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Crítica | Tropicália (2012)

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Tropicália. Novidade. Ditadura, repressão, exílio, censura. Música, amor e liberdade… Uma lista de palavras-chave que poderiam figurar como introdução de qualquer texto e contexto que envolva a Tropicália, o movimento mais fértil e pulsante que a música brasileira já conheceu, não apenas pela sua explosão rápida e desaparecimento meteórico — como movimento organizado — mas principalmente pela herança deixada às gerações futuras, que trabalhariam remodelando e adicionando acordes, ritmos e tons à musicalidade escancarada por Gilberto Gil, Caetano Veloso, Os Mutantes, Tom Zé e Torquato Neto.

Tropicália (2012), de Marcelo Machado, se apresenta com uma alta dose de inventividade e um trabalho de montagem primoroso vindo das mãos de Oswaldo Santana (Natimorto e Bruna Surfistinha). Ao trazer o espírito múltiplo, vibrante, psicodélico e inovador da Tropicália para a forma do filme, tanto Machado quando Santana ganham pontos de originalidade e respeito ao tema com o qual trabalham. A relação criativa entre diversas mídias está para o filme assim como as referências estavam para o movimento retratado. Fotografias, programas de televisão, cenas de filmes (alguns raros), bastidores de gravação, shows e outros documentários harmonizam-se com as entrevistas, as animações do material visual recolhido e as músicas mais notáveis do movimento reproduzidas, como Domingo no ParqueTropicália, Panis et Cicenses Alegria, Alegria.

Se fôssemos apontar algum deslize ou incômodo em relação ao filme, chamaríamos a atenção para o micro recorte que Marcelo Machado e os outros dois roteiristas, Vaughn Glover e Di Moretti, optaram fazer. Por um lado, nos ressentimos em apontar esse aspecto como deslize, até porque o filme dá conta do que propõe, e em um tempo de duração irretocável lida de maneira clara, didática e objetiva com as nuances do movimento. Por outro, sentimos falta de uma sustentação estrutural ao tema, com um prólogo trabalhando a MPB anterior ao movimento e uma finalização que apontasse ao menos parte da herança tão importante deixada por ele, algo que citamos no início do texto.

Olhando friamente, a película nos apresenta a Tropicália como uma encomenda da cegonha deixada em terras tropicais por algum acaso vindo da Ditadura Militar, da repressão à livre opinião e coisas afins. Para espectadores iniciados, está tudo lá, nas entrelinhas, e mesmo que este tipo de público possa assentir que há uma falta de pré e pós Tropicália no filme, o seu arcabouço cultural cobre facilmente essa ausência, de modo que a obra se salva de ataques mais espinhentos. Todavia, é importante lembrar que havendo a possibilidade de estender mais a linha cronológica e contextual de uma obra, ela eventualmente se tornaria mais completa e elucidaria maiores dúvidas de espectadores que ignoram o por quê a Tropicália foi tão importante. Com que tipo de música ela rompeu? Além do “eco antropofágico”, que outras novidades ela trouxe em relação ao que já existia na cena musical brasileira? O que veio depois dela? Que coisas tão atemporais constam no movimento para que ele seja citado e estudado mesmo décadas depois?

É claro que podemos tirar algumas citações e peças espalhadas pelo tempo fílmico para ensaiarmos uma resposta às perguntas anteriores, mas esse exercício não responderia as perguntas e caímos no ponto anterior: seríamos obrigados a recorrer ao nosso conhecimento do período e do movimento para sanar as dúvidas. O único problema é que nem todos os espectadores são iniciados e, para estes, uma parte do filme se configurou um vazio.

A despeito dessa ausência Tropicália é um documentário notável. Sua realização é esteticamente cuidadosa e o resultado final merece ser aplaudido. Em nenhum momento percebemos uma quebra no ritmo ou incongruências formais entre os diversos elementos usados para dar uma ideia clara e imagética do que foi o movimento. Para os amantes da música brasileira e para os que valorizam a nossa história e riqueza cultural, eis aqui uma ótima pedida.

Tropicália (Brasil, 2012)
Direção: Marcelo Machado
Roteiro: Di Moretti, Marcelo Machado
Duração: 82 min.

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