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Crítica | Venom: Protetor Letal

por Gabriel Carvalho
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“Nós seremos seus amigos e mais! Desse dia em diante, todos os inocentes podem se considerar sob a nossa proteção. E quem quer que nos desafia a lhes machucar responderão ao… Venom!”

Contém spoilers!

Em tempo, os grandes vilões dos quadrinhos, em sua maioria, continuavam a ser grandes vilões nas antigas eras douradas e prateadas. Com o passar das décadas, porém, as pontuais ou definitivas vira-casacas por parte dos antagonistas de alguns personagens, como a Mulher-Gato, a Gata Negra e, mais para frente, como o Venom, tornaram-se mais e mais comuns. Outras curiosidades, para este caso específico, dessa ambientação noventista, também precisam ser enaltecidas para entendermos o contexto de Protetor Letal. O personagem em questão – o Venom -, debutado poucos anos antes, veria sua transformação acontecer em 1993, com o lançamento de uma minissérie própria, em uma época na qual a censura – muito diferente do código extremamente rigoroso de outrora – ainda impedia personagens do mal de serem protagonistas de suas próprias histórias, caso estas contivessem indicação livre. O antagonista se tornaria um personagem principal, um protagonista, estampando um título, mas não poderia ser uma criatura maléfica liderando uma revista, mesmo que limitada – precisava ser, minimamente, um anti-herói. Ao buscar uma exploração da popularidade do Venom, a Marvel Comics precisa mudar o monstro.

Leia-se como anti-herói: “personagem de ficção a quem faltam atributos físicos e/ou morais característicos do herói clássico.” O conceito, bastante popular nos dias de hoje, sempre existiu na verdade, ganhando mais vida dentro do escopo dos quadrinhos, contudo, apenas durante a passagem da década de 80 para a década de 90, principalmente com a retomada, por parte de Frank Miller, de características anti-heroicas – existentes na figura original – ao seu Batman. Já discutindo a metamorfose contrária, do apaziguamento de criaturas malvadas, mas não redenção completamente heroica, como dar justificativa para uma mudança dessas, quando acontece com um monstro, um vilão? Outras histórias conseguiam evidenciar essa visão transitória transportando a condição de antagonistas a de, paralelamente, interesses românticos dos super-heróis, mas Eddie Brock, um dos componentes do Venom, além do simbionte alienígena, não entraria nesse quesito. A suspensão da descrença é necessária, mas podemos entender a questão como um desestímulo pela vingança, mostrada factualmente em The Amazing Spider-Man #375, lançada um mês depois do primeiro capítulo de Venom: Protetor Letal.

Entendendo, portanto, o pretexto de lançamento, a musculosa criação, nascida em The Amazing Spider-Man #300, é retratada, logo de cara, com a graciosidade de um piano caindo do décimo-terceiro andar, mas o carisma de um cachorro rolando na grama após tropeçar sem querer, enquanto estava correndo atrás de uma bolinha jogada pelo seu dono. Venom quer ajudar as pessoas, todavia, nunca deixa de ser enormemente aterrorizante a sua presença, imenso, gosmento e cheio de dentes, ao lado de meros mortais. O momento em que cumprimenta a moça, que não muito tempo atrás estava em perigo, é impagável, digno de mais reproduções. A composição artística de Mark Bagley – surpreendendo ninguém, também criador do Carnificina – possui inspiração em diversas características da de Todd McFarlane, porém, definitivamente eleva alguns maneirismos do outro ilustrador, criador do Venom, ao extremo, às vezes sendo até mais esperto do que McFarlane seria ao desenhar ação. Eddie Brock dificilmente esteve mais gigante do que nessa minissérie. Os confrontos são consideravelmente lúdicos para época, sem tornar-se incompreensíveis, mas ocorrendo justamente nesse caminho entre o frenético mundo noventista e as cores vibrantes dos anos 80, combinando-os intensamente.

