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Crítica | Três Homens em Conflito

por Ritter Fan
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E com Três Homens em Conflito, Sergio Leone fecha sua magnífica Trilogia dos Dólares, também conhecida como Trilogia do Homem Sem Nome. Sem medo algum de trazer o espectador para bem próximo de seus personagens, o diretor torna-os íntimos de uma relação de amor e ódio entre três homens que têm apenas um objetivo: achar o pote de ouro no final do arco-íris, o mesmo tipo de McGuffin que Leone utiliza por toda sua trilogia, mas cada vez de maneira bem diferente.

Seja como for, Três Homens em Conflito é o ponto alto do spaghetti western e o trampolim de Leone para Hollywood, que viria a fisgá-lo para a fronteira americana já no seu filme seguinte, Era Uma Vez no Oeste. Mas mesmo antes de colocar de verdade suas mãos nos cofres mais profundos dos estúdios americanos, Leone já havia angariado fama suficiente com Por Um Punhado de Dólares e Por Uns Dólares a Mais para conseguir dos ianques dinheiro para financiar com folga seu terceiro filme, o que seria o primeiro passo para as produções passarem a ser americanas dali em diante. Clint Eastwood, por sua vez, já completamente estabelecido na figura do Homem Sem Nome, da qual ele nunca verdadeiramente se livrou, pode se dar ao luxo de trocar parte de seu cachê por uma percentagem da bilheteria.

Charles Bronson era a escolha de Leone para viver “O Mau”, mas o ator estava sem agenda, pois filmaria em breve Os Doze Condenados. Com isso, os olhos do diretor se voltaram para Lee Van Cleef novamente, mesmo que estivesse receoso de confundir a plateia sobre a identidade do personagem. Van Cleef viveria o mesmo homem do filme anterior ou não? Ainda que por um momento possa haver uma resposta positiva para essa pergunta, a conclusão correta é que Angel Eyes, seu personagem em Três Homens em Conflito não é o Coronel Douglas Mortimer de Por Uns Dólares a Mais. Eli Wallach, por sua vez, foi a segunda escolha de Leone, que queria, originalmente, Gian Maria Volonté, mas pensou melhor e reparou a veia cômica de Wallach em A Conquista do Oeste, traço marcante do personagem Tuco, ou “O Feio” (“O Bruto” no original italiano).

Escolhida a trinca principal, a estrutura narrativa seguiu a mesma ideia dos dois filmes anteriores: a ambição. Mas Leone tinha ambições ainda maiores que seus personagens e, mesmo trabalhando um roteiro com esse tema básico, ampliou seu escopo e integrou a história à Guerra Civil americana, transformando sua obra em uma espécie de denúncia da brutalidade e do vazio da guerra e de como algumas pessoas são capazes de se aproveitar do sofrimento humano para prosperar. E tudo isso sem esquecer do conflito entre Blondie, Tuco e Angel Eyes, que é vagarosamente construído.

À época, a crítica recebeu a obra de Leone muito mal, com comentários que a chamava de “insuportável”, “chata”, “arrastada”. E, de fato, Três Homens em Conflito é Leone usando toda sua fotografia para trabalhar com calma seus personagens, muito mais calma do que vemos nos filmes anteriores. Em primeiro lugar, cada um dos personagens principais é apresentado individualmente, com clara identificação com títulos na tela com um frame parado. Sabemos o que esperar de cada um deles, sem surpresas. Mas “O Bom” não é tão bom assim, pois trabalha à margem da lei e se aproveita do sistema. “O Feio”, por sua vez, sorridente e bonachão, mostra-se extremamente perigoso e inteligente. Apenas “O Mau” carrega uma certa monotonia em sua forma de agir. Ele pouco muda, mas Lee Van Cleef, trabalhando o roteiro escrito a oito mãos, cria um vilão silencioso que é absolutamente inesquecível.

