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Crítica | Trovão Azul (1983)

Um filme inexplicavelmente icônico.

por Ritter Fan
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Reza a lenda que a maior razão para Roy Scheider aceitar o papel do policial veterano da Guerra do Vietnã e piloto de helicóptero Frank Murphy, da Divisão Astro da Polícia de Los Angeles em Trovão Azul foi que ele queria uma boa desculpa para não ser chamado para estrelar Tubarão 3. Se isso é verdade ou apenas mais um daqueles mitos hollywoodianos que até pode ter um verniz de verossimilhança, fato é que, por mais que o longa do helicóptero altamente tecnológico que perfunctoriamente põe em discussão questões como violência policial e a vigilância do estado sobre seus cidadãos à la George Orwell tenha marcado sua época – e eu estava lá para testemunhar o frenesi de todo mundo, inclusive o meu, com os brinquedinhos que tomaram de assalto as vitrines das lojas -, o roteiro que Dan O’Bannon e Don Jakoby escreveram ainda na década de 70 e que foi basicamente reescrito por Dean Riesner, apesar de ele não ter recebido créditos, é fraquíssimo, do tipo que parece existir apenas em razão da aeronave do título.

Chega a ser até irônico essa dita fuga de Scheider de seu papel do também policial Martin Brody na franquia Tubarão, pois temos que convir que Trovão Azul, exatamente como Tubarão, coloca em primeiro plano e como verdadeiro personagem principal o personagem não-humano do título, com a grande diferença que não dá nem para começar a comparar o longa de Steven Spielberg com o de John Badham. Seja como for, o diretor, que antes comandara os icônicos Os Embalos de Sábado à Noite e Drácula (1979), e que lançaria o também tecnológico – e muito melhor – Jogos de Guerra no mesmo ano, faz um ótimo esforço na meia hora final, em que o filme passa a ser uma perseguição de toda a força policial (e militar) da região ao helicóptero Trovão Azul (desculpe-me destruir a memória afetiva, mas não, ele nunca existiu na vida real, não sendo mais do que o nariz do Boeing AH-64, mais conhecido como Apache, sendo moldado no francês Aérospatiale Gazelle) furtado por um furioso Murphy em sua tentativa de desmascarar os vilões da história, dentre eles seu nêmeses e superior durante a guerra – além de responsável principal por seu estresse pós-traumático – Coronel F.E. Cochrane (Malcolm McDowell).

São os 20, 25 minutos finais do longa, repleto de acrobacias aéreas e demolição de parte de Los Angeles que funcionam bem, especialmente quando lembramos que tudo foi feito sem o auxílio da computação gráfica, ou seja, o que vemos são pilotos e dublês fazendo quase tudo o que está na tela, com alguns bons usos de pirotecnia e perspectiva forçada. Tudo bem que temos que usar de doses generosas de suspensão da descrença para aceitar que Murphy põe em risco a vida de sua namorada – e mãe de um garoto pequeno – ao pedir para ela recolher provas dos crimes cometidos pelos bandidos, e, depois, entregá-las a um jornalista, quando ele mesmo poderia fazer exatamente o que ela faz, só que de maneira muito mais eficiente considerando a aeronave invencível que ele pilota, mas tudo bem…

Tudo o que vem antes dessa sequência estendida final é, pela falta de um termo técnico melhor, uma gigantesca bobagem que chega a ser trash. Eu disse que o roteiro até esboça algo mais profundo, mas toda a questão da violência e violação de privacidade desaparece da história da mesma maneira que entra, ou seja, quase que de repente, como um acessório para o que é mais importante, o icônico helicóptero e seus equipamentos especiais que incluem microfone capaz de capturar conversas atrás de paredes de prédios, sistema de computador capaz de acessar o equivalente à internet da época (isso, me lembro bem, foi uma coqueluche!), “modo sussurro” que reduz quase que por completo o barulho dos rotores e, claro, o MacGuffin do filme, um sistema de gravação em fitas que captura conversas comprometedoras. E isso sem contar que boa parte dos 20 minutos iniciais é dedicada a vergonhosamente caracterizar Murphy e seu jovem co-piloto Richard Lymangood (Daniel Stern, talvez mais lembrado como o “outro” ladrão em Esqueceram de Mim) como dois tarados que usam o helicóptero padrão da polícia para espiar uma escultural mulher que gosta de fazer ioga (ou seja lá o que é aquilo) completamente nua em frente às enormes janelas sem cortinas de sua chique casa, em uma sequência feita para os adolescentes espinhentos (como eu) da época, obviamente.

Em outras palavras, Trovão Azul é um filme que se limita a ser uma vitrine de tecnologia de ponta da primeira metade dos anos 80, com um protagonista mecânico realmente bacana, mas que basicamente apaga todo o resquício de um roteiro decente ou de atuações menos do que caricatas (só faltou McDowell esfregar as mãos com um sorriso maquiavélico toda vez que olha para o personagem de Scheider). A lição que Spielberg deu menos de dez anos antes sobre como “brinquedos mecânicos” podem ser estrelas de obras espetaculares obviamente não foi absorvida pela produção de Trovão Azul e o resultado é algo que só é memorável em razão da tara oitentista por veículos altamente tecnológicos e pelos brinquedos que resultaram dela.

Trovão Azul (Blue Thunder – EUA, 1983)
Direção: John Badham
Roteiro: Dan O’Bannon, Don Jakoby (Dean Riesner – não creditado)
Elenco: Roy Scheider, Warren Oates, Candy Clark, Daniel Stern, Malcolm McDowell, Paul Roebling, David Sheiner, Joe Santos
Duração: 109 min.

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