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Crítica | Uma Chamada Perdida

Takashi Miike adapta o seu estilo ao terror sobrenatural de espírito vingativo.

por Rafael Lima
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No fim dos anos 90, e início dos anos 2000, os cinemas foram tomados por produções de horror sobrenatural orientais e seus remakes americanos; movimento que teve o seu pontapé inicial com Ringu (1998). Ainda que esse subgênero de espíritos vingativos existisse no oriente bem antes dos anos 90, tal década viu o renascimento popular desse estilo de trama com o surgimento de franquias como Ju-On e o próprio Ringu. Em 2003, Takashi Miike, diretor de filmes como Audição (1999) e Ichi-O Assassino (2001) comandou o seu próprio terror sobre um espírito vingativo. Intitulado Uma Chamada Perdida, o filme foi acusado pela crítica na época do lançamento de ser uma obra derivativa; um trabalho de aluguel do cineasta. Mas o projeto possui menos crédito do que merece, mesmo que, sim, jogue dentro das regras do subgênero com que está trabalhando, sem tomar grandes riscos.

Na trama, uma amiga da jovem universitária Yumi Nakamura (Ko Shibasaki) morre misteriosamente dias após receber uma macabra ligação em seu celular, datada de três dias no futuro, onde ouviu a si mesma gritando de horror. Logo, outras pessoas passam a receber o letal telefonema, levando à uma série de mortes bizarras, que ocorrem sempre na hora marcada no telefonema. Para tentar salvar seus amigos, e descobrir o que há por detrás desta maldição, Yumi une-se a Yamashita (Shin’ichi Tsutsumi), um homem cuja irmã também foi vítima da ligação mortal. Mas a dupla precisa se apressar para deter as forças sobrenaturais que controlam as ligações, antes que o celular de um deles toque.

É fácil entender por que Uma Chamada Perdida foi visto como uma obra genérica. Temos elementos familiares que remetem a diversas produções semelhantes, incluindo o famoso Ringu, de Hideo Nakata. Mas ainda que não seja um filme que preze pela originalidade, isso não significa que a obra não tenha identidade ou méritos próprios. O roteiro de Minako Daira (escrito a partir do livro de Yasushi Akimoto) estrutura a investigação conduzida pelos protagonistas de modo a deixar o espectador sempre interessado; ao mesmo tempo em que tal linha investigativa é usada para explorar o passado de Yumi através de paralelos que lhe dão uma bem desenhada jornada dramática. Também é digno de nota como a trama comenta a nossa relação com a tecnologia e como as nossas relações interpessoais são afetadas por ela. Ainda que os celulares de Uma Chamada Perdida estejam longe das máquinas que praticamente contém nossas vidas nos dias de hoje, eles já ensaiam como essas tecnologias interacionais podem paradoxalmente nos afastar e nos aproximar ao mesmo tempo, em um comentário que segue bastante atual, talvez mais ainda do que na época de seu lançamento.

Este filme não carrega a alta violência gráfica que se tornou característica do cinema de Takashi Miike, pois o diretor entende que tal recurso não se comunicaria com o estilo de horror sobrenatural com que a obra trabalha. Mas Miike é criativo o bastante para remodelar o próprio estilo para tornar a violência mais sugestiva, mas ainda brutal. Mas é na construção de uma atmosfera de suspense sufocante e quase ininterrupta que a direção de Miike brilha. Pela história lidar com uma maldição que avisa aos personagens a hora exata de suas mortes, Uma Chamada Perdida se torna em muitos aspectos um filme sobre a angústia da espera, algo reforçado pelos vários planos de relógio espalhados pela projeção. Não é uma base tão diferente da vista em Audição, com a diferença que aqui os personagens compartilham a nossa expectativa de que algo horrível está para acontecer, e justamente por isso, a narrativa assume ares mais urgentes. 

Parte vital desse processo, é a excelente trilha e desenho de som do longa. O Ringtone da morte que anuncia a morte dos personagens, ainda que se utilize da velha música infantil sinistra, é extremamente eficiente em criar a tensão desejada por gerar uma bem vinda sensação de estranhamento, além de fazer total sentido com as origens que a narrativa traz para a maldição. O trabalho de montagem de Yasushi Shimamura, parceiro habitual de Miike, é excelente em lidar com os clichês do subgênero sem subestimar a inteligência do espectador. Como dito antes, Uma Chamada Perdida é um filme sobre a angústia da expectativa, e o trabalho de montagem transmite essa sensação muito bem, assim como as passagens catárticas que encerram essa espera, que são tão efetivas por captarem as diferentes perspectivas de horror dos personagens envolvidos.

Uma Chamada Perdida é um ótimo exemplar do horror sobrenatural japonês. O filme tem plena consciência do subgênero em que está inserido, utilizando-se de seus signos e maneirismos com orgulho. Mesmo com seus tropos bastante familiares, o filme de Takashi Miike é bem mais do que um simples Rip-Off de Ringu e outras produções parecidas. Temos aqui uma história de terror muito bem contada, que analisa nossa relação com as tecnologias interacionais de maneira interessante; além de usar de forma inteligente os traumas de seus personagens para criar arcos dramáticos pungentes. Ainda é um longa metragem que tem algumas escorregadas feias em certos momentos, especialmente concentrado na reviravolta final, que ainda que conceitualmente interessante; quebra a mitologia que havia sido construída até ali. Mas apesar de seus defeitos e derivações, Uma Chamada Perdida é uma obra arrepiante e cheia de tensão, que mostra como Takashi Miike é capaz de trabalhar dentro das convenções do gênero e se adaptar a elas, sem renunciar a seus interesses e estilo característico.

Uma Chamada Perdida (Chakushin Ari) – Japão, 2003
Direção: Takashi Miike
Roteiro: Minaiko Daira (baseado em romance de Yasushi Akimoto)
Elenco: Ko Shibasaki, Shin’ichi Tsutsumi, Kazue Fukiishi, Anna Nagata, Atsushi Ida, Mariko Tsutsui, Yutaka Matsushige
Duração: 112 Minutos

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