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Crítica | Tubarões Comedores de Gente, de Christopher Rowley

Quais os impactos do legado e impacto cultural de Tubarão, de Spielberg, para os tubarões brancos do lado de cá das telas?

por Leonardo Campos
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Aterradoras descrições de ataques, lendas e fatos sobre as maiores feras assassinas dos mares. É assim que este livro se descreve logo de cara para os leitores. Assinado por Christopher Rowley, Roger Hutchinson e Duncan Campbell, Tubarões Comedores de Gente é uma publicação contemporânea do lançamento de Tubarão, em 1975. Com tradução eficiente de Luiz Corção, mas capa vulgar e sensacionalista dos estúdios P.E., o livro vai na contramão de tudo aquilo que hoje é debatido sobre o legado e o impacto cultural do clássico moderno que redefiniu a indústria cinematográfica hollywoodiana no passado. Atualmente, documentários e outras narrativas retrospectivas buscam nos apresentar a importância do filme de Spielberg enquanto arte, mas não deixam de refletir criticamente os seus impactos ecológicos diante da caça desmedida e da violência humana contra os tubarões depois do filme. Lido hoje, anos depois de sua primeira edição em português, o livro nos faz analisar criticamente como a imagem deste ser dos mares foi moldada conforme sua exposição midiática.

Os tubarões-brancos desempenham um papel ecológico crucial nos oceanos, agindo como reguladores naturais que mantêm o equilíbrio das populações de presas marinhas, como mamíferos e peixes. Eles são essenciais para a seleção natural, ajudando a controlar a superpopulação e contribuindo para a saúde do ecossistema. Um estudo recente publicado na revista Frontiers in Marine Science destacou a preocupação sobre como os ataques de orcas a tubarões-brancos na costa da África do Sul estão perturbando significativamente essa dinâmica. A diminuição dos tubarões-brancos levou ao crescimento descontrolado das populações de focas-do-cabo, criando uma competição feroz por recursos alimentares e potencialmente transformando o ecossistema local de maneira irreversível.

Para mitigar riscos e preservar a saúde dos oceanos, é fundamental que a população respeite as recomendações de segurança nas áreas costeiras, especialmente em locais com histórico de ataques. Isso inclui evitar a entrada na água em praias onde existem alertas e educar as pessoas sobre o comportamento dos tubarões, para que evitem reações hostis contra esses animais. A conscientização e a educação são peças-chave na proteção tanto da biodiversidade marinha quanto da segurança das pessoas, assegurando que a relação entre humanos e tubarões-brancos seja equilibrada e respeitosa. Com ações eficazes, pode-se garantir a preservação dessas espécies e a manutenção de um ecossistema saudável, evitando consequências ambientais graves na região sul-africana.

Os tubarões-brancos (Carcharodon carcharias) são considerados um dos predadores marinhos mais temidos, reconhecidos por sua força, tamanho e reputação emblemática, que foi até mesmo retratada em filmes como Tubarão (1975), onde são apresentados como assassinos implacáveis. Com a capacidade de alcançar mais de seis metros de comprimento e pesar até duas toneladas, suas impressionantes características físicas e comportamentais contribuem para sua classificação como predadores de topo nos oceanos. A dentição poderosa do tubarão-branco, que pode facilmente rasgar carne e ossos, aliada a sua impressionante capacidade de termorregulação, permite que mantenham a temperatura corporal superior à da água, aumentando sua agilidade e resistência, mesmo em ambientes frios.

Além de suas características físicas, os tubarões-brancos contam com um sistema sensorial altamente refinado. Eles são capazes de detectar pequenas vibrações e impulsos elétricos no ambiente marinho por meio das ampolas de Lorenzini, que são órgãos sensoriais localizados na cabeça. Seu olfato é excepcionalmente desenvolvido, permitindo que eles sintam gotas de sangue a quilômetros de distância. Essas adaptações evolutivas combinadas tornam os tubarões-brancos não apenas temidos, mas também extremamente eficientes em sua posição na cadeia alimentar, consolidando seu papel como um dos predadores mais eficazes e admirados dos oceanos. Todo esse aparato imponente, depois de levado ao cinema, o transformou em um ser temido, por isso, aniquilado em desmedida, deixando os envolvidos no filme assumidamente arrependidos pelo impacto negativo da produção para a natureza.