Leone, como de hábito, usa e abusa de planos gerais sendo contrapostos com close-ups e planos detalhe entrecortados por uma montagem que nos envolve completamente na construção da tensão. O que em suas obras anteriores soava talvez como experimentação ganha corpo e fluidez em seu terceiro filme e essa sua técnica, por sua vez, alcança seu clímax juntamente com o ponto alto da projeção, o duelo triplo em um enorme círculo de pedras ao lado do cemitério. A simbologia presente – morte, desolação e solidão – é trazida para nós com sucessivos cortes que, primeiro, vão suavemente do plano geral ao plano detalhe, mas que, depois, intercala os dois com close-ups e, em seguida, sem uma ordem fixa, nos permite ver cada detalhe de seu incrível trabalho de composição cenográfica e direção de arte, com cuidados excruciantes com figurino e direção de personagens. Nesse momento, é importante reparar (na verdade, é impossível não reparar) nas mãos e nos olhos dos personagens, cada um com seus trejeitos, seus estilos, todos eles ditados por suas personalidades. Angel Eyes transparece inteligência extrema e vilania completa; Tuco é espanto, medo e despreparo puros ao passo que Blondie tem toda a calma do mundo, a calma da certeza que o duelo triplo, não verdade, não é bem o que parece.

Mas esse imbatível trabalho de Sergio Leone não seria nem próximo do que é não fosse a inimitável composição de Ennio Morricone. Assim como acontece com o diretor, Morricone alcança sua completa maturidade musical (em termos de faroeste) em Três Homens em Conflito, amplificando temas que ouvimos nos filmes anteriores e criando melodias definitivas do gênero como é a principal do filme. São músicas que, inseridas na fita, dão outra vida aos olhares profundos e detalhistas dos personagens que até ganham sons próprios para caracterizá-los (flauta para Blondie, vozes para Tuco e ocarina para Angel Eyes). No entanto, indo mais além, a música ultrapassa o confinamento da obra audiovisual para a qual foi composto e funciona separada das imagens, sendo literalmente impossível passar incólume ao ouvi-la. Sem medo de errar, é uma das melhores trilhas sonoras já compostas na Sétima Arte.

Quando de seu lançamento nos cinemas, o corte original de 2h57′ foi diminuído em 16 minutos pela United Artists para lançamento em países de língua inglesa. Essa é, normalmente, a versão mais popular do filme, pois somente em 2004 houve a remasterização do negativo, com a inclusão dos 16 minutos originalmente cortados, com Clint Eastwood e Eli Wallach voltando para dublar suas vozes novamente e Simon Prescott para fazer a voz de Lee Van Cleef, que falecera em 1989. São várias pequenas sequências e duas maiores e relevantes. A primeira delas é a chegada de Tuco à uma cidade depois de ser deixado no meio do deserto por Blondie. Ele monta sua própria arma em uma loja e rouba o estabelecimento, encaminhando-se para seu esconderijo onde encontra os homens de sua gangue para tramar o assassinato de seu algoz. A segunda sequência diz respeito a Angel Eyes chegando em um acampamento dos Confederados, onde ele testemunha o precário estado dos soldados, somente para, em seguida, subornar um deles para conseguir informações. Em geral, porém, as cenas re-inseridas não expandem a narrativa para além do que a versão mais curta pretende e seu valor é mesmo muito mais para os cinéfilos amantes do trabalho de Leone, como esse que subscreve a presente crítica.

Três Homens em Conflito é uma obra-prima indispensável que merece toda a reverência daqueles que se consideram amantes da Sétima Arte. Mas o melhor é que a carreira de Leone consegue, com suas três únicas obras seguintes que dirigiria por completo, alcançar outros patamares ainda. É quase inacreditável, mas é verdade.

Três Homens em Conflito (Il Buono, il Brutto, il Cattivo, Itália/Espanha/Alemanha Ocidental – 1966)
Direção: Sergio Leone
Roteiro: Agenore Incrocci, Furio Scarpelli, Luciano Vincenzoni, Sergio Leone
Elenco: Clint Eastwood, Eli Wallach, Lee Van Cleef, Aldo Giuffrè, Luigi Pistilli, Rada Rassimov, Enzo Petito, Claudio Scarchilli, John Bartha, Livio Lorenzon, Antonio Casale, Angelo Novi
Duração: 177 min. (versão original italiana), 161 min. (versão americana e britânica)

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