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Crítica | Uncharted 4: A Thief’s End

por Anthonio Delbon
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Conforme trailers e comentários noticiavam que Uncharted 4: A Thief’s End seria o último game da série e que o final não daria possibilidade de volta ao protagonista Nathan Drake, eu temi. Todo o clima trágico, a estética, o subtítulo do jogo, tudo dava a entender que a Naughty Dog misturaria o drama de seu último sucesso, The Last Of Us, com a aventura colorida e despretensiosa de Uncharted, o que resultaria, ao meu ver, em um mau trato com a essência da franquia: a aventura. Felizmente, após ideais 15 horas imerso na última jornada do Indiana Jones dos games, o que pude notar foi uma mistura na medida certa do melhor dos dois títulos dirigidos por Neil Druckmann: Uncharted 4 não é um jogo perfeito, mas dá a importância e o peso correto para fincar a série na galeria de obras espetaculares a serem vivenciadas do século XXI.

O ponto central e principal acerto dos desenvolvedores reside na investigação do passado, das motivações e das relações do seu carismático protagonista. Se em Uncharted 3 é o relacionamento de Nathan Drake e Sully que possui vislumbres em um passado distante, aqui o foco é no irmão de Nathan, Samuel Drake, tomando o lugar de companheiro que era de Sully servindo à narrativa como o brilho dos olhos que Nathan, assim como qualquer fã da série, já perdeu, após tanto ver cidades perdidas, situações absurdas, tantos tesouros e seres místicos. Há aqui um realismo baseado nos personagens que pouco se viu antes na franquia, e é essa a aposta dos criadores.

Utilizando do cenário pirata, A Thief’s End se distancia de seus antecessores e traz uma história rica em detalhes e esmerada com referências aos maiores piratas da história, Henry Avery, Thoma Tew e Anne Bonny, entre tantos outros. É esse contexto que serve como alicerce para um roteiro caprichado se desenvolver, apresentando-se como referência que distingue esta aventura de Nathan Drake das outras. Ao aprofundar o personagem que todos adoram, a Naughty Dog acerta em cheio ao proporcionar não mais uma aventura sem grandes consequências – o que não deixaria de ser divertido – mas uma relação humana, crível em sua origem e que, como um retcon bem feito dos quadrinhos, explora com cuidado uma nova faceta do aventureiro que já ganhou o mundo.

O jogo em si toma também extremo cuidado ao desenrolar seu enredo e apresentar os novos personagens – Sam e Rafe, o vilão da vez, clone de Jake Gyllenhaal. Pode-se falar que o game demora a pegar no breu, já que apenas em seu sétimo capítulo uma cena de ação relevante de fato acontece. O ritmo, em geral, se equilibra bem na tríade exploração, ação e custscenes, apesar de que a sensação, em alguns momentos, é a de que se passa um filme, tamanha quantidade de cenas cortadas para detalhar e desenvolver o roteiro. Gamers mais puristas podem reclamar, mas em épocas de saturação de ação sem sentido em cinema e vídeo games, apreciar a qualidade imposta pela Naughty Dog é um verdadeiro deleite.

Neste aspecto, não há como deixar de ressaltar e elogiar o grupo de atores. Quem já viu um making of de jogos da desenvolvedora, sabe o tamanho do trabalho de Nolan North, Troy Baker e Emily Rose, atores que dão vida a Drake, Sam e Elena, respectivamente. Diversas vezes os personagens interagem uns com os outros em círculos e o valor de cada um dos atores citados cada vez mais transparece. North dá a Drake a maleabilidade característica e a insegurança oriunda da sua própria situação, inclusive com Elena. Emily, aqui, faz o seu melhor trabalho na série, emprestando a Elena uma personalidade forte e cativante, colaborada pela ausência de Chloe, que dá espaço para a melhor personagem feminina da série brilhar e amadurecer, o que é muito bem-vindo. Já Troy Baker, o nome da vez dos últimos anos – ou o Joel de The Last Of Us, o Ocelot de Metal Gear Solid V e o Booker de Bioshock: Infinite – estreia na série com propriedade, fazendo de Sam um verdadeiro irmão de Nathan, espelhando a personalidade, mas adotando as circunstâncias da vida que cada um leva. É impossível não se maravilhar com as interações dos três, graças a credibilidade que é passada e que eleva a indústria dos games como um todo. São eles o motivo da minha desconsideração da dublagem brasileira, por melhor que seja.

Alguns aspectos, já conhecidos por quem já teve contato com os jogos, continuam aqui em um crescente: excelência na cinematografia, jogabilidade baseada em tiros, escaladas e quebra-cabeças, sequências de ação frenéticas e possibilidades de stealth fazem parte do pacote esperado. Todos recebem aprimoramento – agora é possível, por exemplo, marcar os inimigos ao estilo Snake em MGS V, o que se torna extremamente útil e deixa o game mais fluído – e se somam às novidades de gameplay, como uma espécie de gancho que faz Nathan se pendurar em inúmeros momentos e a utilização do carro. Aqui, pontuo a primeira crítica negativa do jogo, já que o jipe explorador, ainda que faça sentido dentro da história, acabou sendo uma inovação inútil na jogabilidade, tornando-se muitas vezes maçante ao martelar seu único serviço: o de dificultar a chegada do ponto A ao B na tentativa de ampliar os mini-puzzles que o game oferece. Se o intuito era mostrar a vastidão do cenário, o resultado foi outro.

