Home FilmesCríticasCatálogosCrítica | Tubarão (1969)

Crítica | Tubarão (1969)

Antes de Spielberg, o cineasta Samuel Fuller colocou Burt Reynods para enfrentar tubarões nesta aventura irregular, mas curiosa.

por Leonardo Campos
15 views

Lançado em 1969 e seguindo uma narrativa audaciosa, o filme Tubarão, dirigido por Samuel Fuller e co-escrito com John Kingsbridge, destaca-se como uma curiosa aventura ao abordar o intricado relacionamento humano com as forças da natureza e suas criaturas, especialmente os tubarões. Embora o filme não se encaixe estritamente no subgênero do horror ecológico, sua estrutura dramática retrata, de maneira intrigante, a luta dos personagens contra antagonistas que se apresentam não apenas como simplesmente tubarões, mas como símbolos da fúria e do mistério da natureza. A inspiração na obra Seus Ossos São Coral, de Victor Canning, confere ao enredo uma profundidade adicional, envolvendo o público em uma trama que mingua entre um thriller policial razoável e uma exploração de aventuras marítimas. A narrativa segue Howard Smith, um piloto que, após um acidente aéreo, se vê preso em um ambiente hostil no deserto do Egito. A sua jornada o leva a aceitar uma proposta de um biólogo marinho para se unir a uma expedição em águas infestadas de tubarões.

Nesse contexto, Burt Reynolds, no papel de Caine, um traficante de armas, se torna o protagonista que personifica a ambiguidade moral frequentemente encontrada nas aventuras marítimas. Caine se depara com a sedutora Anna, que o introduz em um mundo de pesquisa científica que, rapidamente, revela-se uma cortina de fumaça para atividades ilícitas de caça ao tesouro. Essa reviravolta revela um dos temas centrais do filme: a complexidade da moralidade humana quando colocada à prova pelas forças naturais e as ganâncias humanas. Com a premissa de que o mergulho nas águas perigosas oferece outra oportunidade de enriquecimento, o filme questiona a ética da exploração e o confronto entre a ambição humana e os perigos do oceano. A filmagem em Isla Mujeres trouxe um realismo dramático adicional à produção, e a alegação de um trágico ataque de um tubarão a um dublê, José Marco, adiciona um toque de terror à história.

Embora a veracidade desse incidente tenha sido debatida, a sua inclusão na narrativa popular em torno do filme contribui para a construção do tubarão como um monstro na imaginação coletiva. Alterar o título original para Tubarão não apenas aproveitou a controvérsia, mas estabeleceu uma conexão imediata com a audiência, transformando o tubarão em um símbolo do medo e da reverência que o desconhecido evoca. Essa abordagem prévia ao advento de Spielberg e do tubarão enquanto agente de terror revela como as criaturas do fundo do mar já ocupavam um espaço significativo no imaginário popular, e o filme pode tranquilamente ser visto como uma antevisão do que viria a ser um fenômeno cultural. Por meio da narrativa, Fuller aborda ainda temas como a luta pela sobrevivência, o confronto de personalidades e a exploração dos recursos naturais, destacando a fragilidade da condição humana em relação ao vasto e desconhecido oceano.

A tensão entre Caine, Anna e os tubarões se torna uma poderosa metáfora das lutas internas e externas que definem as experiências humanas. O público, muitas vezes, se vê compelido a ponderar sobre as consequências de suas ações, não apenas em termos de sobrevivência individual, mas também em relação ao impacto mais amplo no ecossistema marinho. Assim, apesar de não ser um horror ecológico em seu sentido mais puro, Tubarão incorpora os elementos de um thriller que desafia sua audiência a refletir sobre suas próprias interações com a natureza e as responsabilidades éticas que surgem a partir desse contato. Dessa maneira, o filme não é apenas um produto de seu tempo, mas uma obra atemporal que estabelece um diálogo com as questões ecológicas e a moralidade humanas, que permanecem relevantes na contemporaneidade. Em suas águas infestadas de tubarões, encontramos não apenas personagens lutando por sobrevivência, mas também um questionamento profundo sobre o que significa ser humano diante das forças que não podemos controlar.

À medida que observamos as complexidades da trama e das interações entre os personagens e as feras marinhas, somos instigados a considerar o impacto de nossas ações e o verdadeiro custo de nossas ambições em um mundo vasto e indomável. Dirigido com uma estética caracterizada pela fotografia de Raúl Martínez Solares, é uma obra que, apesar de sua história policial pouco memorável, serve como um estudo sobre o impacto cultural dos filmes que apresentam tubarões como antagonistas. A edição de Carlos Savage e a trilha sonora básica de Rafael Moroyoqui complementam a narrativa, que embora não tenha a profundidade do cinema de entretenimento tradicional, traz à tona temas complexos como ganância e traição. O roteiro afiado de Samuel Fuller e o elenco talentoso são atrativos em um projeto de baixo orçamento que reflete o cínico espírito da fábula, lembrando a clássica obra O Tesouro de Sierra Madre, de John Huston. Contudo, o enredo é prejudicado pela desistência de Fuller, que abandonou a produção enquanto esta estava em andamento.

A trama gira em torno de três vigaristas — Caine, Anna e o professor Mallare — que competem por um tesouro naufragado em uma região repleta de tubarões, narrada sob a perspectiva de Caine, que é apresentado já em uma situação desfavorável após um acidente de carro. A confusão em torno das diferentes versões do filme e a renúncia de Fuller a ele acabaram por prejudicar o sucesso comercial de Tubarão, que passou por várias edições pelo estúdio. Em 1975, o filme foi relançado pela Hallmark com o título Man-Eater, capitalizando em cima do sucesso de Jaws, enfatizando a suposta morte de um dublê durante as filmagens como parte da estratégia de marketing. A obra, portanto, estabelece um interessante diálogo sobre a produção cinematográfica e o fenômeno dos tubarões na cultura popular. É um filme irregular, curioso, que consta como menor e desaparecido depois de tanto tempo relegado ao limbo, mas é uma jornada interessante para espectadores curiosos. Assista e decifre-o você mesmo, o que acha?

Tubarão (Shark – Estados Unidos/México, 1969)
Direção: Samuel Fuller
Roteiro: John Kingsbridge, Victor Canning, Samuel Fuller
Elenco: Burt Reynolds, Carlos Barry, Manuel Alvarado, Francisco Reiguera, Enrico Lucero, Barry Sullivan, Arthur Kennedy, Silvia Pinal
Duração: 92 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais