Home FilmesCríticasCatálogosCrítica | Trovão Tropical

Crítica | Trovão Tropical

Os bastidores do mais épico filme de guerra.

por Kevin Rick
1,1K views

Trovão Tropical é um filme que parece irreal. Uma comédia crua e politicamente incorreta sobre as vaidades de Hollywood com alto orçamento e elenco de grife que parece impensável de sair do papel, mas que de alguma forma ganhou a luz do dia para manifestar todas as fofocas e documentários que já vimos de bastidores caóticos de produções caras com artistas complicados. Ben Stiller, que dirige e coescreve o filme, constrói uma sátira que é ao mesmo tempo absurda e extremamente lúcida sobre o funcionamento da indústria cinematográfica, usando a história de um elenco de egos inflados que se perde no meio de uma selva real para gravar um épico de guerra falso.

O ponto de partida é engenhoso: um grupo de astros de cinema, cada um preso a seus próprios clichês de carreira, tenta filmar uma superprodução baseada nas memórias de um veterano. Temos Tugg Speedman (Stiller), astro de ação em decadência com franquias que não acabam; Kirk Lazarus (Robert Downey Jr.), ator de método australiano obcecado por transformar-se fisicamente para papéis de Oscar bait; Jeff Portnoy (Jack Black), comediante escatológico tentando se provar como ator “sério”, satirizando atores como Adam Sandler e Eddie Murphy; e ainda Alpa Chino (Brandon T. Jackson), rapper que tenta entrar no cinema sem perder seu branding comercial. O diretor inexperiente (Steve Coogan) e o produtor mercenário Les Grossman (Tom Cruise, irreconhecível e hilário) completam esse microcosmo de caos controlado. O detalhe é que, após um início catastrófico de filmagem, eles acabam no meio de uma área controlada por traficantes reais, sem perceberem imediatamente que não é mais encenação.

A comédia nasce dessa fricção entre o artificial e o autêntico. A câmera registra atores atuando como soldados enquanto a realidade os ameaça, sendo que a ironia é que muitos deles continuam interpretando seus papéis como se estivessem diante de câmeras invisíveis, incapazes de distinguir perigo real de roteiro. Stiller explora ao máximo essa confusão de camadas, alternando momentos de ação exagerada com diálogos recheados de autoparódia e referências diretas à indústria. É um filme consciente do seu exagero, usando-o como ferramenta crítica e sem medo algum de explorar elementos provocativos.

Robert Downey Jr. brilha como Kirk Lazarus, um personagem que satiriza a obsessão de alguns atores por “virar” outra pessoa, a ponto de, aqui, fazer uma cirurgia de pigmentação para interpretar um soldado preto. A piada, que poderia ser apenas ofensiva, ganha força porque o roteiro a aponta como absurda dentro da própria narrativa, enquanto o intérprete caminha uma linha tênue para criar uma das maiores caricaturas da história do Cinema. A química de Downey com Stiller e Jackson rende diálogos afiados e uma sucessão de quebras de expectativa que sustentam boa parte do filme. Jack Black, por sua vez, abraça o grotesco e a comédia física sem pudor, funcionando como catalisador do caos.

O humor é ácido e arriscado, com o texto atirando para todos os lados: o fetiche hollywoodiano por papéis “de Oscar” (o famoso monólogo de Lazarus sobre “nunca ir full retard” é a epítome de tudo isso), a transformação de tragédias reais em espetáculo (em especial com o uso de vilões asiáticos e a exploração da Guerra do Vietnã, algo que os EUA adorava fazer nos anos 80), a dependência da indústria em estereótipos, o marketing disfarçado de arte e até a própria fragilidade de quem vive de aplausos. É um filme que não teme incomodar, mesmo que algumas piadas hoje soem mais problemáticas do que em 2008, o que, do meu ponto de vista, só engrandece a produção, talvez mais pertinente atualmente num cenário frágil sobre o tal politicamente correto do que em sua época.

Tecnicamente, Stiller e a equipe criativa entregam um produto polido: a fotografia de John Toll alterna o exagero colorido de um blockbuster de guerra com momentos de ação mais crua, com Stiller também entendendo a veia meio de mocumentário e de esquete nisso tudo; a edição sabe manter o ritmo frenético sem deixar a sátira perder fôlego; e a trilha sonora, que vai de canções pop até o uso de For What It’s Worth, do Buffalo Springfield, ajuda a sustentar o contraste entre o épico e o ridículo. Isso sem falar na maquiagem (com destaque para os personagens de Downey e Cruise) e nos figurinos, tudo bem pensado para enfatizar certos exageros hilários.

O impacto cultural foi imediato: indicado ao Oscar com Downey Jr., amado por parte do público e acusado por outros de ultrapassar limites, o filme consolidou seu lugar como uma das últimas grandes comédias hollywoodianas que ousaram rir da própria Hollywood em escala tão ampla. Sua força está justamente no fato de ser exagerado, quase caricatural, mas com diversos elementos verdadeiros por trás das piadas. Minha única crítica ao filme é em relação à escalação de Jay Baruchel, o único membro do elenco que destoa para mim do restante; mas é algo mínimo se comparado com o elenco principal, bem como os coadjuvantes de luxo que, mesmo em participações menores, agregam muito à produção, como Matthew McConaughey, Bill Hader, Danny McBride e Nick Nolte.

No saldo, Trovão Tropical não é só um festival de piadas e explosões; é um comentário metalinguístico afiado, um retrato desbocado de um sistema que se leva a sério demais e, ao mesmo tempo, se alimenta do próprio absurdo. Pode-se até argumentar que, no final das contas, a produção não “muda” nada, mas seu papel aqui não é esse, e sim outro: tirar sarro do sistema; algo que poucas comédias fizeram no mesmo nível dessa.

Trovão Tropical (Tropic Thunder) – EUA, 2008
Direção: Ben Stiller
Roteiro: Justin Theroux, Ben Stiller, Etan Cohen
Elenco: Ben Stiller, Jack Black, Robert Downey Jr., Steve Coogan, Jay Baruchel, Danny McBride, Brandon T. Jackson, Bill Hader, Nick Nolte, Brandon Soo Hoo, Reggie Lee, Trieu Tran, Matthew McConaughey, Tom Cruise
Duração: 107 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais