Home QuadrinhosArco Crítica | Valérian e Laureline: A Cidade das Águas Movediças

Crítica | Valérian e Laureline: A Cidade das Águas Movediças

por Luiz Santiago
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O segundo arco da pioneira série francesa Valérian e Laureline foi publicado entre as edições #455 e 468 (25 de julho a 24 de outubro de 1968) da revista Pilote e dividido em duas partes. A primeira carrega o nome do próprio arco, A Cidade das Águas Movediças e a segunda foi chamada de Terras em Chamas, dando continuidade imediata à trama deste volume. Isso não significa que a análise aqui seja incompleta. Por mais que Terras em Chamas dê prosseguimento à busca da dupla dos agentes espaço-temporais (e um bandido-aliado que encontraram pelo caminho), ela constitui uma trama plenamente fechada em si, com outro foco, outros caminhos e tom narrativo levemente diferentes. Falamos de continuação da história, mas ambas funcionam de maneira independente.

É até um pouco assustador ver que um enredo de ficção científica publicado em 1968 tenha “previsto” um catastrófico evento nuclear em 1986 e que, justamente neste ano, a 26 de abril, tenha acontecido o acidente nuclear de Chernobyl. No futuro da série, os autores voltariam para este ano e revisariam estes eventos, lidando com o paradoxo, mas o que temos aqui não é nada animador para o planeta Terra.

Convocado no meio de suas férias com Laureline para um trabalho de emergência, Valérian é prontamente enviado ao “período mais obscuro da História da Terra“, que vai de 1986 a 2314, período sobre o qual os homens do futuro não têm muitos documentos, apenas alguns relatos, alguns vídeos incompletos ou danificados e uma série de mitos. O que aconteceu, o que tornou as informações ocultas ninguém sabe. Mas foi justamente para este período que Xombul, o vilão de Os Maus Sonhos, fugiu. Temeroso, mas obediente, Valérian segue as instruções do Chefe-Tecnocrata do Primeiro Círculo de Galaxity e da Agência Espaço-Temporal e se desmaterializa para encontrar um mundo invadido pela água.

plano critico valerian cidade das águas

O trágico ano de 1986 que Valérian visita pela primeira vez.

Existem aqui uma série de preocupações ambientais e alertas científicos que começavam a vir ao público no final dos anos 60. Também é possível perceber que o roteiro de Pierre Christin mergulha com bom humor, mas de maneira crítica, nesta realidade caótica, dando bastante atenção para a organização social, para os humanos sobreviventes e para as novas regras destes Estados Unidos sem governo central, dominado por bandidos como Sun Rae, que lidera um grande grupo de saqueadores, o lugar perfeito para Xombul se esconder. Por um momento, tive lapsos de Um Cântico Para Leibowitz, mas ainda existem muitos vestígios humanos e nem tudo está perdido nesta realidade. O que existe, e isto sim é interessante, é alguém coletando dados, querendo tomar posse de todo o conhecimento e produção cultural feitos na Terra e que se perderia com o aumento do nível do mar.

A chegada muito arguta de Laureline à esta realidade (entendemos que há um tempo considerável de Os Maus Sonhos para esta saga. O roteiro, inclusive, dá a entender que a dupla já estivera em outros lugares) deixa tudo ainda mais interessante, pois outra perspectiva de aventura é adicionada. A fuga dos dois e Sun Rae, na reta final da história é épica, com excelentes quadros de Jean-Claude Mézières mostrando a dominação das águas, as pessoas à deriva e os agentes do futuro desolados, sem poder parar para ajudar. Um pouco mais livre das ações bobas que vimos no álbum anterior, os impasses são resolvidos de maneira mais crível e oferecem uma ameaça real para os heróis, sem contar que temos a deixa para Terras em Chamas, com o trio na embarcação, livre de serem afogados, mas sem saber exatamente para onde vão e como podem cumprir sua missão.

Brasília é novamente citada na história — só temos dois quadros mostrando a chegada de Laureline, via capital brasileira, mas esta chegada parece bem mais interessante que a de Valérian aos EUA — e mais uma vez temos as ações humanas estragando tudo. O cenário deixado no desfecho é devastador. Para os leitores acostumados com finais felizes, haverá um choque. Este, porém, é o tipo de trama que deveria ter o mesmo destaque que os escapismos mais fáceis dos quadrinhos nas décadas seguintes, pois é um real alerta para o nosso mundo. E como HQ, é um enorme divertimento.

Valérian e Laureline: A Cidade das Águas Movediças (Valérian et Laureline: La Cité des eaux mouvantes) — França, julho a outubro de 1968
No Brasil: Valérian Integral N°1 (Edição Especial – Sesi-SP Editora, 2017)
Roteiro: Pierre Christin
Arte: Jean-Claude Mézières
Cores: Évelyne Tranlé
28 páginas

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