Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Um Sonho Sem Limites

Crítica | Um Sonho Sem Limites

As mulheres fatais do american way of life.

por Leonardo Campos
784 views

Um Sonho Sem Limites

Sem a atmosfera de suspense comuns aos filmes que retratam mulheres fatais no cinema, Um Sonho Sem Limites é uma empreitada humorada por esse tenebroso universo de personagens capazes de realizarem atrocidades para alcançar os seus anseios mais profundos. Neste caso, temos Nicole Kidman, como sempre excepcional, no desenvolvimento desta narrativa sobre uma mulher insatisfeita com a sua condição social e, por isso, torna-se a catalisadora da morte de seu marido. A atriz, em sua segunda incursão como uma dama perigosa e fatal no cinema, alguns anos após o irregular Malícia, energiza essa crítica ácida do cineasta Gus Van Sant ao american way of life. Ela é a força motriz dos melhores momentos dramáticos e cômicos desta trama com figuras ficcionais caricatas e doses de ironia em camadas substanciais, elementos que pedem do espectador uma leitura da superfície em simbiose com suas propostas simbólicas mais profundas. Guiado pelo roteiro de Buck Henry, dramaturgo conhecido pelos diálogos inteligentes e sacadas geniais desde A Primeira Noite de Um Homem, esta produção lançada em 1995 é um momento de engenhosidade do cineasta, provido de uma estrutura narrativa simples, mas eficaz.

Ao longo de seus 110 minutos, Um Sonho Sem Limites nos apresenta a ambiciosa Suzanne Stone (Kidman), uma repórter do campo da meteorologia, funcionária de uma simplória estação de TV a cabo situada na fictícia e quase sempre nublada Little Hope, uma cidade costeira branda, sem grandes agitações para ocupar a vida de seus habitantes. Dedicada e sonhadora, Suzanne vibra com a possibilidade de se alçar na mídia e ganhar espaço como uma jornalista midiaticamente famosa. Seu maior anseio é ser âncora de um noticiário. O obstáculo nesta empreitada é o seu marido, Larry (Matt Dillon), um homem que confia bastante nos negócios da família e acredita que o seu trabalho é o ideal para manter a prosperidade da família, numa existência semelhante ao que Norman Rockwell eternizou em suas pinturas. Ele não sabe, entretanto, que a esposa precisa de mais que uma vida simplória interiorana. E, por se colocar como dispersão em sua jornada, ele se torna alvo dos planos mirabolantes da jovem mulher.

Baseado na história de Pamela Smart, transformada em romance por Joyce Maynard, Um Sonho Sem Limites demonstra como a repórter se perde eticamente em sua busca pelo que é ofertado pelo já mencionado american way of life e suas propostas de vida bem-sucedida, dinheiro, fama, glória e poder. Para executar a sua tarefa criminosa, Suzanne conta com um jovem aluno da escola local, participante de um de seus projetos sociais. O bobo Jimmy (Joaquin Phoenix), atraído pela sensualidade e jogo psicológico da mulher que confundirá as suas fronteiras entre o certo e o errado e o fará atravessar o limiar da criminalidade. Junto aos amigos Russel Heines (Casey Affleck) e Lydia Hertz (Alison Holland), Jimmy resolve o problema da repórter. Tudo seria bastante tranquilo se a culpa não tomasse o rapaz com força vertiginosa. Ele se arrepende do que fez, se amaldiçoa pelo ato e coloca em risco a carreira e a reputação de Suzanne.

O jeito agora é a esposa disfarçada de viúva sofredora aniquilar o rapaz de alguma forma, como dita o arquétipo da mulher fatal. Ela esboça um novo plano, consegue complicar a vida de Jimmy, mas é presa, sendo absolvida posteriormente por manobras irônicas propostas pela narrativa que se porta como uma crítica ácida aos desdobramentos do capitalismo em nossos comportamentos ambiciosos e competitivos. Para quem achava que a loira fatal ia ter o seu final almejado, ledo engano, pois o seu sogro consegue desvendar o emaranhado de situações criados por Suzanne e encomenda a sua morte com um profissional da área, interpretado pelo ilustre David Cronenberg, numa das tantas participações especiais convidadas para o filme.  No desfecho, a protagonista acaba famosa, mas pelos motivos não esperados. Para saber, é preciso assistir essa trilha de acontecimentos macabros retratados com humor e montagem semelhante aos falsos documentários, estratégias mais incomuns no cinema dos anos 1990. Apesar de ser um pouquinho arrastado em alguns pontos, Um Sonho Sem Limites cativa, principalmente pela trilha envolvente de Danny Elfman e pela elegante direção de fotografia de Eric Alan Edwards. Aqui, mais uma vez, a mulher fatal é representada pelo viés da sexualidade e da sedução como recursos para atrair os seus alvos, os homens, para uma perigosa jornada geralmente sem volta.

Um Sonho Sem Limites (To Die For | EUA – Reino Unido, 1995)
Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Buck Henry (Baseado em obra homônima de Joyce Maynard)
Elenco: Nicole Kidman, Matt Dillon, Joaquin Phoenix, Casey Affleck, Illeana Douglas, Alison Folland, Dan Hedaya, Wayne Knight, Kurtwood Smith, Holland Taylor, Susan Traylor, Maria Tucci, Tim Hopper, Michael Rispoli
Duração: 106 minutos

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais