Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Valérian e Laureline: Bem-vindos a Alflolol

Crítica | Valérian e Laureline: Bem-vindos a Alflolol

por Luiz Santiago
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O título dessa aventura de Valérian e Laureline é ironia pura. Pierre Christin começa o texto falando sobre o importantíssimo planeta Technorog (nome dado a ele pelos colonizadores terráqueos, mas na língua nativa se chama Alflolol), um planeta amarelo e laranja cercado por um cinturão de asteroides e do qual são retiradas inúmeras riquezas que a Terra e muitos planetas sob sua possessão precisam. O alto nível de produtividade aqui é louvado desde o início, e o autor nos dá um relatório industrial comentando sobre as estações flutuantes no Oceano Magneto, as minas gigantescas nas montanhas, as fábricas colossais nas planícies e as plantações hidropônicas próximas à área central. Um planeta-negócio-colônia-de-exploração que só tem alguns animais selvagens e indícios de uma civilização que lá viveu há pouco mais de 4.000 anos.

A fortuna crítica para a obra de Christin e Jean-Claude Mézières normalmente aponta Bem-vindos a Alflolol como “o álbum mais engajado da série”, onde os autores tecem uma intensa crítica o produtivismo cego e absolutamente predatório, desumano, conseguido a todo custo, e evocam as consequências de uma sociedade desenfreadamente industrializada e sem preocupação alguma com o meio-ambiente; uma sociedade que polui sem freios em nome do lucro e do chamado progresso. Todo o desenvolvimento do volume se fixa nesse ponto, mas não de forma didática ou como uma pregação panfletária. Os conceitos são diretamente expostos através das ações de Valérian, que é um bom soldado e precisa obedecer ordens, mesmo que elas não sejam justas ou que façam muito mal aos nativos do planeta, que saíram para dar uma voltinha de quatro milênios e agora estão retornando ao lar, espantados com todas as mudanças que encontram.

A base crítica da obra coloca os alflololeses como estranhos em sua própria terra, e eles são tratados como vagabundos que não gostam de trabalhar — linha de ação colonizadora/escravocrata/dominadora que normalmente atribuímos à relação dos colonos americanos com os indígenas, mas é na verdade a dinâmica de qualquer nação poderosa que toma conta do território de outra nação para fins econômicos. A História está aí para provar. Todas as ações do Governador local e de Valérian obedecendo a ordens cada vez mais questionáveis deixam o leitor enraivecido e mostram a grande diferença de pensamento e comportamento entre os dois protagonistas da saga, que mesmo entre farpas e brigas, se gostam muito. Eu ainda preferiria que Laureline não tivesse arroubos manhosos por supostamente estar sendo desprezada ou escanteada pelo parceiro, mas no fim, isso é um pouco de charme infantil que cabe também à personalidade dela.

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Há também no enredo uma forte chamada de atenção a Galaxity, pois é em nome dela que existe essa condição de desenvolvimento industrial negativo e de mal tratamento aos povos indígenas sob o colonialismo (impacto ecológico e sociológico do Império da Terra), e é por isso que eu gosto bastante de como a trama é encerrada. Inicialmente fiquei frustrado porque as páginas finais são bem corridas e existe um evento que é conveniente demais para a situação, não resolvendo, de fato, o problema — aliás, dando espaço para que os exploradores seguissem tranquilamente fazendo o que sempre fizeram. A decisão de Valérian, no entanto, leva as preocupações para o centro do sistema, para Galaxity, que agora precisa lidar diretamente com o povo que teve o território ocupado e parcialmente destruído em nome da civilização e do desenvolvimento. Valérian mostra que sabe muito bem quem e onde incomodar.

Com uma arte sempre maravilhosa, criando com muito cuidado as diversas linhas de produção e os diversos biomas de ‘Technorog’, além de trazer um tema que faz parte de grandes discussões de nosso tempo, Bem-vindos a Alflolol convida-nos a pensar sobre os limites e os caminhos de progresso, e como certos projetos de crescimento não são ruins apenas para nativos ou povos/indivíduos diretamente ligados “à causa“, mas para absolutamente todos. A diferença é que alguns grupos demorarão tanto para assumirem que existe um problema nisso, que só verão o estrago quando o próprio quintal for atingido. E aí, como já se tem visto em diversos recortes pelo mundo afora, será tarde demais.

Valérian e Laureline: Bem-vindos a Alflolol (Valérian et Laureline: Bienvenue sur Alflolol) — França, 16 de dezembro de 1971 a 11 maio de 1972
No Brasil: Valérian Integral N°2 (Edição Especial – Sesi-SP Editora, 2017)
Publicação original: Revista Pilote #632 a 653
Editora original (encadernado): Dargaud
Roteiro: Pierre Christin
Arte: Jean-Claude Mézières
Cores: Évelyne Tranlé
45 páginas

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