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Crítica | Sherlock Holmes: Um Estudo em Vermelho, de Arthur Conan Doyle

por Luiz Santiago
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A biografia de Arthur Conan Doyle é tão interessante quanto muitas de suas criações literárias. Formado em medicina, bastante ligado ao espiritualismo, praticante de diversos esportes (participando, inclusive, de alguns campeonatos amadores e de competições de relativa importância), conhecido divulgador da necessidade de vacinação (ele acreditava que as vacinas deveriam ser compulsórias), publicamente envolvido em causas políticas, com publicações sobre a Guerra dos Bôeres e sobre o Estado Livre do Congo (nesse segundo caso, juntamente com Mark Twain), criador de alguns projetos arquitetônicos e até trabalhando como investigador no caso do hindu George Edalji e posteriormente se envolvendo no vergonhoso caso do judeu-alemão Oscar Slater, para quem pagou o recurso judicial de 1927/1928, Doyle foi um daqueles homens que marcou o seu tempo em diversos grupos sociais e por diferentes caminhos de atuação.

Sua entrada para a literatura aconteceu em 1879, com o conto O Mistério do Vale Sasassa, e ao longo dos anos ele escreveria contos de diversos gêneros (alguns genuinamente assustadores como A Nova Catacumba e O Funil de Couro) sem contar as novelas e os romances, dentre os quais se destaca O Mundo Perdido (1912). Esse embarque definitivo na literatura se deu porque sua prática como médico não estava lhe dando grande retorno financeiro, e essa dificuldade passou a ser contornada com a grande vontade de Doyle em escrever ficção, chegando, em 1887, a um ponto insuperável na história da literatura policial e de mistério com a publicação originalmente serializada de Um Estudo em Vermelho, trazendo a primeira aparição do detetive Sherlock Holmes e de seu amigo Dr. Watson.

Parcialmente inspirado em Joseph Bell, um professor de faculdade de Doyle (semelhança registrada até por Robert Louis Stevenson, que era amigo do professor e cirurgião), Holmes é aquele tipo de personagem que apesar do grande mistério em torno de si desde as primeiras páginas do livro, parece ter nascido para brilhar. O pontapé narrativo de A Study in Scarlet é dado por Watson, que apresenta-se para o leitor, fala de seus dissabores na Segunda Guerra Anglo-Afegã (1878 – 1880), estabelece que está sem dinheiro e busca um colega de quarto. O primeiro impacto é de uma proximidade quase fraterna em relação a esse narrador, que volta cheio de sequelas da guerra e a única coisa que quer é economizar dinheiro e ter paz. Quase com ironia, o autor coloca na vida de Watson um meio bastante caótico para realizar um desses desejos, e o médico então termina dividindo um apartamento com Sherlock Holmes (na Baker Street, 221B), após uma apresentação sisuda, hilária e formalmente genial do detetive em atividade no laboratório.

O método científico e as camadas de lógica dedutiva não tardam a aparecer, e apesar de haver muita semelhança entre esses elementos e o estereótipo que hoje se faz do famoso detetive, tudo ligado às deduções de Sherlock é exposto com uma elegância ímpar. Fora Georges Simenon, eu não conheço mais ninguém no gênero que tenha a capacidade de escrever como se estivesse criando algo de veludo, estruturando na investigação e na própria narração dos horrores vistos na cena do crime uma atmosfera envolvente, um conjunto de personagens marcantes e elementos que não estão colocados em cena apenas por capricho, mas que fazem parte de um plano que nos espantará ao final do volume. Aqui, as pistas não são uma mera muleta para desviar a atenção do leitor, e o autor se recusa a flertar com o absurdo, algo que muitos autores clássicos do gênero faziam. Um exemplo? Bem, eu adoro Os Assassinatos da Rua Morgue, mas convenhamos que é preciso ter muito boa vontade para comprar aquela teia misteriosa criada por Poe, vocês não acham? Sem contar que, das três histórias do Detetive Dupin (perfeitamente ironizado e pisoteado por Holmes nesse Estudo em Vermelho) apenas a primeira consegue transmitir algum tipo de charme, de marca magnética do personagem, e olhem que esta nem é tão forte assim. Já na estreia de Sherlock Holmes, tudo funciona como uma cola para os olhos e o cérebro do leitor, que simplesmente não consegue largar o livro.

