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Crítica | Triângulo da Tristeza

Quem tem o poder, controla.

por Felipe Oliveira
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Gerar burburinho no Festival de Cannes não é algo estranho para Ruben Östlund, que mais uma vez após cinco anos desde seu último filme conseguiu abocanhar a Palma de Ouro com o recente Triângulo da Tristeza. Desde a ideia por trás do título, o cineasta sueco executa seu estilo de forma contida antes de apresentar o alvo para o conhecido sarcasmo de sua abordagem. Se olhar para a maneira sutil com o que o significado surge, nada mais é do que a glabela, o espaço entre as sobrancelhas e acima do nariz que franzimos em sinal de raiva ou preocupação, o que tende a gerar rugas com o tempo.

De algo aparentemente simples e do nosso cotidiano, o “triângulo” serve também como alusão à estrutura do filme por ser dividida em três partes, depois, para a síntese definitiva: um trágico fenômeno que traça uma sátira à alta sociedade. Para Östlund, a graça do título é por possibilitar as diferentes facetas com que ele vai trabalhando a temática por um viés mais cínico do humor ao visto em The Square – A Arte da Discórdia. Neste caso, ao reunir inúmeras figuras da alta sociedade num cruzeiro de luxo, o cineasta poupa o caminho de confrontá-los e deixa o trágico destino que os acomete manifestar a vaidade que os corrói em situações extremas.

A narrativa proposta por Östlund é tão imprevisível e engenhosa que graças ao humor mordaz o espectador pode se ver rapidamente atraído pelo que está assistindo, mesmo que o enredo esteja apenas engatinhando. Isso denota muito controle pela a história que está contando, o que fica evidente no primeiro capítulo com a apresentação do casal protagonista, Carl (Harris Dickinson) enquanto se candidata para ser modelo de uma agência publicitária, e Yaya (Charlbi Dean), influencer digital e modelo. Há muitos acenos visuais que servem como pistas e alusões aos capítulos, e nesse momento inicial, a frase “Everyone’s Equal Now“, estampada no telão durante o desfile de Yaya, explode com o cinismo disparado com que vamos conhecendo esse casal repleto de futilidades e vivendo sob aparências, e todo esse recorte ganha força com a abordagem comicamente constrangedora e desconfortável com a discussão sobre igualdade de gênero e empoderamento.

A dinâmica com o casal funciona como uma camada mais superficial da sátira catastrófica que Östlund está traçando, mas ainda assim, é uma camada eficiente pela superficialidade ser proposital, exagerada, um ensaio de duas pessoas privilegiadas por suas aparências e que discutem os problemas de forma banal pela bolha que vivem. Há uma gama de fatores que implicam questões além do que o casal realmente experimenta, e Östlund deixa para observação o entretenimento de ver essa futilidade espumando. E nessa linha, há o que torna Triangle of Sadness tão carismático: o nível desconcertante que o diretor aplica em sua execução.

Ao não perder esse tom desconcertante de vista, é como Östlund transita tão bem entre a sátira expositiva e trágica sobre política, capitalismo e hierarquia, tudo isso pelo prisma da alta sociedade cega nos seus privilégios — momentos com a trilha sonora, como Life, de De’s ree, é humor ácido a parte. A exemplo da hóspede que insiste que viu as velas do barco sujas e que elas sejam lavadas, quando na verdade está à bordo de uma embarcação motorizada, e antes da trama surgir com a virada caótica que inunda da pior forma possível a realidade intocável da alta sociedade, vamos aos poucos conhecendo seus hábitos esnobes como se tudo fosse apenas seus privilégios. A reviravolta quase que literal põe como foco uma única questão: o que sobra quando não se tem mais o controle, os bens, o luxo.

Östlund é simples e direito nas discussões que propõe e não busca complexidade nisso. Pouco a pouco, quando já estamos a bordo deste cruzeiro, conhecendo de influencers a bilionários, a inversão de valores era o último movimento que Östlund queria inserir na trama. A partir disso, vemos o que essa nova configuração gera quando a única pessoa que sabe administrar a situação extrema em que os hóspedes se encontram agora sem a segurança reconfortante do barco de luxo, era quem ocupava o cargo de camareira. A classe trabalhadora agora assume o protagonismo e poder de liderança, e que o Triângulo da Tristeza se torna é um conto que deixa como reflexão o choque moral, ácido e cômico numa divertida sacada de Östlund sobre o que é a humanidade quando ainda temos nossa própria natureza.

Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness – Alemanha-França-Reino Unido-Suécia, 2022)
Direção: Ruben Östlund
Roteiro: Ruben Östlund
Elenco: Harris Dickinson, Charlbi Dean, Dolly De Leon, Vicki Berlin, Iris Berben, Zlatko Buric, Woody Harrelson, Arvin Kananian
Duração: 147 min.

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