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Crítica | Um Véu Negro Para Lisa

O dia da caça e o dia do caçador.

por Luiz Santiago
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Boa parte dos suspenses que abordam temáticas românticas tendem a focar em relacionamentos tóxicos, com pelo menos um lado da relação vivendo em paranoia, ciúmes doentios e planos de “assassinato passional“. Nos gialli, essa abordagem se mostrou bastante recorrente ao longo dos anos, tendendo para histórias onde mulheres perniciosas tramavam contra seus estúpidos e apaixonados maridos, até terminarem de posse de todo o dinheiro que queriam, de alguma joia valiosa, de sua liberdade pessoal ou de um outro interesse amoroso. Em Um Véu Negro Para Lisa, de Massimo Dallamano, estamos bem no meio desse enfoque. A protagonista, interpretada por Luciana Paluzzi (em um papel dramaticamente medíocre, mas esteticamente chamativo), sofre o domínio progressivamente violento e controlador do esposo, o Inspetor de polícia Franz Bulon (John Mills), mas também protagoniza um ardil amoroso que acabará trazendo-lhe a ruína.

Embora o diretor queira nos fazer crer que existe um plot importante acontecendo, o roteiro só dá real atenção ao trio formado por Lisa, Franz e o matador Max Lindt (Robert Hoffmann), que está entre dois fogos: trabalhando como assassino de aluguel para o chefe de uma máfia alemã e depois tendo que “cumprir uma missão de morte” para o Inspetor Franz.

Os personagens aqui são apresentados de maneira isolada, e isso é muito importante para que o espectador crie uma noção clara a respeito de cada um deles. Notem como estão relacionados à presença ou à falta de um ambiente cativo específico: Franz é o burocrata contaminado pela desconfiança, então seu marco característico é a sala na delegacia ou um canto em seu próprio quarto, com destaque para tons térreos. Lisa é a “fera aprisionada“, constantemente mostrada em trânsito entre ambientes supostamente familiares (casas, apartamentos, quartos de hotel), e tem na mudança constante de figurino uma demonstração de sua alteração de humor e intenções. Já Max é o único que não tem um “espaço caraterístico“. Por ser um fora da lei que terá o coração arrasado pela paixão, está sempre procurando encaixar-se em um lugar, fugir de outro, sentir-se confortável em outro, mas nunca consegue completar nenhum desses movimentos.

Ele é construído como o trágico homem durão, numa abordagem quase melodramática, para dizer a verdade. No processo, terá seus sonhos frustrados e servirá apenas para trazer a morte. Um verdadeiro joguete nas mãos de grupos de homens e de uma mulher. Seu lado assassino é cumprido com bastante competência, valendo-se de um “dólar da sorte” e sendo representado no melhor estilo do giallo, com arma branca, luvas pretas e marcante apuro visual no momento em que realiza os crimes. Infelizmente o diretor não dá muita atenção ao mistério aqui, porque a partir de determinado momento, o assassino deixa de ser um segredo para o público e o filme dá uma guinada; na minha opinião, a mudança narrativa que acaba derrubando bastante a qualidade da obra. No entanto, mesmo contaminada pelo amor exacerbado com características de “amor de máfia“, a fita se alça como um bom suspense europeu, consideravelmente puxado para o estilo de filmes de mistério policial, assassinatos e investigação da Alemanha (o gênero krimi), o que também se explica pelo fato de a história se passar em território alemão e ter o país (em sua porção Ocidental, na época) como co-produtor.

A trilha sonora aqui tem um peso bastante pontual, com momentos verdadeiramente belos, às vezes contrastando com a atmosfera de certos momentos do filme, mas não de forma negativa. Esse uso me deixou surpreso, dada a forma mais certinha com que Dallamano guiou a maior parte do filme, permitindo-se poucas estripulias visuais, tanto em parceria com o diretor de fotografia, quanto na própria direção, que à parte os momentos de assassinato, só traz planos mais fora da caixa no bloco final, indicando o momento em que Max, que nunca se encaixou em nada, tem visualmente representada sua inadequação. O encerramento do filme ironiza o sacrifício dos homens desequilibrados e perdidos de amor, e mostra a solidão da mulher fatal, finalmente colhendo os frutos de seu jogo triplo. O véu negro que desce para Lisa, é também o crepúsculo de suas aventuras pessoais. Ela aposta em diversos homens, mas por uma ironia do destino, acaba ficando sem nenhum deles. E sem perspectiva imediata de como deve continuar.

Um Véu Negro Para Lisa (La morte non ha sesso / A Black Veil for Lisa) — Itália, Alemanha Ocidental, 1968
Direção: Massimo Dallamano
Roteiro: Massimo Dallamano, Giuseppe Belli, Vittoriano Petrilli, Audrey Nohra, Peter Kintzel
Elenco: John Mills, Luciana Paluzzi, Robert Hoffmann, Renate Kasché, Carlo Hintermann, Tullio Altamura, Enzo Fiermonte, Loris Bazzocchi, Jimmy il Fenomeno, Paola Natale, Mirella Pamphili, Vanna Polverosi, Rodolfo Licari, Bernardino Solitari, Carlo Spadoni, Giuseppe Terranova, Robert Van Daalen, Mario Ingrassia
Duração: 95 min.

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