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Crítica | Um Beijo Antes de Morrer, de Ira Levin

O primeiro romance do autor de O Bebê de Rosemary.

por Ritter Fan
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Também publicado por aqui como O Beijo da Morte, Um Beijo Antes de Morrer, de 1953, é o romance de estreia de Ira Levin, que, 14 anos depois, notabilizar-se-ia por O Bebê de Rosemary, seu segundo romance (entre um e outro, ele escreveu diversas peças de teatro), adaptado para o cinema no ano seguinte por Roman Polanski. Ganhador do Edgar Award e adaptado duas vezes para o audiovisual, o começo efetivo da carreira de Levin pelos meandros literários é um thriller policial dividido em três bem marcados atos que anteciparia em alguns anos – na era moderna – o tipo de reviravolta ousada que se tornaria famosa por Robert Bloch em Psicose (e, mais ainda, claro, pelo longa-metragem de Alfred Hitchcock), ou seja, a “troca” de personagem-chave.

Apesar de eu ter me esforçado para que a crítica que segue tenha o mínimo possível de spoilers, creio ser impossível deixar de abordar o primeiro ato que, em si, exige a revelação do que acontece, pelo que se houver interesse na leitura do livro em questão sem qualquer conhecimento do que acontece, sugiro que não siga com a presente crítica. Esse parágrafo, aqui, serve como aviso e o espaçamento físico necessário para que ninguém seja pego de surpresa e possa desfrutar do livro em completa ignorância de seu conteúdo.

Um Beijo Antes de Morrer lida, em essência, com um homem que deseja mais do que tudo subir na vida de maneira meteórica, mas sem ter que trabalhar ou fazer grandes esforços. Para alcançar seu objetivo, ele é capaz de absolutamente qualquer coisa – o que é irônico de certa forma – e sua estratégia principal é seduzir mulheres de pais ricos para casar com elas. Quando o romance começa, ele está na faculdade, depois de retornar da Segunda Guerra Mundial, e namorando Dorothy Kingship, filha do magnata do cobre Leo Kingship. O ponto de vista narrativo é, neste ponto, exclusivamente o dele e fica já evidente sua intenção exclusiva de se casar com ela não porque ele gosta da moça, mas sim porque ele deseja o status e o dinheiro que o nome Kingship trará literalmente em um estalar de dedos.

No entanto, para sua surpresa, Dorothy revela que está grávida e ele considera a gravidez uma ameaça a seus planos já que isso pode levar o pai de sua futura esposa a deserdá-la, deixando-o não só casado e com filho, mas, também, completamente sem dinheiro. Segue, então, o desenrolar de seus planos sinistros para, primeiro, interromper a gravidez e, em falhando a estratégia, livrar-se de Dorothy. Levin, ao manter o ponto de vista exclusivamente neste homem, o leitor imediatamente faz uma conexão com ele, mesmo que hesitante, e passa a ser uma espécie de cúmplice, mesmo que a progressão da história comece a deixar evidente de que ele, o protagonista, é, na verdade, o antagonista, ainda que a classificação não proceda exatamente por ele ser efetivamente o personagem principal do romance.

Mesmo considerando algumas conveniências, como o fato de o romance de Dorothy com o protagonista ser secreto mesmo para sua família, Ira Levin escreve tão bem e tão fluidamente, fazendo o leitor percorrer uma mente intensamente inteligente, mas também doentiamente perturbada, que, quando o segundo ato começa, quase que literalmente reiniciando a história, algo finalmente fica claro: o autor sequer revelou o nome do galanteador psicopata! Claro que isso acaba acontecendo, mas a forma como Levin entrega o nome de seu personagem é tão intrinsecamente conectado com as reviravoltas de sua história, que conhecê-lo de antemão reduziria o prazer da leitura. Afinal, como disse no parágrafo de abertura, há a substituição de personagem importante no segundo ato, alterando inclusive o ponto de vista narrativo, com esse tipo de abordagem pouco usual continuando até quase o final, com a introdução efetiva de personagens que são apenas mencionados em outros momentos.

Como disse, porém, Levin se apoia em diversas conveniências narrativas para fazer seu mistério funcionar. E não só isso, ele também exige do leitor uma certa dose de suspensão da descrença para que tudo ao redor do protagonista seja “preservado” de maneira a tornar possível os momentos de tensão da parte final do terceiro ato em que tudo chega a um fim efetivo e satisfatório. Além disso, a própria natureza do mistério impede o desenvolvimento completo de qualquer outro personagem que não seja o protagonista, tornando-o o único de toda a história que tem um arco narrativo completo e eficaz, com todos os demais sendo personagens “de momento” para cumprir funções específicas ao longo da história.

Um Beijo Antes de Morrer, mesmo com seus artifícios menos do que ideais para manter o mistério central pelo maior número de páginas possível – o que é um feito por si só – é uma leitura muito prazerosa em que vemos um autor claramente se divertindo com as palavras e as construções narrativas e, mais do que isso, no absoluto comando delas. Levin consegue a mágica de encantar o leitor com o extenso uso de um fascinante vilão, entregando surpresas atrás de surpresas que tornam quase impossível a tarefa de parar de ler o livro até que a última página seja enfim alcançada.

Um Beijo Antes de Morrer ou O Beijo da Morte (A Kiss Before Dying – EUA, 1953)
Autor: Ira Levin
Editora original: Simon & Schuster
Data original de publicação: junho de 1953
Editoras no Brasil: Editora BestSeller / Abril Cultural
Data de publicação no Brasil: 1981
Páginas: 304

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