Home LiteraturaBiografia/Diário/Crônica Crítica | Twin Peaks: Autobiografia do Agente Especial do F.B.I. Dale Cooper: Minha Vida, Minhas Fitas, de Scott Frost

Crítica | Twin Peaks: Autobiografia do Agente Especial do F.B.I. Dale Cooper: Minha Vida, Minhas Fitas, de Scott Frost

por Luiz Santiago
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Após o sucesso do livro O Diário Secreto de Laura Palmer (1990), ficou claro para os produtores de Twin Peaks que eles poderiam investir em projetos deste tipo com duas finalidades: uma para divulgar a série e lucrar com seus derivados; outra para expandir a história de personagens que não tiveram o seu passado explorado na série. Foi durante o final da 2ª Temporada – Parte 1 e o hiato que Scott Frost (irmão de Mark, um dos criadores e roteiristas do show — parece que os livros foram “jogados” para o familiares) realizou a pesquisa e escreveu esta autobiografia de Cooper, que a bem da verdade não deveria ter este título, porque não se trata, a rigor, de uma autobiografia.

O formato narrativo não é o de confissão direta, como nas memórias pessoais. A princípio, fica bastante forte na mente do leitor a imagem de um diário, mesmo que já se tenha percebido pelo título, My Life, My Tapes que a obra é uma compilação das gravações de Dale que ocorrem desde os seus treze anos, até o momento em que ele é designado para investigar o assassinato de Laura Palmer. Um ciclo se fecha, porque entendemos que Cooper estava sendo “preparado” para aquele momento, mas um outro ciclo se abre imediatamente, colocando-o em contado e influência direta com o mal que reside em uma certa floresta de abetos. O último registro que vemos no livro é este:

Encontraram um corpo no estado de Washington, Diane. Uma jovem, enrolada em um plástico. Vou para uma pequena cidade chamada Twin Peaks.

Se no Diário de Laura Palmer o que predomina é o horror + o pior lado do ser humano, nesta autobiografia o que predomina é o humor negro e desajeitado que vemos na série, especialmente porque as primeiras entradas são de um Dale adolescente, que utiliza o gravador de voz como um diário e registra seus medos, coisas estranhas que adam acontecendo ao seu redor (o “sonho com o homem estranho em seu quarto, que fazia grunhidos“, é uma clara indicação de que BOB já rondava Dale desde muito cedo, assim como fizera com Laura, mais ou menos na mesma idade), as conversas com a mãe que também tinha sonhos estranhos [lembra muito Sarah Palmer, a mãe de Laura] e a convivência com o pai e amigos.

Mas a despeito da linha central do livro ser de um estranho tipo de humor — e Scott Frost conseguiu realmente tirar de Twin Peaks esse lado um pouco sacana para falar de coisas sérias — alguns desconfortos e tragédias vão acontecendo e nos tirando do primeiro eixo da obra. Logo notamos que a vida de Cooper não é exatamente esse marasmo um pouco fofo que temos no começo. Progressivamente vai aparecendo o seu medo de pássaros, coisas estranhas como o fato de ele sentir algo o seguindo por trás; e o fato de a morte parecer querer provocá-lo de tempos em tempos, forçando-o a exercer da forma mais sombria uma das coisas pelas quais sempre foi fascinado: investigar mistérios.

Não vamos considerar aqui apenas os elementos físicos da perda, pois estamos falando de uma pessoa que cresceu praticamente cumprindo as etapas de um destino. Dessa forma, quando falamos em morte, não validamos apenas a morte física, mas também as mortes emocionais ou quebras violentas de laços entre pessoas, como acontece com Windom Earle, que neste livro está bem mais ameaçador, menos “mestre dos jogos” e mais Coringa, com um misto de amargura maligna mesmo que suas ações sugiram o contrário. Também é importante notar que Dale tenta fugir o tempo inteiro de seu mundo cheio de frustrações, entrando para o F.B.I. (escandalizado o irmão) e se aproximando de pessoas que irão mudar a sua vida, como Diane — que aparece de maneira bastante precisa neste livro –, Albert Rosenfield, Dennis Bryson e Gordon Cole.

Pistas como o sonho (ou visão?) de um homenzinho estranho e uma bela mulher; um anel perdido e uma série de reflexões sobre “perder-se” e “ser encontrado por quem conhece bem o lugar” (na hora me veio à mente o que o Agente Cooper diz para o Delegado Hawk — o indígena –, que se um dia ele se perdesse, gostaria que Hawk fosse a pessoa escolhida para encontrá-lo. E 25 anos depois o que acontece? A Senhora do Tronco diz, no Episódio #1 de The Return, que algo está perdido e que Hawk deve encontrar este “algo”. Assombroso, não?)… todas essas pistas podem ser ajustadas no quebra-cabeça da série, mas com cautela, já que os eventos do filme Os Últimos Dias de Laura Palmer acabaram complicado o peso de cânone desta obra devido algumas mudanças em investigações de Cooper antes de Twin Peaks.

Todavia, dependendo do leitor, uma boa contextualização fará com que tudo isso caiba no mesmo Universo. Afinal, estamos falando de um pedaço do mundo de David Lynch. Mesmo sob os olhos de outra pessoa, tudo pode fazer o mais bizarro sentido.

A Twin Peaks Book: The Autobiography of F.B.I. Special Agent Dale Cooper: My Life, My Tapes — EUA, maio de 1991
Autor: Scott Frost
Publicação original: Pan Macmillan
195 páginas

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