O fato de ter sido publicada em partes faz com que a obra tenha um caráter de exploração fragmentada dos personagens e das situações, permitindo que o público saiba o suficiente de cada pedaço do enredo, sem receber cortes narrativos no processo. Penso que isso colaborou muito para o sucesso de Um Estudo em Vermelho e ajudou bastante a construção do autor, que pode mostrar a sua capacidade de dar continuidade à narrativa de maneira fluída, polindo as características dos blocos individuais, mas não perdendo a mão na hora de costurá-los — e vamos ser sinceros, só a colossal diferença de forma e conteúdo entre a primeira e a segunda parte (As Reminiscências de Watson e O País dos Santos) já era um prato cheio para o volume não fazer muito sentido. Quando eu comecei a segunda parte, achei que a minha cópia da obra tinha sido impressa com um erro e que eu estava conferindo um livro completamente diferente. A junção de prosas tão distintas e erguidas de uma maneira tão coerente com a atmosfera geral do volume é uma prova de pleno domínio da narrativa, pois em nenhum momento Doyle nos deixa perder o interesse pelo que aconteceu no bloco anterior, e justamente por isso é que a combinação entre eles, ao cabo, fecha Um Estudo em Vermelho com chave de ouro.

Mesmo à época de sua publicação, a representação dos mórmons que o autor fez aqui causou rebuliço. Ainda hoje encontramos debates em algumas escolas americanas sobre até mesmo possuir uma cópia do livro em sua biblioteca (aqui no Brasil algumas escolas fazem o mesmo com Monteiro Lobato e na Bélgica com Hergé, mais especificamente com Tintin no Congo… só pra deixar claro que não é algo tão isolado assim), pois dependendo da comunidade escolar em questão, a ofensa pode ser levada a sério e muitas movimentações acontecem. O autor chegou a comentar isso em vida, e sua resposta é a mesma posição que eu, como historiador, tenho em relação a esta representação: retirando os exageros esperados de uma obra de ficção, a forma como Doyle mostra os Danitas (um segmento paramilitar dos mórmons) é essencialmente histórica e verídica. Evidente que há o erro da generalização e isso é sociologicamente péssimo, mas o recorte factual feito pelo autor não é uma “mentira barata” ou “má influência causada por más leituras“.

Para vocês terem uma noção, os diversos grupos de mórmons, à época, causavam um verdadeiro fascínio na Europa e sua presença nos Estados Unidos era vista sob dois olhares massivos, um simplesmente anti-mórmon (acusação que fazem a Doyle, por sinal) e outro que atentava para os constantes enfrentamentos armados que alguns núcleos desse grupo religioso travavam no país. Só de guerra envolvendo os mórmons foram três, uma no Missouri (a mais famosa) e as outras duas no Utah e em Illinois, todas em 1838. O tipo de organização no molde de “seita perigosa” e o rapto de mulheres era sim um fato diante de alguns núcleos, especialmente os que se organizavam próximo às montanhas. Hoje há que se ter o cuidado ao contextualizar essas ações de milícias vindas da tal religião, mas simplesmente cancelar Conan Doyle por esse tipo de representação é, em uma palavra fofinha, bobagem. Para quem se interessar, ficam aqui duas indicações (em inglês) sobre olhares para o caso. Um é a reportagem do The Salt Lake Tribune intitulada O Caso do Escritor Arrependido –  O Criador de Sherlock Holmes Desperta a Ira dos Mórmons e o outro é a apresentação de um curioso ensaio de Alicia DeFonzo, intitulado Torcendo os Fatos Para se Adequarem às Teorias: Banindo Sherlock, onde a autora adota uma forma divertida de argumentação sherlockiana para mostrar um dos polêmicos casos em torno da tal representação “polêmica” no livro.

