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Crítica | Vampiros, de John Carpenter

por Leonardo Campos
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A versátil figura do vampiro aparece em nossa cultura mediado por assinaturas bastante diversas. Na poesia alemã do século XVIII, por exemplo, a figura monstruosa esteve conectada ao comportamento inadequado e ao desejo de vingança por amores não correspondidos, base para a sua representação no século XX, a era do estabelecimento do cinema e da reafirmação da cultura de massa, período que lhe ilustra como uma criatura carregada de maldições, misto de sedução e morte, perigo magnético quase impeditivo de distanciamento. Um pouco antes, ao longo do século XIX, escritores renomados o descreveram, dentre eles, Lord Byron e John Polidori, o primeiro como influenciador da imagem de sede pela degeneração e o segundo expoente dos vampiros como figura viciada em comportamentos desregrados. No cinema, Francis Ford Coppola entregou um espetáculo visual e dramático com a tradução intersemiótica do romance de Bram Stoker lançada no começo dos anos 1990, depois que uma longa tradição audiovisual se estabeleceu diante deste personagem em suas múltiplas versões anteriores. Antes do desfecho da mesma década, John Carpenter deu a sua assinatura ao mito, numa produção visualmente interessante, mas dramaticamente questionável, principalmente pelo seu excesso de misoginia.

Mais adiante, tratarei deste tópico tão gritante quanto a final girl de Jamie Lee Curtis ao ser perseguida por Michael Myers, o turbinado inimigo sem rosto que marcou a sua cinematografia, ligeiramente embaçada no desenvolvimento de Vampiros, terror que ao longo de seus 108 minutos, inspira-se no romance de John Steakley, transformado em roteiro por Dan Jarkloy, entregue ao cineasta para ser uma mudança de rumo em sua carreira e a primeira incursão no mundo dos vampiros, espaço ainda não experimentado em sua longa e eficiente trajetória no campo do terror. O que poderia surtir num caminho novo a ser trilhado foi apenas um breve passeio, pois o cineasta se bifurcou por outros espaços posteriormente. Na trama, os vampiros apresentam perigo não apenas na escuridão da noite, mas durante a luz do dia, criaturas que estão sob a observação do incansável Jack Crow (James Woods), líder de um grupo de caçadores das mitológicas criaturas, exterminador que faz parte de uma organização secreta mediada pela Igreja Católica.

Chefiado pelo Cardeal Alba (Maximilian Schell), Crow trafega por regiões desérticas e enfrenta a fúria destas criaturas acompanhado de Anthony Montoya (Daniel Baldwin) e do padre Guiteau (Tim Guinne), representante da igreja que no passado, fez de um ritual de exorcismo que deu errado e o transformou em um vampiro. É nesta mescla de estilos que Vampiros, de John Carpenter, se desenvolve. Um dos pontos narrativos que se desdobra ao longo do filme é a batida numa zona de prostituição que acaba se transformando numa chacina de vários que ali se faziam presentes, desde clientes ao grupo de trabalhadoras da noite. Uma delas é Katrina (Sheryl Lee), prostituta que será levada pelo personagem de Baldwin como vítima a ser resgatada e salva. Os vampiros que aqui atacam são movidos pelo desejo de adquirir a lendária Cruz de Berzies, objeto que os permitirá caminhar eternamente por qualquer período do dia, sem a necessidade de atacar e se esconder durante a noite, como rezam os mandamentos tradicionais dos sugadores de sangue. Trajados pelos figurinos de Robin Michel Bush e maquiados pelo setor supervisionado por Howard Berger, os monstros do filme se assemelham bastante ao esquema semiótico de Marilyn Manson em suas apresentações públicas. Com isso, digo que não são exatamente assustadores, mas convencem que estão ali em grupo, unificados visualmente para dar conta de suas missões destrutivas.