Sobre os quebra-cabeças em si, Uncharted 4 possui os melhores da franquia. Ainda que poucos, conseguem desafiar a percepção do jogador e abusam do contexto histórico onde o enredo se insere para, inclusive, dar pequenas aulas sobre história da pirataria. E olha que é difícil me fazer querer, de coração, resolver um quebra-cabeça visando não apenas a sua superação, mas um desenrolar de uma explanação.

Como dito na introdução, infelizmente, o game não é perfeito, o que evita uma nota 10 esperada e aguardada por muitos. Se dirigir torna-se um problema mínimo dentro de todo o escopo do game, conveniência de roteiro, por sua vez, mostra graves e surpreendentes erros capazes de irritar até os maiores fãs de Uncharted. Especialmente no terço final, o sentido dado à história, que naquele ponto vinha muitíssimo bem, derrapa em separações de personagens mal explicadas que retiram um pouco a imersão, conduzindo o jogador ao último duelo que, também confesso, não me satisfez. Por ser distinto dos finais já experimentados e condizente com a proposta do jogo, a Naughty Dog está de parabéns. Em termos mecânicos, todavia, o clímax não consegue trazer o prometido, além de ser facílimo e mais do que previsível, principalmente no que se refere à relação da dupla de antagonistas. É sabido que problemas de produção aconteceram e que Amy Hennig, diretora da trilogia original, co-escritora dos dois primeiros e escritora solo do terceiro, deixou a produção no fim de 2014 para começar a produzir um novo jogo de Star Wars. Ainda assim, não há como duvidar da competência de Neil Druckmann, Josh Scherr e Bruce Straley, todos já familiarizados com a franquia.

Fora isso – o que não é pouco – é difícil reclamar de algo que retire de Uncharted 4 o seu alto e merecido status. A ambientação – também é chover no molhado – é simplesmente fantástica, em toda a sua variedade que aqui percorre ilhas, mansões, leilões, Madagascar, Escócia e mais algumas surpresas, todas demonstradas em belíssimo level design que coloca ênfase nas mecânicas do jogo e na escolha de abordagem do jogador. Os gráficos do Playstation 4 obviamente contribuem para melhorar uma experiência que já era um absurdo no Playstation 3. A direção de arte acerta mais uma vez. Como as montanhas geladas do 2 e as areias do 3, é a chuvosa ilha que se torna o quadro a ser emoldurado aqui – e logo que se chega neste capítulo, nota-se o porquê. Brinca-se com o clima e com o tamanho dos cenários com total domínio da sensação que se quer passar. No mesmo sentido, a trilha sonora e os efeitos sonoros continuam precisos. Dando nova roupagem ao tema principal de Drake, conhecido desde o primeiro jogo, os desenvolvedores criaram uma música-tema que simboliza a dramaticidade impressa na capa do jogo e dão aos fãs o tema definitivo do herói.

Deixando de lado os aspectos técnicos do jogo, nunca é demais frisar quando uma empresa faz algo sabendo do tamanho do seu produto e dos fãs que possui. A metalinguagem apresentada no capítulo 4 é para abrir um largo sorriso na boca de qualquer gamer mais antigo. Simplesmente sensacional. Da mesma forma é o emocionante epílogo, que resume bem a proposta de investigar os já conhecidos personagens sem perder o tom leve da série. Outro detalhe ainda reside nos extras, que vão desde artes conceituais realmente incríveis até filtros e renderizações surreais para darem uma nova roupagem ao game.

Uncharted 4: A Thief’s End, ao mesmo tempo que aumenta o nível para toda a indústria – mais uma vez – encerra com chave de ouro a jornada de Nathan Drake com a apresentação mais initmista da série. É impossível ignorar seus problemas, em jogabilidade, ritmo e roteiro. Mas também é impossível deixar de ver um final digno da franquia, uma história que agrega muito valor ao produto final dos quatro jogos e, principalmente, um bem escolhido e muitíssimo bem realizado foco nos personagens, os reais motores de uma aventura blocksbuster que revolucionou a história dos games e que merece um lugar na estante de todo jogador. Uncharted 4 é imperfeito, mas espetacular.

Obs.: Aqui falo como fã e, por isso, certamente se trata de um delírio, mas quero saber se mais alguém notou o pôster de um “game” chamado American Daughters, no quarto do epílogo… se for o que eu estou pensando, o futuro é promissor!

Obs. 2: Os gamers online que me desculpem, mas história é fundamental. Ninguém compra Uncharted pensando no multiplayer online. Por mais que a Naughty Dog tenha se preocupado em deixar todos felizes, eu faço questão de nem tocar neste modo. Não se espante, portanto, pela ausência deste modo de jogo que, para mim, é realmente inexistente.

Uncharted 4: A Thief’s End
Desenvolvedor: Naughty Dog
Lançamento: 10 de maio de 2016
Gênero: Ação, Aventura
Disponível para: Ps4

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