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Crítica | Um Sonho, Dois Amores

Bogdanovich: ingênuo e sentimental.

por Fernando JG
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Nashville”. É com este letreiro de um ônibus de viagem que se inicia o longa-metragem de Peter Bogdanovich. Há um algo de provinciano que toma conta de toda a sua filmografia; ou melhor, uma das grandes características da sua estilística é esse toque de country-movie atrelado às influências estéticas de um western bem pegado que, ao fundo, dá um ar de inocência interiorana a alguns de seus filmes. Talvez essa simplicidade narrativa e o provincianismo enquanto local cênico sejam uma das marcas mais recorrentes na sua proposta cinematográfica e por isso o seu cinema é apto a provocar sempre um sentimento de nostalgia ou algo do tipo, com personagens ingênuos e carismáticos. Quero dizer ainda que esse é o Nashville (Robert Altman, 1975) de Peter Bogdanovich. Incontestavelmente. É um drama musical que não se furta às inúmeras referências, diretas ou indiretas, ao clássico de Robert Altman, de modo que muitas das apresentações que ocorriam ao longo da película me remetiam às grandes cenas de Nashville

Adota-se um estilo médio, quase florido, em que a função de deleite é evidente. Sons líricos, paisagem interior, um drama amoroso, a busca de um sonho e o estabelecimento de laços de amizade colocam o filme num lugar bastante adorável, nos prendendo pela amabilidade da estética da película. Há um toque de inocência na estrutura atmosférica da narrativa que é muito característico, e essa castidade parece ser impulsionada pelas ações dos personagens e suas motivações quase juvenis – característica típica de um estilo médio. Ainda em determinados momentos, a busca pelo sonho acaba sendo negligenciada na fábula fílmica e nos esquecemos totalmente dela porque o diretor a tira de cena em detrimento de um maior enfoque na trama amorosa. 

O ritmo gracioso que conduz Um Sonho, Dois Amores não permite, em nenhum instante, que nos enfademos com o desenrolar dramático. É que quando não estamos presos ao apego carinhoso empregado pelo cineasta na forma de seu filme, estamos vidrados numa trama que propõe irresoluções instigantes, nos guiando por meio de um tema amoroso bem interessante. Queremos saber a todo custo com qual dos dois rapazes nossa heroína ficará ao final e não nos desligamos da tela até descobrirmos quem será o felizardo, isto é, se será o apaixonado Kyle (Dermot Mulroney) ou o temperamental James Wright (River Phoenix).

Contudo, ao propor uma indecisão no curso das motivações da personagem, o cineasta invariavelmente maltrata um de seus pretendentes. Com um letreiro escrito “love hurts”, Bogdanovich destila lentamente gotas de desilusão no personagem rejeitado, fazendo-o partir o coração de maneira contundente, a ponto de nos comovermos com o seu desafeto. Miranda Presley (Samantha Mathis) não é tirana, é que “a coisa chamada amor”, que já é uma encruzilhada por excelência, torna-se muito mais complicada quando a paixão se divide em dois e escolher um dos lados leva, obrigatoriamente, à destruição do outro – mesmo sem querer. O cineasta trabalha muito bem a ideia de um encontro que paradoxalmente é desencontro. 

Preciso me reportar ao fato de que não gosto de algumas escolhas narrativas, as quais considero de ordem inferior. Falta a Peter Bogdanovich criatividade na hora de criar as motivações de sua protagonista, já que fazê-la reprovar inúmeras vezes no teste de caça-talentos soa inverossímil devido ao seu talento evidente. Este é o exemplo claro de uma intriga colocada à força para poder gerar uma continuidade nas razões de ser e de agir de um personagem, mas estas motivações não são bem escolhidas e é perceptível. Outro ponto: o cineasta perde a mão quando costura o seu final. Ele busca concluir uma comédia-dramática, caminhando livremente de um gênero ao outro, mas me parece que faz o seu desenlace muito corrido, propondo algo absolutamente genérico e bagunçado para o desfecho. Toda a cena final me parece deslocada. O fim aponta para um anticlímax juntamente com a não-resolução da trama, que é resolvida nos minutos limítrofes numa peripécia que quase não dá tempo de acontecer, mas acontece. O que novamente dá a impressão de que o filme corre para acabar. 

O último papel de River Phoenix no cinema, antes de sua partida, é concluído com muito engenho e seriedade, não à toa é um dos protagonistas e o personagem-chave para a intriga, fazendo um excelente anti herói. Com The Thing Called Love, Bogdanovich nos lembra que escolhas erradas vão ocorrer, que falhas fazem parte da trajetória humana, que equívocos são parte do amadurecimento e que, enfim, nem sempre o desacerto precisa ser o responsável por amargar a vida cotidiana, que tem outras belezas singelas, simples e graciosas a serem vividas. As melodias criadas pelos protagonistas vão aos poucos conduzindo nossas emoções a uma espécie de paixão ingênua até que nos entreguemos a uma mansidão que é, no fundo, um sentimento gerado no âmago do próprio longa-metragem, que é, assim como o seu criador, ingênuo e sentimental.

Um Sonho, Dois Amores (The Thing Called Love, EUA, 1993)
Direção: Peter Bogdanovich
Roteiro: Carol Heikkinen
Elenco: River Phoenix, Samantha Mathis, Dermot Mulroney, Sandra Bullock, Anthony Clark, Webb Wilder, K. T. Oslin
Duração: 116 min.

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