A literatura policial, detetivesca ou de mistério, até meados do século XX, está recheada de grandes detetives ou cenários que começaram de maneira boa, mas não genial, obtendo grande impacto posterior, à medida que ganharam fama e as histórias com eles foram melhorando. Dentre esses clássicos, posso citar o Continental Op em Seara Vermelha, o detetive Philip Marlowe em O Sono Eterno, o famoso ladrão de casaca em A Prisão de Arsène Lupin ou o detetive belga Hercule Poirot em O Misterioso Caso de Styles. Já em outros casos clássicos como o advogado Perry Mason em O Caso das Garras de Veludo, o comissário Maigret em Pietr – O Letão e o 87º Distrito em Ódio Mortal, o leitor percebe claramente que está diante de algo verdadeiramente maravilhoso, de um personagem ou grupo de personagens cativantes e com um autor que tem uma visão diferente e inteligente ao tratar os clichês do gênero. Todos esses exemplos, no entanto, são filhotes de um início de jornada que concentrou as boas características do gênero em um único lugar.

Um Estudo em Vermelho é uma obra que se destaca pelo desenho sedutor que faz de seus personagens centrais, pela inteligência no encadeamento da história e pela escolha diferente de narrar uma investigação onde o ato vil possui camadas que vão muito além da inicial cena do crime, onde o público se vê entretido como um gato brincando com um novelo que se desenrola. Lembra a definição de Holmes para Watson sobre o caráter investigativo do caso: “na meada incolor da vida, corre o fio vermelho do crime, e o nosso dever consiste em desenredá-lo, isolá-lo e expô-lo em toda a sua extensão“. Um clássico de altíssima qualidade da literatura de gênero. Uma das melhores estreias já vistas de um grande personagem.

Um Estudo em Usurpação e Opressão

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Apertem os cintos. Agora eu vou exxxpor o Sr. Vivver Ban.

Quando MC Kevinho lançou as sementes do que seria a nossa maravilhosa Corrida Literária 2021, eu, ele e Zizzer Qan ficamos trocando ideia no zap zap, falando de possibilidades sobre o que iríamos escrever. Eis que CERTAS PESSOAS enviaram para MC Kevinho (notem que essas pessoas não têm nem coragem de compartilhar tais atrocidades com suas vítimas!) um documento onde reservava descaradamente uma porrada de livros para si! E lá estava tudo de Sherlock Holmes! Sabendo que eu estava numa onda de obras policiais desde o final de 2020, e que estava para pular no cangote do detetive britânico logo logo, Mimmer Dan simplesmente pegou tudo para ele, na maior cara de pau, e me deixou a ver navios!

Foram de três meses de humilhação, prostração, campanhas de jejum e oração e muita malemolência para que CERTAS PESSOAS simplesmente reconhecessem sua vilania, sua vileza usurpadora, e me concedesse uma pequena migalha de todo esse banquete do qual fui excluído, usurpado. Por isso, venho por meio dessa cartinha, solicitar uma campanha contra o reinado do terror usurpador de Liller Han contra mim!

#SantiagoToo

#PipperWanTimesUp

#WiwwerCanRidiculo

#ReleaseSantiagosCut

#KikkerPanUsurpador

#DonaRitaDemitaBibberXan

#CriticasDeSantiagoImportam

#SherlockHolmesParaLuizSantiago

#ApoiadoresDeÇiççerYanNaoPassarao

#DemocratizemSherlockHolmesNoPlanoCritico

Um Estudo em Vermelho (A Study in Scarlet – Reino Unido, 1887)
Autor: Arthur Conan Doyle
Editora original: Ward Lock & Co
Data original de publicação: 1887 (em forma de revista), 1888 (em forma de livro)
Editora no Brasil: Editora Principis
Data de lançamento no Brasil (edição da Principis): 28 de março de 2019
Tradução: Silvio Antunha
Páginas: 176

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