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Crítica | Uma História de Amor Sueca

Uma obra serena e mágica sobre a paixão juvenil.

por César Barzine
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A segunda sequência de Uma História de Amor Sueca trata-se de uma festa aparentemente familiar em um enorme jardim. A direção de Roy Andersson fornece um tratamento meio distante para as cenas, como se não fosse para o espectador ter muita simpatia pelas situações e pessoas que lá se encontram – quase todas com mais de 30 anos. Apesar disso, a partir de um certo ponto da festa, a abordagem da direção muda completamente, passando a focar na troca de olhares de dois adolescentes que se sentem atraídos. Assim, o clima do filme salta do mundo engessado dos adultos para a ternura daqueles jovens. Um confronto de dois grupos diferentes que perpassa todo o filme. 

O momento em que Annika e Pär se veem pela primeira vez pode ser encarado não apenas como o germe do enredo de Uma História de Amor Sueca, mas também como a síntese dele próprio. É onde o contato visual e seu jogo de olhares despertam um revigorado encantamento pela vida, trabalhando os desejos e paixões como marcas de uma nova fase da juventude, em que a conexão amorosa dá partida à descoberta de um tipo tenro de pertencimento e um modo de ser. Forma-se, então, uma obra completamente marcada por uma camada de serenidade e que consegue transmitir perfeitamente o sentido que qualquer intensa paixão na adolescência pode representar.

Acima de tudo, Andersson constrói um longa afetuoso, banhado de ternura e um tom de jovialidade. É um daqueles romances cujo os sentimentos do casal-protagonista encarna na completa atmosfera do filme; o que ocorre não através do sentimentalismo, e sim por uma noção singular do amor. Esta noção, aqui, é centrada pela paixão adolescente; que significa basicamente atingir laços mais sólidos, porém com a inexperiência e a energia lúdica da infância. Uma cena que exemplifica totalmente essa síntese entre infância e vida adulta é quando Anikka e Pär brincam em cima da cama após, ao que parece, terem feito sexo. 

Outro fator que corrobora esse pêndulo entre infância e maturidade é o estilo daqueles adolescentes, sempre fumando e, no caso dos meninos, com jaquetas de couro e motocicletas. O visual deles possui uma cara de rockabilly dos anos 50, em que essa aparência escancara um espírito de marginalidade e busca pela liberdade. Não é à toa que o filme carrega uma vaga lembrança do clássico O Selvagem, no qual ternura e rebeldia se chocavam. Porém, ao contrário do longa estrelado por Marlon Brando, Andersson faz da ternura a total protagonista de seu filme, restringindo o aspecto de rebeldia a mera estética. Os personagens masculinos de fato exibem uma certa virilidade, mas o filme, no final das contas, não deixa de ser completamente submisso aos sentimentos dóceis que um romance naturalmente provoca.

Mais do que isso, há um culto a esses sentimentos, sempre dentro de um diálogo com o encanto da juventude. Quer algo mais juvenil e encantador do que um baile com música romântica? É isso que acontece numa sequência em que Anikka e Pär quase se beijam. A música tocando ao vivo – bastante característica e funcional para esse tipo de situação – e os demais jovens dançando criam um cenário intimista no qual os desejos dos pequenos amantes demonstram entrar em dilemas. Será que Pär irá falar com Anikka? É o que parece pensar os dois, atordoados pela insegurança que compartilham na inércia de um com o outro. Em tais momentos, o público sente à flor da pele aquela situação em que qualquer um pode se identificar, pois ela é universal quando olhamos para a adolescência com sensibilidade.

Roy Andersson realiza um filme feito do silêncio; apesar de ser composto por jovens vigorosos querendo viver a vida, a abordagem estabelecida aqui opta pela sutileza, um clima de cinema europeu romântico que tenta discursar sobre os personagens justamente através da ausência do verbo. Em meio a isso, a simples presença de grupos de amigos – como na sequência em que estão em uma lanchonete – ou o simples rosto de Anikka já dão conta de cativar a atenção. Ann-Sofie Kylin, que interpreta a personagem, esbanja charme o tempo todo, criando um deslumbre sobre si própria mesmo sem qualquer carisma. Há apenas um sentimento de graça, um retrato angelical responsável por boa parte da magia do filme.

Em contraposição a toda essa vivacidade presente no universo dos jovens, há o mundo enfadonho dos adultos, de pessoas desiludidas e já com a vida sem perspectivas. Percebe-se isso no caso da irmã de meia idade de Anikka, que comenta com ela suas antigas aspirações e demonstra, através de uma leve melancolia, o desvio que sua vida tomou diante de seus desejos. O pai de Anikka, John, também expressa o quão cinzenta é a vida adulta por meio de uma conduta fria, caminhando à  prepotência quando grita que sua filha deveria procurar outro tipo de rapaz e que ela será uma pessoa bem-sucedida. Aliás, não é primeira vez que ele demonstra uma falta de simpatia por Pär. Na passagem em que os dois se conhecem, John, que sabe que o garoto é músico, pergunta se ele conhece uma série de canções, o jovem diz que não, sugerindo um afastamento entre duas gerações e a perda da juventude por parte de John.

É uma pena que o filme desande em seus 40 minutos finais, quando as duas famílias do jovem casal vão passar uma temporada numa casa de campo. A trama se reformula totalmente, deixando de ser um coming of age e passando a mirar em situações inócuas até que Anikka e Pär se dão como desaparecidos e seus familiares passam a procurá-los desoladamente. O sumiço dos dois amantes é um momento de isolamento entre eles, em que a presença dos dois juntos é o porto seguro de uma época fugaz. Enquanto isso, a preocupação dos adultos denota uma vida de constantes transtornos, destituída do brilho que a aprendizagem das relações humanas pode proporcionar. Uma História de Amor Sueca acaba sendo, então, um retrato sublime desse brilho que é universal na medida que é efêmero.

Uma História de Amor Sueca (En kärlekshistoria) – Suécia, 1970
Direção: Roy Andersson
Roteiro: Roy Andersson
Elenco: Ann-Sofie Kylin, Rolf Sohlman, Anita Lindblom, Bertil Norström, Lennart Tellfelt, Margreth Weivers, Arne Andersson, Bjørn Andresen
Duração: 119 minutos

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