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Crítica | Vento e Areia

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Victor Sjöström, cineasta pioneiro do cinema sueco, teve também uma fase de trabalho nos Estados Unidos, que iniciou-se na MGM, em 1924, com o longa Name the Man. Dois anos depois, o diretor faria o seu primeiro filme com Lillian Gish, A Letra Escarlate, e voltaria a trabalhar com ela uma segunda e última vez em 1928, no longa Vento e Areia, um western familiar focado na ambientação de uma jovem órfã a um espaço estranho e em parte hostil a ela (ou totalmente hostil, se levarmos em conta unicamente a visão da personagem).

Filmado no deserto de Mojave, na Califórnia, o filme apresenta as características naturais necessárias para plasmar o isolamento e nos indicar uma justificativa para a transformação de Letty (Lillian Gish), desde os primeiros minutos do filme assustada pela força e barulho do vento. É como se o diretor quisesse fazer um filme de terror sem fazê-lo: o elemento ameaçador está lá, o elemento surpresa está lá, a violência é sugerida e gráfica (embora em pequeno ou simbólico grau) e a opressão causada pelo vento e pela grande quantidade de areia afeta não só a personagem principal mas também o espectador.

Sjöström consegue um feito louvável para um filme mudo: filmar o vento como se estivesse fazendo isso com som.

Desde a panorâmica de abertura, quando o trem corta a paisagem do deserto, somos inseridos com a protagonista num local fustigado pela natureza e onde qualquer um pode enlouquecer. Todavia, o tom no início da fita não é de pura ameaça e sim de exotismo. A abordagem realista do diretor nos dá primeiramente a impressão de curiosidade geográfica, elemento que aos poucos vai sendo modificando, ganhando primeiro a face de tragédia iminente e, em seguida, uma espécie de condenação à qual todo habitante daquele lugar deve se submeter.

Essa sensação ganha plasticidade sensível e bastante eficiente sob o olhar de Sjöström. É possível “ouvir” o som do vento, do cachorro uivando, dos cascos dos cavalos, da madeira rangendo e até dos gemidos de Letty, mesmo que não haja, de fato, nenhum desses sons no filme. Na segunda parte da fita isso é intensificado pelo “claustro” da personagem principal em sua residência, convivendo com um marido que aprendeu a odiar e varrendo do chão uma areia eterna, quase em um ato mecânico de sublimação ante a loucura às portas. Nesse momento, encontramos o núcleo de decepção com o enredo, cuja culpa não é de Sjöström e nem da roteirista Frances Marion, mas dos executivos da MGM.

O final de Vento e Areia era originalmente impiedoso e denso, um caminho natural depois do que acontecera a Letty naquela horrenda noite em que esteve na cabana sozinha com Roddy. Não vemos o estupro acontecer mas isso fica evidente após uma eficiente elipse. A relação entre Letty e Roddy, antes deste receber o tiro mortal, também dá conta disso. Na sequência que finalizaria o filme, Sjöström filmou Letty correndo pelo deserto, completamente louca e cega, em direção à morte. Todavia, o diretor foi obrigado pelo estúdio, sob coléricos protestos, a fazer um outro take, um happy ending forçado onde a jovem Letty se entrega ao amor de Lige e parece também parece se entregar ao vento, numa cena filmada com beleza lírica invejável mas com um desprezível significado dramático que simplesmente arruinou o desfecho do longa.

A despeito de seu término, Vento e Areia é uma experiência sensorial deliciosa e também um filme obrigatório para amantes da sétima arte, já que é um dos primeiros westerns cujo ponto de vista é o da protagonista feminina (maravilhosamente interpretada por Lillian Gish, entre a delicadeza, o espanto e o medo) e um dos primeiros do gênero a trazer questões psicológicas de grande porte em seu contexto.

Vento e Areia (The Wind) – EUA, 1928
Direção:
Victor Sjöström
Roteiro: Frances Marion (baseado no romance de Dorothy Scarborough).
Elenco: Lillian Gish, Lars Hanson, Montagu Love, Dorothy Cumming, Edward Earle, William Orlamond, Carmencita Johnson, Leon Janney, Billy Kent Schaefer
Duração: 76 min.

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