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Crítica | Uma Hiena no Cofre

Uma partilha que dá errado.

por Luiz Santiago
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Filmes sobre criminosos possuem um charme canalha que encanta a maioria dos espectadores. Quando realizadas por diretores competentes, essas obras erguem um suspense que se fortalece muito no desenvolvimento, e mostram as várias brigas internas do grupo de criminosos em questão. Isso abre portas para um momento dramático que, a princípio, não necessariamente tem a ver com o roteiro, mas que aparece como um elemento bem-vindo na história: o crime entre criminosos. No caso de Uma Hiena no Cofre, lançado em 1968, essas contendas se inserem em um giallo grandiosamente estiloso, assinado por Cesare Canevari, garantindo-nos diversão do começo ao fim.

É impossível que o espectador não perceba o propositalmente exagerado caminho estético utilizado por Canevari. Os cortes são secos, a montagem desafia a nossa percepção de localização no espaço cênico e muitas vezes criam uma estranheza visualmente bela, estabelecendo um contraste de emoções que deixa a sessão ainda mais peculiar. E desta vez, o estilo não é a única coisa verdadeiramente interessante da obra, como atestamos em grande parte dos gialli. A história, assinada por Canevari e Alberto Penna, é instigante e progride de forma lógica, terminando com uma nota cômica desnecessária, é verdade, mas que não retira de todo os ganhos da fita até então.

O que pode acontecer com um grupo de criminosos que se reúne, depois de um tempo, para repartir aquilo que roubaram? Há um cinismo implícito na história, que já começa desafiando a nossa expectativa. É o período de festas de Carnaval na Itália, e o clima de festa, os fogos de artifício explodindo e os mascarados pulando e gargalhando fazem parecer que um assassinato ocorrerá logo na abertura. Como ainda não estamos habituados aos caprichos estéticos do diretor, acumulamos uma porção de questionamentos diante da extravagante chegada de uma personagem à mansão onde o enredo se desenvolverá. Mas o que presenciamos nestes primeiros minutos é apenas a reunião dos bandidos, nada mais. 

A ameaça, aqui, não é externa, mas interna e progressivamente claustrofóbica. Ela parece ocorrer de forma quase banal ou acidental, movida pelo fato de um dos indivíduos do grupo aparentemente ter perdido a sua chave do cofre. Isso abre espaço para as primeiras brigas, e é desse ponto em diante que as feições blasé dos personagens se modificam drasticamente. A desconfiança reina, e o diretor vai deixando essa percepção mais forte à medida que alguns bandidos mostram força, matam seus antigos colegas e anseiam por obter uma parte ainda maior do roubo. As alianças que se formam, as pequenas cenas do que acontece “quando ninguém está olhando” e o fato de todos estarem nervosos e claramente escondendo o jogo deixa a atmosfera da casa insuportável. 

As belas atrizes do elenco recebem uma atenção inesperada aqui, e isso é impressionante se levarmos em conta que a outra metade do elenco central é de homens, e que o cerne da narrativa é a repartição de um roubo, num ambiente ameaçador onde as mortes só aumentam. Dar maior peso às mulheres nesse contexto, tanto na ação quanto na manipulação dos eventos a seu favor é uma coisa muito positiva da obra, que difere imensamente de sua época e de seu gênero cinematográfico – lembremos que no giallo há um forte componente machista e misógino, onde a mulher é majoritariamente “carne morta” ou “carne em exibição”. Uma Hiena no Cofre traz uma ótima exceção a esse tratamento. 

O que inicialmente parecia ser apenas uma briga para conseguir a chave de um cofre, torna-se um banho de sangue com reviravoltas recheadas de jogos de câmera, planos e ângulos visualmente desconfortáveis, mas inteligentes; mortes estilizadas e exageradas (no bom sentido do termo), uso dramaticamente notável da trilha sonora e escolhas narrativas que funcionam na grande maioria das vezes. Uma divertida e mortal busca por um tesouro roubado que nunca chega nas mãos de quem queria recebê-lo.    

Uma Hiena no Cofre (Una Jena in Cassaforte / A Hyena in the Bank Vault / A Hyena in the Safe) – Itália, 1968
Direção: Cesare Canevari
Roteiro: Cesare Canevari, Alberto Penna
Elenco: Dimitri Nabokov, Maria Luisa Geisberger, Ben Salvador, Sandro Pizzochero, Karina Kar, Cristina Gaioni, Otto Tinard, Stan O’Gadwin
Duração: 90 min.

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