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Crítica | Viagem ao Centro da Terra: O Filme

por Iann Jeliel
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Viagem ao Centro da Terra

Os filmes de Brendan Fraser fizeram parte da minha infância. Lembro muito bem de meados dos anos 2000 em que as locadoras estavam no auge, as repetidas vezes que locava a trilogia A Múmia, George: o Rei da Floresta, Looney Toones: De Volta a Ação, Coração de Tinta – O Livro Mágico ou esse Viagem ao Centro da Terra. Esses filmes carregam em comum, um espírito aventuresco ingênuo e descompromissado muito acessíveis a todos os públicos. É um cinema extremamente direto ao ponto, com aventuras de blocos sequências, bastante objetivos, sem respiro de pausas dramáticas mais acentuadas. Um cinema que admitia seu sustento no carisma dos personagens, em especial no protagonista, geralmente incorporado por uma mesma persona de Fraser, um adulto abobalhado que gosta de ser o herói de aventuras de criança.

Goste ou não, é inegável que ele possui algum talento comunicativo com essas massas infantis, pois certamente, apesar de não serem tão bem olhados pela crítica, esses filmes conquistaram um lugar de carinho especial com um determinado público que ele o criou e diretamente remete esses filmes a ele. E de fato, a maioria deles tem seu dedo como produtor, para justamente procurar fornecer essa identificação. Viagem ao Centro da Terra: O Filme, portanto, é muito mais um filme de Brendan Fraser do que uma adaptação fidedigna ou dramatúrgica do livro original de Jules Verne. É preciso ir assisti-lo, ciente, não só disso, como também do seu caráter digital que já nasce envelhecido. Afinal, esse foi o primeiro longa-metragem em live-action a ser rodado inteiramente a partir da tecnologia digital em 3D, logo, o parâmetro teste, fez o aspecto cinematografico da narrativa ser totalmente dependente da busca pelo efeito entretivo da tridimensionalidade.

Um efeito que só era replicado com exatidão sobre as condições em específico, mas que no 2D, explodia artificialidade em tela – em várias cenas que claramente eram só para fornecer aquele elemento indo direto na sua cara, além da clareza de tudo é computação. É mais ou menos a mesma coisa que ocorreu com a trilogia prequel de Star Wars, onde George Lucas apostou todas as fichas no projeto ser completamente digital, sem ter recursos suficientes para mascara-lo como plausível. O resultado, foi aquele universo extremamente falso, que não era comprável nem pela a história mais interessada em ramificações políticas de Star Wars, do que crendo no caráter fantasioso da mitologia empregada no digital. A grande diferença de lá para Viagem ao Centro da Terra, é que o diretor Eric Brevig, em seu primeiro filme nas câmeras depois de anos trabalhando como supervisor de efeitos visuais, é que existe essa crença na veracidade do digital, tanto fora de tela, quando dentro da história. Não à toa, o projeto combina tanto com o estereótipo de “filme do Brendan Fraser”, já que a valorização da composição visual do universo digital fala mais forte de que qualquer pano de fundo mais denso da história.

Uma valorização diretamente interligada a valorização do trio de personagens, em especial, do Fraser. A lógica de videogame cabe bem aqui. O objetivo primordial da história é estabelecer essa grade sucessiva de desafios que irão testar as possibilidades da criação dos efeitos, junto a necessidade de superação dos personagens que vão no resolver das situações vão adquirindo mais carisma com o telespectador. O universo literário entra aí mais como detalhe. O cientificismo discutido na base do material fonte é aqui um mera referência que dá o princípio didático para estabelecer a periculosidade do desafio juntamente com sua solução, que pode vir na mesma hora, ou numa outra hora mais oportuna do filme. Por mais que sinta falta de um maior timing de maturação dá vulnerabilidade do trio, até para causar mais tensão a aventura, as cenas isoladas ainda são muito boas e bem amarradas ao organismo da trama. É um discurso assumido pelo longa, que acredita nessa referênciação como uma ponte de modernização infantilizada a linguagem do livro para novos públicos. Há quem diga que é uma difusão incoerente do filme nesse sentido, pois, fica estranho o filme usar a ciência como engrenagem para a história progredir sem pausas ao mesmo tempo que visualmente aposta tudo no caráter fantasioso irreal do mundo digital.

Tal como, é estranho o discurso de modernização dentro de uma estrutura narrativa tão conservadora, no sentido, de realmente não propor mais do que um entretenimento tipicamente noventista, puro, simples e direto. Até na construção dos arquétipos existe estranheza, como o sobrinho Sean (Josh Hutcherson) ter uma toda uma jornada de recuperação de um espírito aventureiro perdido pelas fáceis soluções do mundo tecnológico – o filme reforça, algumas vezes, esse conflito geracional dele com seu tio Trevor (personagem de Fraser) que não sabe usar o Google porque resolve as coisas de maneira mais prática – ou a Hannah (Anita Briem) ser uma espécie de símbolo da mulher forte ao mesmo tempo que precisa ser salva pelo herói de Fraser várias vezes, e ainda disputada por ele e o sobrinho (em piada) pra ver quem fica com ela no final. Contudo, se essas convergências ficam estranhas na teoria, na prática, quando juntas na dinâmica da aventura, elas soam muito orgânicas, porque filme realmente não está muito preocupado com isso.

Na verdade, ele já acredita na harmonização automatizada dessas propostas considerando o ambiente ingênuo e descompromissado da aventura. O que reforça o caráter comunicativo de Fraser com as massas atemporalmente, justamente por ser um cara dessa geração do meio, de início de milênio, que olha princípios antiquados de décadas passadas com nostalgia e sabe entregá-los dentro de aspectos mais modernos, sem que um anule o outro. Por isso que, apesar de carecer de uma realização cinematográfica de mais cuidado, não alcançada pela a inexperiência do diretor em saber filmar devidamente as cenas de modo a valorizar mais a profundidade de campo para a experiência alçar uma melhor imersão – tornando o filme mais velho do que de fato é –, Viagem ao Centro da Terra consegue ser ainda, tão carismático. Talvez um dos últimos respiros desse tipo de cinema da diversão pela diversão, tão genericamente lúdicos, que veríamos. Mesmo eu, a pessoa menos saudosista que conheço, admito, sinto saudades.

Viagem ao Centro da Terra: O Filme (Journey to the Center of the Earth | EUA, 2008)
Direção: Eric Brevig
Roteiro: Michael D. Weiss, Jennifer Flackett, Mark Levin (Baseado no livro homônimo de Jules Verne)
Elenco: Brendan Fraser, Josh Hutcherson, Anita Briem, Seth Meyers, Jean Michel Paré, Jane Wheeler, Frank Fontaine, Giancarlo Caltabiano, Kaniehtiio Horn, Garth Gilker
Duração: 93 minutos

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