Com Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda, o cinema de nostalgia ataca mais uma vez, fazendo dessa sequência-legado uma brincadeira com elenco mais maduro e com um tipo de comédia perdida no tempo, tudo isso num roteiro que tenta equilibrar reverência ao passado com tentativas de conquistar novas gerações. A diretora canadense Nisha Ganatra, que teve que fazer um exercício similar em Talk-Show – Reinventando a Comédia (2019) e A Batida Perfeita (2020), agora aposta numa fórmula arriscada, cheia dos exageros típicos das comédias com muitos personagens centrais de nossa Era e com uma temática (conflito geracional e julgamento da vida alheia) que, no ano de seu lançamento (2025), tem uma constituição bem diferente daquela que Mark Waters explorou no longa de 2003.
O roteiro de Jordan Weiss complica um pouco a premissa original, algo que me agradou e que garante bons momentos de risadas e tensão, embora tenha em si mesmo uma contradição narrativa, pois é justamente dessa ampliação do leque de trocas que temos muitos dos problemas estruturais do filme. Se duas pessoas trocando de corpo já geraram caos narrativo suficiente, imagine quatro. Diretora e roteirista transformam a dinâmica de mãe e filha numa dança de quatro personagens centrais, onde Anna (Lindsay Lohan), agora mãe solteira prestes a se casar, troca com sua filha Harper (Julia Butters); enquanto Tess (Jamie Lee Curtis) troca com Lily (Sophia Hammons), futura enteada de Anna. Esta multiplicação de possibilidades cômicas poderia desandar numa lambança absurda, mas a direção consegue manter certa organização no caos. O filme se constrói em torno da ideia de que famílias recompostas são desafios emocionais ainda mais complexos que as tradicionais, e que compreender o outro exige, literalmente, nesse caso, calçar seus sapatos. Curtis continua sendo uma força cênica irresistível, especialmente quando interpreta uma adolescente de quinze anos presa no corpo de uma sexagenária, criando momentos de comédia física que lembram por que ela conquistou o posto de rainha do horror e da comédia simultaneamente.
O maior acerto da produção está na decisão de não tentar replicar exatamente a fórmula original, optando por aumentar o universo narrativo sem quebrar sua essência. Lohan retorna com naturalidade ao papel que a consagrou (não que seja o ápice da dramaturgia, mas, para este tipo de papel, ela é ideal). A química entre ela e Curtis permanece intacta, mas agora precisa dividir espaço com as jovens atrizes Butters e Hammons, que em parte sustentam esse peso do legado, mas acabam sendo o pivô de um certo desandar do roteiro pelo caminho do exagero, muitas vezes com interações ruins e decisões que não fazem sentido algum para a sequência. Já a abordagem sobre famílias recompostas e as dificuldades de se criar vínculos autênticos entre meio-irmãos tem uma boa base emocional e consegue servir de ponte entre a parte séria e as palhaçadas do enredo.
No entanto, falta acidez no texto e independência visual na direção. Algumas sequências são tão afetadas e coreografadas com uma dinâmica tão artificial que parecem feitas exclusivamente para viralizar nos cortes de redes sociais, algo que vai tirando, pouco a pouco, a graça do filme. A dependência de referências ao original, embora compreensível, termina virando muleta criativa, impedindo que a história assuma de verdade as mudanças que ela se propôs fazer. As cenas envolvendo trocas de identidade em situações formais são os piores casos, nesse sentido, porque não encontram um território cômico aceitável, sendo bem vergonhosas. Há também a esperada previsibilidade, por se tratar de uma continuação, mas a diretora contorna esse impasse melhor do que outras coisas no filme.
Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda traz uma comédia dentro do esperado para a franquia, cria um renovo que tem pontos negativos, mas, no geral, consegue se salvar, e não tem medo de ser conscientemente ridículo, gerando cenas que vão fazer a plateia rir com gosto. Ainda defendo que o cinema estaria muito melhor se não tivessem feito mais este filme nostálgico, mas uma vez que está feito, digo que é possível se divertir com ele, até certa medida. Advirto, porém, que o tipo de humor aqui é muito físico, específico (em termos de gênero) e ancorado na linha do “novo constrangedor”, algo que nem todo mundo gosta e que pode gerar reações muito negativas, principalmente de quem torce o nariz para qualquer linha de comédia que não seja aquela vigente até 1825. Fica o aviso.
Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda (Freakier Friday) — EUA, 2025
Direção: Nisha Ganatra
Roteiro: Jordan Weiss (baseado em trama inicial de Jordan Weiss e Elyse Hollander, no livro de Mary Rodgers e nos personagens de Leslie Dixon e Heather Hach).
Elenco: Jamie Lee Curtis, Lindsay Lohan, Julia Butters, Sophia Hammons, Mark Harmon, Manny Jacinto, Maitreyi Ramakrishnan, Christina Vidal, Haley Hudson, Chad Michael Murray, X Mayo, Lucille Soong, Rosalind Chao, Vanessa Bayer, Jordan E. Cooper
Duração: 111 min.