec Sokolow
Elenco (vozes originais):Tom Hanks, Tim Allen, Don Rickles, Jim Varney, Wallace Shawn, John Ratzenberger, Annie Potts, John Morris, Erik von Detten, Laurie Metcalf, R. Lee Ermey, Sarah Freeman, Penn Jillette, Sherry Lynn, Jack Angel, Spencer Aste
Duração: 81 min.

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