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Crítica | UNIT – 1ª Temporada

Uma maravilhosa narrativa militar e política.

por Luiz Santiago
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A série UNIT, lançada pela Big Finish Productions em dezembro de 2004, começou de forma bem humilde. Seu primeiro produto, intitulado The Coup, saiu atrelado à edição 351 da Doctor Who Magazine, sendo posteriormente disponibilizado gratuitamente para download. Neste pequeno episódio, escrito por Simon Guerrier, temos um início um tantinho confuso — em termos de localização das ações e das pessoas envolvidas –, mas ainda assim muito interessante, trazendo-nos uma má notícia: a UNIT está para encerrar as suas atividades. Existe uma nova organização, chamada ICIS (Internal Counter-Intelligence Service), que deverá assumir o comando das ações de combate a invasões alienígenas e proteção emergencial ao Reino Unido.

As sementes lançadas em The Coup contam com a presença dos Silurians e de alguém que representa em tudo essa organização: o Brigadeiro Lethbridge-Stewart. O clima é de consternação, mas alguns diálogos indicam que os membros da UNIT não vão sair sem uma boa briga. O grupo ainda não foi desativado, e deve se manter por um tempo em atividade, numa espécie de transição de poder, até que a ICIS assuma por completo. Nesse início de temporada (The Coup é marcado como “episódio zero“), notamos que a ICIS quer acelerar a sua ascensão, e para isso, vai utilizar de todo tipo de violência possível. No primeiro episódio formalmente produzido como parte da série, Time Heals, a dupla Iain McLaughlin e Claire Bartlett tira o Brigadeiro da aposentadoria e mostra que o governo do Reino Unido quer dar controle exclusivo para a ICIS, favorecendo uma série de ações criminosas que acabam caindo nas costas da UNIT.

A temporada é construída como uma verdadeira guerra entre grupos militares que lidam com tecnologia extraterrestre. A diferença é que a ICIS é corrupta, xenofóbica, racista, supremacista branca, misógina e essencialmente violenta. Levando esses fatores em consideração, devo dizer que esta não é uma série para espectadores que procuram histórias simples, com conflitos de fácil resolução e violência controlada. Nada disso. As mortes que vemos nessa temporada são bastante gráficas e o nível de crueldade que a ICIS emprega em suas missões e na tentativa de incriminar a UNIT e colocar a opinião pública contra a veterana organização é enraivecedora. Em cada um dos episódios, além dessa linha dramática principal, há um problema transversal que também precisa ser resolvido. Em Snake Head, este problema é a presença de um Vârkolak (um tipo de vampiro da região dos Bálcãs, mais especificamente, aqui, de Kosovo) e também de um dampyr! É a segunda narrativa mais política da temporada, muitíssimo bem escrita por Jonathan Clements, e que consegue avançar na linha principal de eventos (a disputa de poder entre as agências militares) ao mesmo tempo que cria uma história paralela muito boa.

Mas nada do que tínhamos tido até então nos preparara para a porrada que seria a obra-prima intitulada The Longest Night. Escrito por Joseph Lidster e dirigido por Edward Salt, esse episódio está no nível daqueles dramas políticos de primeira linha dirigidos na Itália, nos anos 1970, dentro do gênero poliziotteschi. É uma narrativa que discursa sobre a manipulação da população através da mídia, a criação de uma onda de ódio, de uma sensação de profundo medo, de que é necessário que alguém ou algum grupo de mão forte assuma as rédeas do país e “faça o que tem que ser feito“. Eu nunca tinha visto a fomentação de um sentimento fascista através de um discurso belicista, autocrático e punitivista ser trabalhado em uma obra de arte de modo tão realista e tão bem pensado como eu vi aqui. É o episódio em que a UNIT mais sofre calúnias e que precisa se colocar contra os ataques que aparecem de todos os lados, inclusive da população que eles precisam proteger. Isso porque, através de “programas pinga-sangue” na TV, e da repetição de um grande alarme nacional, a ICIS conseguiu apoio das massas, que estão enlouquecidas nas ruas. É estarrecedor e dolorosamente atual.

A temporada se encerra com The Wasting, que traz ninguém menos que Nicola Bryant na direção e ninguém menos que David Tennant vivendo um Coronel traidor da UNIT, na última participação do ator na BF antes de assumir o papel do 10º Doutor na TV. É um episódio que fecha bem todas as janelas abertas no decorrer da temporada e lida com outro problema paralelo, desta vez, diretamente ligado à ICIS. Uma infecção mortal, semelhante à gripe, varre o planeta. Os primeiros casos apareceram na Grã-Bretanha, mas se espalham rapidamente, gerando milhões de infectados em todo o mundo. O trabalho ativo do Brigadeiro, ao lado de Benton (com quem conversa por telefone e pede alguns favores) e dos Silurians — notem o fechamento do ciclo aberto lá no primeiro episódio — traz a resolução do problema e uma nova experiência para a UNIT, que volta a ter controle das operações relacionadas a alienígenas e consegue enterrar o sonho da organização fascista assumir esse papel, não só no Reino Unido, mas no mundo todo. Uma temporada de estreia com tramas densas, políticas e que nos deixam esperando por mais. Eu, que não fazia ideia do que iria encontrar aqui, saí da temporada com os olhos brilhando. Que saudade da UNIT!

UNIT – 1ª Temporada (Reino Unido, dezembro de 2004 – junho de 2005)
Direção: Ian Farrington, Jason Haigh-Ellery, John Ainsworth, Edward Salt, Nicola Bryant
Roteiro: Simon Guerrier, Iain McLaughlin, Claire Bartlett, Jonathan Clements, Joseph Lidster
Elenco: Nicholas Courtney, Siri O’Neal, Scott Andrews, Matthew Brenher, Sara Carver, Michael Hobbs, Joseph Lidster, Mark Wright, Nicholas Deal, Stephen Carlile, Robert Curbishley, Alfred Hoffman, Ian Brooker, Ian Hayles, Toby Longworth, Jane MacFarlane, Georgina Field, Harry Myers, Steffan Rhodri, Vineeta Rishi, Johnson Willis, David Tennant, Nora Brande, Adrian McLoughlin, Alex Zorbas
Duração: 5 episódios entre 50 e 70 minutos.

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