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Crítica | Três Mulheres: Uma Esperança

Convívio entre diferentes.

por Luiz Santiago
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Escrito e dirigido por Saskia Diesing, Três Mulheres: Uma Esperança (2022) conta-nos uma história da Segunda Guerra Mundial, explorando de maneira emotiva as interações entre mulheres muito diferentes. Os eventos falam da força, da capacidade de resiliência, da empatia e sobrevivência das protagonistas em meados de 1945, quando um trem que deportava prisioneiros judeus é abandonado pelos nazistas perto de uma vila alemã ocupada pelo Exército Vermelho. A diferença entre os grupos sociais, étnicos e ideológicos ali reunidos será o grande cerne da película, que explora a improvável amizade entre a franco-atiradora soviética Vera (Eugénie Anselin), a aldeã nazista Winnie (Anna Bachmann) e a matemática judia-holandesa Simone (Hanna van Vliet).

Compreendemos imediatamente o conflito proposto pela diretora, ao falar dos papéis sociais que cada uma dessas mulheres possuem no encerramento da 2ª Guerra. Desconfiança, desespero, dor, ânsia pela paz e vingança são sentimentos compartilhados pelo trio em diferentes configurações, e a cineasta vai construindo o caminho para entendermos as três histórias centrais, mais ou menos como se quisesse marcar a estrada emotiva percorrida por essas mulheres até chegaram ali. O problema é que o roteiro não atenta, de fato, para as condições de vivência, o que nos coloca frente a uma falha no desenvolvimento de personagens que nunca é resolvida, sendo este um dos problemas mais fortes da obra.

A presença de Isaac (Bram Suijker), o marido de Simone, é um ponto dramático que faz sentido na proposta, mas para o que a cineasta propõe (explorar as relações femininas) acaba sendo uma pedra na narrativa a longo prazo, especialmente no final. Por contar com três atrizes muito boas em seus papéis, Saskia Diesing consegue ao menos exibir a intensidade dos ânimos à flor da pele que a situação exige, valendo-se muito mais da dramaturgia do que de sua capacidade em compor um sentido e uma unidade geral na fita. O espectador percebe que falta algo. Mesmo que se contente em lidar com as migalhas que explicam um pouco da trajetória de Simone e principalmente de Vera (numa belíssima cena em que ela explica porque se tornou franco-atiradora) essas relações sempre cairão no mar da superficialidade, em linhas de ação e reação que pouco ou quase nada constroem de importante para a narrativa.

Há também as incongruências ideológicas na tapeçaria de ideias que envolvem o trio feminino. A diretora parece ter medo de definir Winnie abertamente como nazista, de modo que o impacto nas relações das outras personagens com a garota acaba se perdendo quase totalmente. Uma vez que a “antagonista” do filme não se mostra, de fato, como “antagonista” (tudo é muito sutil e indireto), a amizade dela com uma soviética e com uma judia acaba sendo mais um encontro entre mulheres com temperamento diferente. E se for para ver um encontro de mulheres com temperamento diferente, por que, então, ambientar a obra na Segunda Guerra? Lembremos mais uma vez: o único lado certo no conflito era o dos anti-nazifascistas. O restante estava errado. Um filme que usa disso como base e não tem coragem de dar nome aos bois, apontar erros e falar diretamente do alinhamento da mulher nazista da obra é simplesmente covarde.

A incongruência segue com a inserção de um “plano maligno de Moscou” que, supostamente, pretendia sequestrar os judeus com alguma profissão intelectual relevante para ajudarem na reconstrução da URSS após o conflito. Se somar tudo sobre o tal plano, teremos no máximo uns 3 minutos de filme, e a coisa é tão mal trabalhada como ficção, que mesmo o mais desatento do espectador perceberá o risível abandono da intriga de forma tão misteriosa e sem sentido como começou. Aqui, não apenas esse evento, mas tudo quanto é conflito se resolve num estalar de dedos e da forma mais fácil possível. Até a construção do suspense na fuga é cortada pela edição, numa cena que poderia gerar algo marcante, na reta final do filme, mas que acaba sendo apenas um ensaio de susto no caminho dos personagens.

Grandes eventos históricos possuem imensa abertura para todo tipo de narrativa a ser contada. Em Três Mulheres: Uma Esperança (2022), a abordagem de destaque para as mulheres une o espírito de nossa época à luta dos seres humanos contra o III Reich e seus apoiadores. O drama tem caminhos que tocam o espectador (destaco a emotiva cena em que Simone, Vera e Winnie cortam os cabelos de outras mulheres – uma cena que deveria ser um pouco mais longa, trazer mais movimentos de câmera e uma edição mais precisa), mas morre na praia em praticamente todos os entraves que exibe, inclusive o último, onde vemos Simone tomar um caminho incoerente e sobre o qual a diretora não cria uma única cena de ligação ou contexto para dar sentido. O filme é mais uma possibilidade de olhar para eventos que aconteceram no dia a dia, em diversas vilas e cidades da Europa no período de extermínio dos nazis. Isso é sempre interessante de se ter no cinema. Uma pena que no caso de Três Mulheres: Uma Esperança, não seja um olhar franco ou bem construído.

Três Mulheres: Uma Esperança (Lost Transport) — Países Baixos, Luxemburgo, Alemanha, 2022
Direção: Saskia Diesing
Roteiro: Saskia Diesing
Elenco: Hanna van Vliet, Eugénie Anselin, Anna Bachmann, Bram Suijker, Konstantin Frolov, Frieda Barnhard, Billy de Walle, Edda Lina Janz, Fabienne Elaine Hollwege, Germain Wagner, Nora Koenig, Nicolas Lech, Oscar Martin, Richard Kreutz, Philippe Thelen, Dragan Bakema, Gonny Gaakeer, Isis Caljé, Valerie Schaus, Martijn Oversteegen, Margo Verhoeven, Véronique Kinnen, Willeke van Ammelrooy
Duração: 100 min.

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