Assim, ao longo das 132 páginas de Tubarões Comedores de Gente temos relatos de incidentes que são assustadores, mas muita coisa é colocada nas páginas de maneira a transformar os tubarões em criaturas antropomorfizadas, como se fossem assassinos em série. Os autores contam casos de encontros fatais entre humanos e tubarões, descrevendo estas criaturas de maneira um tanto sensacionalista. Muitas ideias, inclusive, já foram refutadas em novos estudos científicos expostos em livros e documentários, mas abordarei os pontos retratados por aqui. Os tubarões são os predadores marinhos mais numerosos e bem-sucedidos do planeta, existindo em uma ampla gama de habitats. Enquanto o ser humano tem conseguido eliminar ou restringir várias espécies de predadores terrestres, os tubarões continuam a dominar os dois terços da superfície marítima. James Clarke, em seu livro Man is the Prey, classifica os tubarões como “os últimos comedores de gente que ainda não foram eliminados”. Existem cerca de 250 espécies de tubarões, com uma porcentagem delas potencialmente perigosa para os humanos.

Apesar de apenas 10% serem comprovadamente comedores de gente, essa taxa pode ser maior. Os tubarões, adaptados ao longo de milhões de anos de evolução, sobreviveram a mudanças drásticas no clima e na disponibilidade de alimento, provando sua robustez frente ao advento do Homo sapiens. Além disso, a diversidade dos tubarões e suas adaptações a diferentes ambientes tornam seu extermínio uma tarefa inviável, mesmo que fosse desejável. Eles habitam uma variedade impressionante de águas, desde oceanos temperados e tropicais até ambientes glaciais e até mesmo água doce. Essa ampla distribuição geográfica, somada a suas características variadas, como tubarões costeiros e oceânicos, de águas profundas e de superfície, garante que esses seres incríveis continuem a prosperar. É altamente improvável que o homem consiga dominar a supremacia dos tubarões nos oceanos, e a coexistência entre as duas espécies é, provavelmente, o melhor cenário que podemos esperar para o futuro.

Na opinião dos autores, para os tubarões, qualquer ser vivo dentro de seu território representa uma possível refeição, e a decisão de atacar é influenciada por uma série de variáveis complexas, ainda não completamente compreendidas pela ciência. Apesar das pesquisas em andamento, é certo que a ferocidade do tubarão, quando provocado, é superior ao que se pode imaginar. Os relatos de ataques a humanos frequentemente superam as descrições de ficções de terror. Quando se deparam com pessoas desprotegidas ou imprudentes, as cenas de horror se tornam repetitivas, revelando a natureza instintiva e predatória desses animais. Um exemplo vívido dessa ferocidade ocorreu em maio de 1952, quando Ranji Lal estava pescando na costa da Índia com seus irmãos. Durante a captura de peixes em uma rede, Ranji foi atacado por um pequeno tubarão que agarrou seu tornozelo, resultando em ferimentos severos. Ao perceberem a situação, os irmãos tentaram ajudar, mas a feracidade do tubarão os forçou a utilizar uma faca para liberar Ranji.

Ele foi retirado da água em um estado crítico e, apesar da dificuldade de acesso a hospitais na região, um médico conseguiu salvar sua vida, embora com a necessidade de amputar seu pé. Essa história ilustra não apenas a agressividade dos tubarões, mas também a vulnerabilidade dos seres humanos quando se aventuram em suas águas, lembrando que a natureza dessas criaturas é governada por instintos que muitas vezes são fatais para aqueles que as subestimam. Vários casos assim são apresentados, alguns com ilustrações, numa publicação que expõe várias reportagens e conteúdos informativos, culminando na recepção de Tubarão para a imagem deste animal diante da memória coletiva de uma humanidade temerosa diante destes seres. Durante a produção, a equipe de Bob Mattey, responsável pelos efeitos especiais, dedicou-se a criar réplicas mecânicas impressionantes. Os tubarões artificiais, confeccionados com esqueletos de aço, carne de neoprene e poliuretano, eram tão realistas que o casal Taylor teve dificuldade em distinguir as cenas com tubarões reais filmados na Austrália daqueles feitos à máquina em Martha’s Vineyard. Assim que as filmagens começaram, uma cena particular exigiu que um desses tubarões mecânicos derrubasse uma plataforma onde caçadores de tubarões estavam posicionados, resultando em um desafio técnico considerável.

