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Crítica | Verdade ou Desafio

por Rafael W. Oliveira
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Não há como negar que o terror é um gênero bastante mutável. Nos anos 80, a onda de slasher movies e suas incontáveis continuações dominaram esse circuito, dando vida a franquias longevas como Halloween, A Hora do Pesadelo, Sexta-Feira 13 e até mesmo Hellraiser. Não demorando a cair na banalização, foi Wes Craven que, nos anos 90, abraçou com Pânico a metalinguagem de tal forma que sacudiu os alicerces de todos os clichês dos filmes de horror, resultando numa brincadeira que criava sua própria reflexão sobre o ontem e o hoje sobre a identidade dos filmes de terror.

Tantos anos depois, e condenado a mesma fadiga das fórmulas que, exploradas à exaustão, se esgotam num estalar de dedos, é notável que o gênero hoje sobrevive da experimentação, da liberdade criativa sobre novas ideias, tal qual ocorreu com o fenômeno A Bruxa de Blair no fim dos anos 90. E o público atual parece pronto a responder positivamente a proposta de explorar outros conceitos e ambientações de caráter híbrido, algo comprovado pelos sucessos de títulos como Atividade Paranormal, Sobrenatural, Uma Noite de Crime, A Visita, Fragmentado e o premiado Corra! Não coincidentemente, todas estas apostas certeiras atendem por um nome em comum, Jason Blum e a sua Blumhouse Productions, que se popularizou como uma máquina de investir pouco e lucrar muito, tendo como principal característica esta liberdade dada aos autores para trabalhar suas ideias e concepções, algo ainda raro dentro do cinema de identidade comercial.

E não apenas por trazer o selo do estúdio, Verdade ou Desafio carregava, por si só, um grande potencial para dar certo. E não somente pela ideia de trabalhar com o jogo em questão dentro do ambiente sobrenatural, algo que poderia abrir mil portas para o trabalho criativo dos envolvidos, mas também pela assinatura do diretor Jeff Wadlow, que apesar dos duvidosos Kick-ass 2 e A História Real de um Assassino Falso, teve seu primeiro pontapé no gênero anos atrás com o interessante e levemente subversivo Cry-Wolf – O Jogo da Mentira, com o qual Verdade ou Desafio parecia se assemelhar estruturalmente. O que apenas torna ainda mais lamentável atestar o quanto Verdade ou Desafio se contenta em surfar pela onda mais fácil.

E apesar do ponto de partida potente em relação ao jogo, pouco há o que estabelecer inicialmente sobre a premissa além de que a protagonista Olivia (Lucy Hale, de Pretty Little Liars) e seu grupo de amigos caem na armadilha de um estranho que lança sobre eles uma maldição que os obriga a participar do jogo e escolherem entre as óbvias opções, o que pode levá-los imediatamente à morte caso se recusem a jogar com a entidade em questão. O que se segue de forma absolutamente linear são perguntas, desafios e mortes cada vez mais elaboradas (supostamente), enquanto os personagens buscam respostas e soluções para se livrar da maldição.

Escrito pelas mãos do próprio Wadlow ao lado de Michael Reiz e William Jacobs, o script se revela pouco interessado em trabalhar para além dos elementos que lhe são intrínsecos, como o grupo de jovens descolados defendidos pelo elenco de corpos e rostos perfeitos, a tensão sexual existente entre eles, o forte senso de amizade entre duas personagens e alguns conflitos que, periodicamente, são lançados ao vento para que os envolvidos se convençam de que há alguma carga dramática por trás de tudo. Mesmo os recursos narrativos mais dinâmicos como a viagem do grupo vista através de vídeos no Instagram, Snapchat e afins, um recurso de fácil comunicação e identificação ao público-alvo em questão, soa datado e deslocado pelo aproveitamento tão repleto de conveniências ao roteiro, e apesar da conclusão sábia, a tal “crítica social foda” sobre o uso da internet como uma arma ora benéfica, ora nociva se perde em meio a pretensão pós-modernista de Wadlow.

Sem muito tato para trabalhar com o que há de mais assustador na proposta, tudo no filme é mal apropriado em relação as investidas do demônio no jogo para levar a cabo sua missão com cada um dos jovens. Com exceção de uma sequência genuinamente tensa em cima de uma casa, todas as mortes são corridas e diluídas de impacto, e mesmo a faceta do espírito maligno, com seu sorriso aberto à lá Coringa, é tão facilmente capaz de gerar risadas quanto os jump scares bobos que, apesar de poucos, seguem a mesma cartilha de usar e abusar dos sons altos sempre que necessário. É como um Premonição sem a sarcástica sutileza do primeiro filme de James Wong.

O que fica é a impressão de que, desta vez, a Blumhouse trabalhou com o menor nível de QI possível, mesmo diante de uma premissa que claramente oferecia muito mais para as mãos hábeis por detrás da realização. A narrativa é leviana, o humor é incoerente (e quando surge, é sempre com espírito involuntário), os personagens não transbordam nenhum carisma para gerar um interesse genuíno por seus destinos, os conflitos dramáticos são o mais fora de hora possível, os acontecimentos são atropelados e, no fim, é apenas mais uma experiência do gênero que se dilui rapidamente após o último susto.

Verdade ou Desafio (Truth or Dare) – EUA/2018
Direção: Jeff Wadlow
Roteiro: Jeff Wadlow, Jillian Jacobs, Michael Reiz
Elenco: Lucy Hale, Tyler Posey, Nolan Gerard Funk, Landon Liboiron, Sam Lerner, Violett Beane, Brad Smith
Duração: 100 min.

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