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Crítica | Uma Noite de Crime

por Luiz Santiago
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Pode perguntar para qualquer pessoa razoavelmente crítica que você conheça: qual é a receita para um futuro sem violência e uma sociedade saudável, com criminalidade baixa, desemprego baixo e senso de comunidade aparentemente funcional? Com certeza, não vão faltar respostas surpreendentes, principalmente respostas que dão conta de eliminar alguns grupos de pessoas, ao menos a curto e médio prazo, posto que o investimento em educação tem efeitos verdadeiros apenas a longo prazo, quando a mais tenra geração bem educada alcançar a idade de “fazer” o mundo em que vivem. Faça o teste. É evidente que ele funciona melhor se a amostragem é maior e se as pessoas entrevistadas têm um mínimo de neurônios ativos e conseguem desenvolver uma conversa sobre ética e sociedade. Depois comente aqui.

Os dilemas éticos que envolvem essa situação foram os ingredientes que talvez tenham me impulsionado para ver Uma Noite de Crime, segundo filme de James DeMonaco e também a segunda vez que ele trabalha com o ator Ethan Hawke. Eu não tinha esperança absolutamente nenhuma de ver algo de boa qualidade (talvez venha daí a minha surpresa positiva com o filme), mas a proposta do roteiro – que não é original mas é uma variação inteligente da dinâmica vista recentemente em Jogos Vorazes, que tampouco é original -, me chamou a atenção.

O ano da trama é 2022, e a crise econômica nos Estados Unidos é coisa do passado. A violência também não é mais uma preocupação nacional. As pessoas agora vivem em uma paz e situação econômica quase utópicas. Mesmo os pobres têm qualidade de vida muito melhores que os de tempos passados. Mas… como a Grande Nação conseguiu essa façanha? Com um evento chamado Expurgo Anual. Veja que interessante esse conceito, dentro da concepção do filme: durante uma única noite, todos os anos, qualquer indivíduo do país está autorizado a cometer qualquer tipo de crime imaginado e não seré punido por isso. Das 19h de um dia às 7h do outro, polícia, bombeiros e paramédicos não possuem autorização para atender absolutamente nenhuma chamada de emergência, interferir, prender ou punir qualquer assassino ou ajudar aos que sofrem qualquer tipo de ato violento. Em troca de 364 dias de paz e quase 0% de violência, a população do país aceitou pagar 12h de crimes impunes contra qualquer um.

Agora me diz se esse não é um roteiro que você teria curiosidade de ver desenvolvido em um filme? Hell, yeah! Conflitos éticos geram histórias incríveis, e sem bem trabalhados num filme, resultam em uma ótima sessão de cinema. No caso de Uma Noite de Crime, o diretor conseguiu guiar muito bem uma metade da obra, e na outra, ser algo entre o medíocre e ridículo, principalmente no apelo mais focado na violência em certos blocos cênicos e algumas estripulias que desafiam certas leis cinematográficas no que diz respeito à fuga dos personagens. E claro, o roteiro não é conflito ético o tempo inteiro, então há momentos quase infantis, como o desaparecimento de personagens de cena por um longo tempo, para aparecerem em seguida como badasses de primeiro escalão.

Todavia, Uma Noite de Crime consegue dar conta de sua proposta principal, que é mostrar a tal noite, o “expurgo” do título original, e contextualizar isso a contento na contradição imediata das coisas: um pai de família, James Sandin, trabalha em uma empresa de segurança imobiliária e vende sistemas de segurança para a vizinhança, utilizando ele próprio esse sistema. Na noite de crime em questão, ele se vê acuado dentro de seu próprio bunker, uma ironia tremenda diante de toda a tecnologia e medo aparente causado por sistemas desse tipo.

Enquanto saía do cinema, ouvi conversas de final de sessão falando sobre poças de sangue desnecessárias e muita violência. É uma tremenda ingenuidade ir assistir a um filme chamado The Purge e esperar que a obra mostre um universo róseo de unicórnios pastando em campos de tulipas coloridas e valsas de Strauss durante toda a sessão. A violência e sanguinolência do filme são dramaticamente justificadas pela proposta da obra. Se não se trata de um bom filme, isso se deve a um excesso ou outro ou pelos já comentados buracos no roteiro, mas não pelo uso da violência, já que ela é a matéria prima do filme.

A discussão de segurança pessoal/nacional e a ironia que isso traz para o espectador é muito forte. James DeMonaco consegue segurar um bom ritmo geral em todo o desenvolvimento da história, não se valendo de clímax fora de hora e finalizando o filme de uma maneira até aceitável, dentro dos famosos clichês de provações noturnas onde a morte de um protagonista basta para que os outros se saiam bem.

As piadas de humor negro e a antítese dramática constante acontece desde a sequência de abertura, quando ouvimos um trecho da Suíte Bergamasque, Clair de Lune, embalar filmagens reais de câmeras de rua que capturam atos de violência. Além disso temos também o carrinho com a boneca queimada, que na verdade é uma câmera ambulante do caçula esquisitão da família e que tem um bom uso dentro da história, servindo até de ligação entre blocos cênicos que aparentemente seriam complicados de unir. A própria fotografia batida de lanternas acesas numa casa escura funciona, se vista não apenas por esse ponto, mas em contraste com o restante do filme, numa aparência mais metálica e dura, ressaltando o ambiente high-tech que nos dá toda a segurança do mundo. Essa composição vai ganhando um ar mais plástico no decorrer da fita, às vezes se parecido com tomadas de filmes de terror found footage.

Pelo que vi, a massa crítica está odiando Uma Noite de Crime. Sinceramente não entendo o motivo de toda essa raiva. Não se trata de um filme genial ou abarrotado de novidades, mas é um filme razoavelmente bom, atendendo pelo menos os princípios básicos do que propõe.

Uma Noite de Crime (The Purge) – EUA, França, 2013
Direção: James DeMonaco
Roteiro: James DeMonco
Elenco: Ethan Hawke, Lena Headey, Max Burkholder, Adelaide Kane, Edwin Hodge, Rhys Wakefield, Tony Oller, Arija Bareikis, Tom Yi, Chris Mulkey, Tisha French, Dana Bunch
Duração: 85 minutos

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