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Crítica | Vampiros de Almas

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Estados Unidos, década de 1950. A Guerra Fria seguia em alta e o ranço do macarthismo ainda era sentido no país. A paranoia da espionagem inimiga, o medo da bomba atômica e a ideia de uma dominação comunista (eles estão entre nós!) marcou a época e ganhou em Vampiros de Almas (1956) uma das mais claustrofóbicas e intensas versões que o cinema já conheceu sobre o tema, mesclando terror e ficção científica de ordem B como poucos diretores conseguiram fazer antes ou depois.

Baseado no livro The Body Snatchers (1955), de Jack Finney, a trama se passa na cidade fictícia de Santa Mira, Califórnia, onde sementes vindas do espaço caem na Terra e crescem em forma de grandes vagens, dentro das quais duplicatas de seres humanos são produzidas. O filme explica relativamente bem a origem e como a transformação acontece, mas deixa vago o que acontece com o corpo original e em que momento ele é “substituído”. Temos a ideia clara de uma espécie de possessão, mas a relação ente duplicata e corpo real o roteiro não deixa claro. No livro, o corpo humano vira cinzas e a duplicata que habita o alien vive apenas 5 anos, além de ser incapaz de se reproduzir. Dá pra imaginar como isso acaba a longo prazo, certo?

Essa “infiltração comunista”, leitura que também pode ser feita de Os Pássaros (1963), de Alfred Hitchcock, era uma das grandes paranoias da década, que ainda teve relatos sensacionalistas (com alguns elementos reais) de lavagem cerebral e outras técnicas de persuasão observadas pelos aliados na Guerra da Coreia (1950 – 1953), o que ajudou a inflar o imaginário popular com o medo de que muito rapidamente suas personalidades e individualidades seriam ‘consumidas pelo comunismo’, que estava agindo “de dentro pra fora” bem no nariz do Tio Sam e ninguém estava vendo.

Nota-se também as reflexões filosóficas abordadas na história, como a possibilidade de um mundo onde religião, medo, ambições e amor não existem. Desta forma, os vilões são humanizados e dizem muito do que a humanidade já pensou e teorizou a respeito. Que tal uma sociedade onde os sentimentos não são a coisa mais importante? Que tal as implicações de não haver amor e não haver problemas para resolver? O conflito pode parecer apenas superficial à primeira vista, mas traz uma discussão bastante frutífera sobre a forma como as sociedades modernas se organizam e como elas foram perdendo elementos de sua identidade inicial, muitas vezes substituídos por uma “duplicada”, como é o caso dos avatares nas fotos pela internet, as respostas automáticas por e-mail e a impessoalidade das mensagens por redes sociais e afins. De uma forma ou de outra, caímos no mesmo ciclo.

O diretor Don Siegel faz aqui um trabalho exemplar na criação de um suspense sobre o que acontecerá com o Dr. Miles Bennell e sua parceira Becky Driscoll, disseminando pela fita acontecimentos instigantes e que marcam cada uma das partes. Se temos um elo fraco na introdução e no epílogo do longa (o que torna todo o desenvolvimento um grande flashback), a qualidade do miolo da fita é altíssima, da direção ágil e pontual de Siegel, com mínimos tropeços na direção de atores; na bela fotografia de Ellsworth Fredericks, com suas cenas noturas fascinantes e enquadramentos tortuosos; e na trilha sonora de Carmen Dragon, com compassos bem localizados nas oitavas menores do piano e uma orquestra em nível assustador. O fato de ter um orçamento pequeno fez com que a criatividade aqui fosse elevada ao máximo, conjunto que só trouxe benefícios para a obra e para o público.

Vampiros de Almas traz também uma pequena participação de Sam Peckinpah no elenco (ele dizia que também contribuiu na escrita do roteiro, mas não foi creditado) e foi melhor recebido com o passar dos anos do que em seu próprio tempo, apesar de não ter sido um fracasso de bilheteria: o orçamento da produção foi cerca de 416,9 mil dólares e o arrecadamento nas bilheterias chegou a 3 milhões. Evidente que isso é fichinha perto de grandes produções atuais, mas a relação custo-benefício aqui não é ruim.

Três refilmagens já foram feitas de Vampiros de Almas: Os Invasores de Corpos (1978), Os Invasores de Corpos – A Invasão Continua (1993) e Invasores (2007), cada uma com um objetivo e um conteúdo, mas nenhuma delas conseguiu fazer o espectador temer como esta obra original de 1956. Eis aqui um filme genuinamente de dois gêneros para fazer pensar e se maravilhar.

Vampiros de Almas (Invasion of the Body Snatchers) —  EUA, 1956
Direção: Don Siegel
Roteiro: Daniel Mainwaring e Richard Collins (não creditado), baseado na obra de Jack Finney.
Elenco: Kevin McCarthy, Dana Wynter, Larry Gates, King Donovan, Carolyn Jones, Jean Willes, Ralph Dumke, Virginia Christine, Tom Fadden, Kenneth Patterson, Guy WayEileen Stevens
Duração: 80 min.

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