Depois de dois anos patinando entre uma comédia involuntária e um drama mafioso que nunca se leva completamente a sério, Tulsa King retorna para sua terceira temporada com todas as características que, ao mesmo tempo, fazem a série minimamente divertida e profundamente frustrante. Sylvester Stallone ainda é o coração barulhento do programa, e talvez a única coisa realmente carismática aqui, mas a verdade é que Tulsa King continua sendo uma obra que não tem coragem de assumir o que realmente é. A terceira temporada, assim como as anteriores, vive de uma confusão tonal que já virou a marca registrada da série: um pastiche de máfia, crime e sátira que nunca encontra equilíbrio.
Se na primeira temporada tínhamos um charme acidental, e na segunda víamos a repetição cansada de uma fórmula previsível, o terceiro ano é o equivalente televisivo de uma pessoa tentando reformar a própria casa enquanto tudo está pegando fogo. Tulsa King está sempre ocupada, sempre correndo, sempre introduzindo um novo inimigo, uma nova ameaça, uma nova operação, mas raramente parece saber por quê.
Dwight Manfredi, nosso mafioso-bombril da terceira idade, nesta temporada é quase uma paródia de si mesmo. Ele é sequestrado pelo FBI, vira peão de uma operação antiterrorismo, tenta negociar um império de bourbon, se mete em guerra territorial, enfrenta mafiosos da Costa Leste, lida com um político corrupto, tenta salvar o próprio negócio de ser destruído, administra uma fábrica clandestina de drogas e ainda precisa resgatar pessoas sequestradas…
É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que a série parece escrita a partir de uma reunião de brainstorming em que nenhuma ideia foi cortada. Tudo entra. Tudo vale. Nada é refinado. O resultado são tramas que soam como mini-episódios de videogame: fazer drop de dinheiro, marcar encontro clandestino, recuperar carga roubada, resgatar refém, explodir hotel, negociar com político, descobrir infiltrado… tudo rápido, tudo raso, tudo resolvido com aquele sorriso torto de Stallone e uma fala de tiozão do churrasco.
A intenção é drama mafioso (algo que ainda acho equivocado, numa seriedade narrativa que não se encaixa), e o efeito continua sendo comédia involuntária, sendo que, mais uma vez, gosto da série quando abraça o humor. O problema eterno de Tulsa King: querer ser Família Soprano quando nasceu para ser Lilyhammer. A série ainda insiste em tratar seu material como se fosse pesado, como se estivesse lidando com dilemas profundos da criminalidade americana ou uma análise sobre velhice, legado e reinvenção. Nada disso se sustenta. Toda cena que tenta ser dramática acaba deslocada, porque Tulsa King simplesmente não tem musculatura para operar no registro sério. O romance de Dwight continua constrangedor; seus dilemas morais, superficiais; e suas crises de consciência, mal escritas.
O que funciona são, ainda, os momentos em que os roteiristas abraçam a idiotice do universo: o grupo de Dwight se comportando como milicianos de pastelão; tiroteios que beiram o cartunesco; antagonistas que parecem vilões de videogame “nível 2”; a turma planejando golpes toscos que dão certo por pura conveniência. E é aqui que Tulsa King ainda diverte. Não porque é boa, mas porque é honestamente idiota quando não tenta ser outra coisa.
Os vilões da vez: novo ano, mesma irrelevância. A terceira temporada traz uma trinca de antagonistas, com Jeremiah Dunmire, o empreendedor psicótico; Ray Renzetti, da máfia de Nova York; Dexter Deacon, o terrorista conveniente para o FBI. Adivinha? Nenhum deles presta. Dunmire tem presença, mas não profundidade; Renzetti é uma reciclagem das temporadas anteriores; e Deacon é um dispositivo de roteiro que poderia ser substituído pela palavra “McGuffin” sem prejuízo. Todos surgem para inflar a trama, criar tensão barata, e desaparecer ou morrer sem deixar qualquer impacto.
E, claro, ninguém nunca é realmente uma ameaça para Dwight. Porque em Tulsa, o crime organizado é basicamente um jogo de paintball com senhores de 60 anos. Personagens estagnados, arcos estagnados, tudo igual ao ano passado. A gangue continua charmosa quando a série a deixa ser idiota — Bigfoot, Tyson, Bodhi, Mitch —, mas ninguém evolui. Ninguém muda. Ninguém tem um arco emocional que faça sentido.
O arco do bourbon Montague 50 é a espinha dorsal do ano, e representa o que Tulsa King faz de melhor e pior. É inadvertidamente engraçado ver um grupo de delinquentes geriátricos administrando uma destilaria artesanal com marketing digital e a série funciona quando assume que é um heist rural feito por incompetentes simpáticos. Mas, claro, temos muito mais pontos negativo, com subtramas infladas além do limite e um teatro de guerra entre Dwight e Dunmire completamente ridículo.
O clímax é tão artificial quanto os dois anos anteriores. Explosões, resgates, tiroteios, Dwight torturando terrorista, traidores, políticos corruptos, FBI ameaçando todo mundo… tudo embalado para parecer épico, mas com a mesma desconexão emocional de sempre. Dwight queimando o vilão vivo deveria ser um momento catártico, mas, dentro deste universo, tudo soa como “mais um dia de trabalho”.
No final, a série fecha exatamente como começou: Dwight obtém vitória, mas nada muda de verdade. E isso diz muito sobre o problema estrutural de Tulsa King: a obra não tem coragem de arcar com as consequências de sua própria violência, nem de amadurecer, seja dramaticamente ou comicamente. E ainda tem a cara de pau de forçar um derivado com Samuel L. Jackson, em uma aparição marretada na reta final da trama. O “canto do cisne” de Stallone continua desafinado e descompassado, mas cada vez mais menos engraçado.
Tulsa King – 3ª Temporada | EUA, 2025
Criação e desenvolvimento: Taylor Sheridan
Direção: Guy Ferland, Kevin Dowling, Jim McKay, Joe Chappelle
Roteiro: Sylvester Stallone, Joseph Riccobene, Dave Erickson, Sheri Elwood, Jameel Saleem, Taylor Streitz, Ildy Modrovich, Daniel C. Connolly, Nick Jones Jr.
Elenco: Sylvester Stallone, Martin Starr, Jay Will, Vincent Piazza, Garrett Hedlund, Dana Delany, Annabella Sciorra, Frank Grillo, Neal McDonough, Chris Caldovino, McKenna Quigley Harrington, Mike “Ca$h Flo” Walden, Beau Knapp, Robert Patrick, Bella Heathcote, Kevin Pollak, Samuel L. Jackson
Duração: 419 min. (10 episódios)
