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Crítica | Três Samurais Fora da Lei

por Ritter Fan
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Hideo Gosha começou sua carreira de diretor na televisão japonesa e sua criação mais importante foi Três Samurais Fora da Lei, série que durou de 1963 a 1968, mas que, infelizmente, não sobreviveu ao tempo, ainda que ele só tenha sido envolvido nas primeiras temporadas (retornando depois, em 1970, para um revival). Sua transição para o  cinema, algo não só incomum na época como até hoje é cheia de obstáculos, deu-se de maneira absolutamente gloriosa com um longa de origem justamente para os mesmos samurais vagantes que ajudavam camponeses que tornaram sua obra televisiva tão memorável.

Três Samurais Fora da Lei – o filme – é uma aula de composição cinematográfica e economia narrativa, mas sem deixar de ser uma história complexa, nuançada e fora do comum, que pega emprestado temas caros aos grandes cineastas nipônicos da época, especialmente Akira Kurosawa em obras como Os Sete Samurais, Yojimbo e Sanjuro, e imprime sua própria abordagem, sua própria visão sobre honra, lealdade e o bushido. Aliás, em termos de premissa, o roteiro que Gosha escreveu com outros três colegas, é, em linhas bem amplas, a de Os Três Samurais, mas começando com um samurai oferecendo graciosamente seus serviços de proteção a três camponeses desesperados que, para poderem ser ouvidos pelo magistrado local que se recusa a recebê-los como representantes do vilarejo faminto, sequestram a filha dele.

Este samurai benevolente é Sakon Shiba (Tetsuro Tamba), que literalmente esbarra nos camponeses escondidos em um barraco caindo aos pedaços, sem saber muito bem o que fazer. Atraído primeiro por curiosidade, depois por um senso de proteção da donzela indefesa, o espadachim logo percebe, depois que pergunta se eles haviam estuprado a moça, recebendo respostas negativas e indignadas, que quem precisa de defesa são justamente os empobrecidos homens que só querem suplicar pela redução de impostos em tempos difíceis. A subversão de expectativas já começa daí, pois o espectador espera que qualquer samurai honrado vá defender uma mulher amarrada a uma viga de madeira e não que a amarrou. Mas de seu jeito distante e brusco, Shiba logo percebe que a balança pende para o lado dos camponeses e ele logo passa a defendê-los do massacre iminente, chamando a atenção de Kyojuro Sakura (Isamu Nagato), um samurai lanceiro e volumoso que é arregimentado pelas forças do magistrado para aniquilar os camponeses e do próprio guarda-costas samurai do magistrado, o fleumático Einosuke Kikyo (Mikijirō Hira).

A reunião dos três, porém, não é coisa que acontece no afogadilho, sem construção crível e bem estabelecida. Se Shiba demonstra entender o pleito dos camponeses quase que imediatamente, fiando-se na honra entre samurais para entabular negociações, Sakura precisa primeiro confrontar Shiba para compreende-lo, mesmo cometendo um pecado mortal no processo, ao passo que Kikyo mantém-se quase que o tempo todo nas sombras, mas demonstrando ao espectador que ele pende para o lado de Shiba desde o início. O jogo, aqui, é a diferenciação entre honra e lealdade, entre fazer o errado para fazer o certo e a obediência cega a ordens vindas de cima. O jogo também é o da corrupção das autoridades, das figuras públicas e políticas, pois o magistrado vivido por Hisashi Igawa quer a todo custo evitar que os pleitos dos camponeses cheguem aos ouvidos do xogum que em breve passará por ali.

Mas Três Samurais Fora da Lei não segue em momento algum o caminho mais fácil, mais viajado. A jornada dos protagonistas é dura e envolve mais do que apenas eles, já que os três, sozinhos, talvez não sejam suficientes diante das forças da suposta lei. Há que haver sacrifícios, o enfrentamento do medo do castigo e da morte por parte dos camponeses e é importante que o espectador tenha em mente o quanto é difícil lutar contra o status quo mesmo que seja para ter dinheiro suficiente no final do dia para simplesmente alimentar sua família.

Hideo Gosha consegue capturar a essência de sua história e desenvolver cada um de seus três protagonistas, sem precisar em momento algum tornar sua narrativa episódica ou abrir mão de enquadramentos precisos, cortes perfeitos nas ferozes sequências de luta que acompanhamos. A abordagem é substancialmente realista, com uma coreografia que tenta – e consegue – não demonstrar que é uma coreografia planejada, com a câmera trabalhando tão bem como um terceiro participante nos duelos como em planos gerais em que o diretor consegue então fazer suas impressionantes composições visuais, preenchendo os espaços com muita arte, muita precisão, sem permitir que o espectador saia desse maravilhoso mergulho no Japão feudal.

A fotografia em preto e branco de Tadashi Sakai faz grande uso tanto das tomadas externas, amplas e repletas de personagens em movimento, extraindo o máximo da luz natural, esperançosa, quanto das internas, mais sombrias – ou escurecidas, melhor dizendo – em que ele continuamente demonstra que não há uma verdadeira saída para os camponeses e talvez nem mesmo para os samurais. Interessantemente, o complexo onde vive o magistrado, é abordado como um grande labirinto, com portas, corredores, diferentes andares e uma prisão no subsolo que a câmera navega com fluidez, mas sempre salientando a dificuldade na progressão dos samurais quando eles precisam invadir o local. Isso parece enfatizar que os camponeses e seus defensores não passam de ratos tentando encontrar um saída da armadilha em que se encontram, mas que ela é sempre distante, como a teia do poder público sufocando justamente quem o alimenta.

A estreia de Hideo Gosha no Cinema não poderia ter sido melhor. Com Três Samurais Fora da Lei, uma história até simples na superfície ganha camadas e mais camadas e desafia o espectador a compreender de verdade o Código do Samurai e a vida como ela é, ou seja, uma estrada que, para poder ser trilhada, exige a compreensão de que, às vezes, o errado pode estar certo e que escolhas nessa direção precisam ser tomadas.

Três Samurais Fora da Lei (Sanbiki no Samurai – Japão, 1964)
Direção: Hideo Gosha
Roteiro: Keiichi Abe, Hideo Gosha, Eizaburo Shiba, Gin’ichi Kishimoto
Elenco: Tetsuro Tamba, Isamu Nagato, Mikijirō Hira, Yoshiko Kayama, Kyoko Aoi, Hisashi Igawa, Kamatari Fujiwara
Duração: 94 min.

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