Não podemos esperar, de uma história dos anos 90, cheia de personagens desproporcionais – a participação rápida de Mary Jane reitera isso -, menos do que uma gigantesca bagunça divertida. A adjetivação, entretanto, deve ser realmente vista com toda essa negatividade ou existe uma certa espirituosidade nas loucuras vivenciados? A problemática começa sendo uma: moradores de rua que vivem em uma sociedade completamente à parte do nosso mundo, no subterrâneo de São Francisco, mas que têm a exata condição de vida atual sendo ameaçada por homens engravatados, interessados no parque acima da morada desses habitantes. Venom é envolvido diretamente com essa população, no entanto, é expulso pelo conselho do lugar, considerado uma ameaça – embora, tecnicamente, eles precisem de proteção. O passado sempre nos ataca, mesmo que queiramos mudar. David Michelinie, infelizmente, não possui muito interesse em adentrar as dinâmicas dessa cidade esquecida pelo tempo, mesmo que a splash page de apresentação, ao final da primeira edição da minissérie, nos deixe empolgados em conhecer mais sobre a cultura e história desse fantástico cenário – relembrou-me da Wonder City, de Batman: Arkham City.

Nunca conseguiríamos imaginar o Homem-Aranha, também integrando essa minissérie, sendo ofuscado pelo assombroso Venom, mas esse acontecimento, essa completa subversão do nosso interesse, era bastante necessário, porque, em consequência, mostra a importância que o personagem recebe em seu próprio título. De Nova Iorque à São Francisco, a chegada do Amigão da Vizinhança ao ambiente dessas histórias, contudo, é consideravelmente deslocada do cerne, sem existir, nas primeiras edições, um envolvimento rápido do super-herói com os conflitos, atrapalhando, inicialmente, as atitudes de vigilante do protagonista. Michelinie, por sua vez, permite o personagem explorar, já que ainda não pode se envolver, o passado de Brock, indo de encontro ao pai do ex-antagonista, recentemente reformado. As desventuras por esse background, nos justificando os imensos músculos, são uma enorme digressão, descartável em qualquer âmbito narrativo, contudo, nos ajuda a simpatizarmos e aceitarmos mais essa mudança de perspectiva por parte do Venom, antes um super-vilão, agora um anti-herói. Os quadrinhos sempre gostaram de preencher os vácuos temporais, anteriores às primeiras aparições, com histórias trágicas.

Lutando para proteger a cidade subterrânea dos planos malignos de Roland Treece, o Venom não imaginaria que se uniria ao Homem-Aranha momentos posteriores, quando enfrenta a Fundação Vida, também envolvida nessa bagunça toda. Uma das coisas mais divertidas sobre Protetor Letal, que, diferentemente do que pensaríamos para início de conversa, não tem nada de letal, é justamente esse team-up, começando para valer ao final da edição #5, “Symbiocide”. Lembraram do Júri, que nem comentei sobre? Ao chegarmos nos últimos segundos dessa minissérie, um dos complicadores do meio dessa jornada – o Júri – não é mais sentido, caracterizado, curiosamente, como uma criação nova, comandada pelo pai de um guarda morto em The Amazing Spider-Man #315 – ou seja, completamente aleatório. Protetor Letal é justamente isso, um marco dos anos 90, sem se distanciar das demais criações da época, mas sendo muito mais auto-consciente e coerente. Eddie Brock enfrenta, sem nem mesmo estar conectado ao simbionte, mas ao lado do Homem-Aranha, vários simbiontes replicados, em formas distintas e animalescas. Uma grande bagunça,  sem tanta inteligência narrativa, mas extremamente divertida, para nos mostrar o anti-herói dentro do Venom. 

Venom: Protetor Letal (Venom: Lethal Protector) – EUA, 1993
Roteiro: David Michelinie
Arte: Mark Bagley
Arte-final: Sam de la Rosa, Al Milgrom
Letras: Richard Starkings
Cores:  Marie Javins
Capas: Mark Bagley
Data de publicação: fevereiro de 1993 a julho de 1993.
24 páginas cada uma das seis edições

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