A dificuldade foi tamanha que a trilha sonora, que incluía os gritos de um ator se debatendo na água, precisou ser regravada duas vezes em Hollywood, o que exigiu uma execução cuidadosa para captar a intensidade do momento. Entretanto, não apenas os tubarões mecânicos requeriam atenção; era essencial obter um tubarão real já morto para uma cena específica. Embora os pescadores locais tenham garantido que encontrariam um, à medida que o momento da filmagem se aproximava, não havia sinal do tubarão. Isso obrigou Bill Gilmore, chefe da produção, a voar até a Flórida para negociar com pescadores e ainda contratar um jato particular para transportar a carcaça, já que companhias aéreas não queriam aceitar a carga. Em meio a esses desafios, surgiram outros incidentes, como o famoso ator Murray Hamilton, que após uma noite de excesso, confundiu um gambá com um cachorro e acabou em uma situação complicada que exigiu uma série de banhos. A presença de carcaças de tubarões em decomposição também ficou sendo uma preocupação constante, mas o cenário estava se tornando ainda mais movimentado com a chegada de celebridades ao destino turístico de Martha’s Vineyard.

A produção do filme Tubarão enfrentava atrasos significativos, resultando em custos diários que se contavam em dezenas de milhares de dólares. A tensão se intensificava entre as estrelas, que já tinham outros compromissos, até que Peter Benchley, autor do livro que inspirou o filme, chegou ao set. Ele foi designado para o papel de locutor de TV que anunciava as atividades dos tubarões, mas estava insatisfeito com as mudanças drásticas feitas no enredo por Steven Spielberg, que acreditava que Benchley não havia desenvolvido adequadamente os personagens humanos. Essa discordância levou o escritor a expressar suas críticas a Spielberg, aumentando seu desconforto. Para ajudar a aliviar a tensão, a equipe recorria a jogos de pôquer e a banquetes de frutos do mar, mas as inseguranças de Benchley foram exacerbadas por uma crítica de Jacques Cousteau sobre a veracidade científica do livro, o que acabou afetando sua moral, considerando o tempo investido em pesquisa de tubarões.

Enquanto isso, diversos problemas continuavam a surgir em Martha’s Vineyard, resultando na proibição de álcool e jogos durante as filmagens para minimizar riscos e despesas. Turistas também eram uma fonte de frustração, interrompendo as filmagens ao atravessar na frente do barco do personagem Quint. O clima imprevisível e as águas geladas aumentavam a insatisfação do elenco, levando a sugestões de mudar a produção para a costa da África. Com tanta confusão, a situação em no local se tornava surreal, lembrando um recente incidente famoso envolvendo Teddy Kennedy. No entanto, a campanha publicitária do estúdio foi intensamente planejada, com um orçamento de mais de um milhão e meio de dólares, focando na “consciência de tubarões”. A estratégia foi um sucesso retumbante; seis semanas após o lançamento, o filme já havia arrecadado mais de cem milhões de dólares, atraindo uma parte significativa da população dos Estados Unidos para os cinemas, com comerciais que afirmavam que nenhuma das fantasias do homem sobre o mal poderia ser comparada à realidade de Tubarão, um filme impactante para a história do cinema, com ampla ressonância dentro e fora das telas.

Ademais, a estreia de Tubarão desencadeou uma verdadeira “tubarão-mania”, refletindo-se em várias vertentes da cultura popular. Nova Iorque inaugurou uma discoteca temática e propagandas, como a da cerveja Colt 45, começaram a incluir tubarões em suas narrativas. Os caricaturistas, por sua vez, utilizaram o personagem Bruce para criticar questões contemporâneas, como a administração Reagan, impostos e a inflação. Psicólogos foram convidados a explorar a atração do filme, sugerindo que os tubarões representavam tanto os desejos ocultos de agressão quanto a identificação da sociedade americana com um estado de desespero compartilhado. As piadas de personalidades como Bob Hope e Johnny Carson corroboravam essa nova percepção social.

O impacto do filme se estendeu além das bilheteiras, gerando um clima de medo nas praias americanas. Os banhistas tornaram-se cautelosos, temendo que qualquer objeto flutuante pudesse atrair tubarões, mesmo que, estatisticamente, a viagem de carro para a praia apresentasse mais risco. Comprovando esse medo, testemunhos de histeria incluem cenas em drive-in, onde o público reagiu freneticamente aos momentos de terror. Em Georgia, banhistas assustados confundiram um filhote de baleia com um tubarão e o mataram, enquanto em Martha’s Vineyard a polícia foi chamada para remover um pequeno cação que perturbou os banhistas. Esse clima de pânico atingiu diretamente Peter Benchley, autor do livro que originou o filme, que, ironicamente, foi ameaçado por um tubarão nas Bahamas na tentativa de escapar da fama provocada pela obra. No geral, uma história que completa 50 anos em 2025 e ainda rende muitos debates sobre elementos internos e externos no âmbito da cultura cinematográfica.

Tubarões Comedores de Gente (Man Eating Sharks/Estados Unidos, 1979)
Autor: Christopher Rowley
Editora: Edições Portuga’lia
Tradução: Luiz Corção
Páginas: 154

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