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Crítica | Troia (2004)

por Leonardo Campos
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Os poemas homéricos são materiais de grande porte para adaptações cinematográficas e televisivas, mas infelizmente poucos conseguem traduzir bem a estrutura dos poemas, pois a “perdição” dos efeitos especiais ganha evidência, em detrimento da qualidade do roteiro. É claro que diante da tecnologia contemporânea, os leitores de textos clássicos sonham em ver as batalhas e situações da Ilíada e da Odisseia por meio de cenas de tirar o fôlego, tal como o trecho da esquadra de navios em Tróia, de Wolfgang Petersen, foco da análise em questão.

A história é conhecida: em seus 192 minutos, assistiremos ao espartano Menelau (Brendan Gleeson) irado ao saber que Páris (Orlando Bloom), jovem troiano que veio juntamente com seu irmão Heitor (Eric Bana) para uma ação diplomática, sequestrou a sua esposa, a cobiçada Helena (Diane Kruger). É com esse intuito que ele se junta ao irmão Agamenon (Brian Cox) para tomar Troia e recuperar a sua esposa. Para isso, ele conta com o apoio de Odisseu (Sean Bean), engenhoso rei de Ítaca, responsável por convencer o arrogante Aquiles (Brad Pitt) a seguir junto para a batalha. Pátroclo (Garret Hedlund), “primo” de Aquiles também segue para o conflito, mas sem a autorização, o que culminará com uma tragédia que colocará mais “lenha” na fogueira da batalha.

O que vem adiante segue o protocolo dos filmes de guerra. As batalhas, guerras, confusões, tudo sem a interferência dos deuses, diferente da maioria das versões da guerra de Troia para o cinema. Aqui, os humanos duelam entre si e os deuses ficam apenas na camada dos diálogos, onipresentes. Aquiles, ponto nevrálgico desta adaptação, vai ser colocado em destaque, tendo a sua fúria e heroísmo em perspectiva. O herói dispõe de duas opções: ou não aceita a guerra e fica na Grécia para ter uma família e filhos, sendo esquecido com o passar do tempo, ou parte para o conflito, deixa o seu nome marcado para a história eternamente, mas em consequência disso, não voltará para casa. Viver sendo comum ou morrer como mito? Eis a questão.

O roteiro de David Benioff é ousado, pois toma várias liberdades com a mitologia grega e o poema homérico, pontos de partida para a saga que vai focar especificamente na “fúria de  Aquiles”. O texto de Bennioff delineia muito bem alguns personagens, em detrimento de muitos outros, o que torna a sua execução irregular em diversos aspectos que serão descritos mais adiante. Adaptar a guerra de quase uma década para algumas poucas semanas não é um problema, mas a impressão é que todo espectador provavelmente já leu os poemas Ilíada e Odisseia e preencherá as lacunas que o filme nos deixa. Benniof falha nesse quesito. E em outros.

Construir personagens para filmes épicos requer um trabalho mais detido, pois há o risco de se preocupar apenas com as cenas de batalha e esquecer que a empatia e a catarse precisa envolver o espectador para purgarmos pelas figuras que morrem ou sobrevivem na tela. Benniof delineia bem dois nomes importantes da história: Odisseu e Heitor, ambos maravilhosos. Enquanto o primeiro é sagaz e astuto, o segundo possui um admirável senso de justiça e apego aos valores familiares, além de pensar na guerra descolando-se do conflito, capaz de imaginar os impactos bélicos na vida de todos.

A tensão é bem construída em alguns trechos, mas falta coesão para entendermos a motivação de uma guerra tão gigantesca. Páris é fraco, egoísta e bobo, um personagem inexpressivo. Helena, inexpressiva, sequer aparece com dignidade diante da tela. A sua mitologia não é explorada, o que não deixa o espectador que nunca leu os poemas homéricos compreenderem o os motivos que a tornam tão especial. Ela é filha de Zeus, já havia sido sequestrada pelo Minotauro, foi disputada pelos irmãos Menelau e Agamenon durante um torneio, mas nada disso é evidenciado, para que possamos nos importar por sua “loucura de amor”. Outro problema do roteiro é focar em Aquiles, mas não traçar adequadamente as suas questões enquanto personagem: a necessidade dramática está lá, os conflitos internos e externos também, mas do que se trata o “calcanhar- de- Aquiles”? Por que o lado “força” é explicitado, mas o elo “fraco” fica em defasagem para entendermos a sua morte simplória no final?

Numa perspectiva técnica, Tróia não é um filme mal sucedido. A direção de fotografia de Roger Pratt é competente, apenas prejudicada pela montagem de Peter Honess nas cenas de batalha, pois se torna difícil acompanhar alguns trechos ou até mesmo entender o que está acontecendo, afinal, a moda para filmes de ação durante muito tempo foi adotar a “estética da tesourinha”, picotando o máximo que pode para dar sensação de vertigem no público. Péssima escolha. Fora estas questões, o design de produção assinado por Nigel Phelps cumpre bem a sua função, apoiado pela ótima equipe de figurino (Bob Ringwood), cenografia (Anna Pinnock e Peter Young) e a lista extensa de diretores de arte, maquiadores, efeitos especiais e visuais. Tudo muito deslumbrante. Talvez a condução musical de James Horner seja questionável e pouco expressiva, mas não atrapalha: é só pouco interessante.

Para alguns especialistas, o filme é uma das produções que compõem a cartilha que seduz os jovens estadunidenses a se alistarem para os combates bélicos da nação imperialista em constante conflito de interesses geopolíticos mundo afora. A leitura é pertinente, mas requer mais reflexão, o que não é o foco deste texto. Se formos seguir a linha Cinema e História, de Marc Ferro, o filme é sobre a Antiguidade Clássica, mas dialoga com o contexto contemporâneo. Sendo assim, cabe ao leitor pensar sobre o assunto e quem sabe, trazer a sua opinião para discutirmos, o que acha?

Troia — (Troy) Estados Unidos, 2004.
Direção: Wolfgang Petersen
Roteiro: David Benioffbaseados no poema Ilíada, de Homero
Elenco: Brad Pitt, Brian Cox, Diane Kruger, Eric Bana, Orlando Bloom, Peter O’Toole, Sean Bean,
Duração: 120 min.

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