O que podemos esperar disso? Um bom trabalho do ponto de vista técnico. E só, mas o bastante. Paradoxal, não? Explico: Vampiros, de John Carpenter, visualmente falando, é uma narrativa eficiente. Esse nunca foi um problema para o realizador, ciente da sua competência no gerenciamento não apenas dos aspectos visuais de seus filmes, mas apurado no desenvolvimento da trilha sonora. Ao estabelecer elementos inovadores na exaustiva mitologia dos vampiros, um dos monstros mais trabalhados no esquema das produções de terror, John Carpenter transforma a sua história num ponto de destaque da historiografia das criaturas da noite em seu longo passeio pelo século XX. Traz para a direção de fotografia, o empenho de Gary B. Kibbe, responsável por emular a cartilha western de planos abertos, movimentação milimetricamente calculada e sofisticação dos demais enquadramentos eficientes ao promover a melhor captação possível para os espaços abandonados pelo qual circundam os personagens. O design de produção de Thomas A. Walsh também acerta nos tons alaranjados, vermelhos e no estabelecimento de cenários e adereços que funcionam bem nas passagens noturnas, expressadas em imagens com textura firme, também conscientes do universo visualmente mesclado entre terror e western, apesar de seu desenvolvimento dramático flerta com muitos clichês do estilo policial.

Como apontado anteriormente, um ponto curioso e questionável do filme é o aparente descuido de John Carpenter em relação ao feminino presente na produção. O diretor parece enfeitiçado pelo pensamento da época de Bram Stoker, autor que descreveu em seu romance clássico, os medos e ansiedades do período que tinha na emancipação feminina uma das inseguranças socais mais delineadas no contexto em questão. É misógina demais a forma como os homens tratam Katrina, a prostituta interpretada por Sheryl Lee. Olhada por uma via retrospectiva, a trajetória da personagem é absurdamente errônea, sem coadunar inclusive com a presença protagonista e firme das mulheres em suas produções anteriores. Tendo a sua cinematografia como ilustração, toda a força da final girl de Halloween – A Noite do Terror, a sua quintessência slasher, por exemplo, é esquecida para dar vazão ao feminino minado e massacrado em seu Vampiros, lançado em 1998, uma era que já representava os anseios de uma nova geração, com posturas mais avançadas e posicionamentos mais críticos. A sua nudez desnecessária, os insultos e a objetificação de seu corpo em cena só reforçam o quão equivocado o mestre estava no período, mergulhado num desenvolvimento míope de personagens, falho em especial nestes pontos mencionados.

Ademais, em História dos Vampiros, de Claude Lecoutex, temos algumas considerações que lidas durante a avaliação dos filmes deste segmento, tornam-se interessantes mencionar como reafirmação legitimada dos estudos sobre a imagem deste mito, amalgamado na cultura contemporânea. Para Lecoutex, os vampiros integram uma parte desconhecida da história da humanidade, com função devidamente desempenhada na sociedade. O vampiro é uma complexa representação dual entre morte e vida, e agora em um grifo meu, criaturas que não integram a dinâmica do mundo moderno das luzes e da razão, isto é, uma presença ameaçadora, maligna e perversa que não pode fazer parte do nosso convívio, tal como o imaginado pelos heróis exterminadores de vampiros do filme de John Carpenter. Todo esse potencial contextual, no entanto, se dissipa diante do resultado decepcionante. Com seus diálogos pouco inspirados, torna-se importante ressaltar que Vampiros também peca nos desempenhos dramáticos do elenco, no geral, medianos ou abaixo do esperado diante de figuras do sistema hollywoodiano que outrora apresentaram trabalhos mais inspirados, aqui pouco expressivos, talvez pela história que é inspiradora, mas desenvolvida de maneira muito problemática. Poderia ter sido ótimo, mas é apenas bom, quase irregular, classificação que seria injusta apenas por causa do resultado cinematográfico, satisfatório em suas dimensões plásticas, mesmo com os deslizes dramáticos.

Vampiros, de John Carpenter (Vampires/Estados Unidos, 1998)
Direção: John Carpenter
Roteiro: Don Jakoby, John Steakley
Elenco: James Woods, Daniel Baldwin, Sheryl Lee, Thomas Ian Griffith, Maximilian Schell, Tim Guinee, Mark Boone Junior, Gregory Sierra, Cary-Hiroyuki Tagawa, Thomas Rosales Jr., Henry Kingi, David Rowden, Clarke Coleman, Mark Sivertsen, John Furlong
Duração: 108 min

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