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Crítica | Viagem ao Planeta das Mulheres Selvagens

Uma bizarrice na carreira de Peter Bogdanovich.

por Ritter Fan
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Não sei nem como começar a escrever sobre Viagem ao Planeta das Mulheres Selvagens… Dizer que se trata do segundo longa-metragem dirigido por Peter Bogdanovich, do mesmo ano de seu Na Mira da Morte, é tecnicamente verdade, mas é filosoficamente mentira e explicar o porquê e contextualizar o leitor que quiser se aventurar por 78 minutos decididamente bizarros é muito mais interessante do que falar do filme em si. Mas tentarei fazer os dois, prometo.

O longa é, na verdade, um filhote da mente de Roger Corman, mestre dos filmes B. Mas é um filhote de dupla nacionalidade e, ainda por cima, um segundo filhote, já que o produtor obteve acesso ao filme soviético de ficção científica Planeta Bur, de 1962, dirigido por Pavel Klushantsev e resolveu adaptá-lo não uma, mas duas vezes. Na verdade, não sei se é aplicável, aqui, o termo “adaptação”, pois o que Corman fez – ou, mais precisamente, mandou fazer – foi aproveitar o máximo possível do material filmado, inserir trechos “americanizados”, reempacotar tudo e colocar à venda novamente.

E esse primeiro “novo produto” veio em 1965, sob o título O Planeta Pré-Histórico, com o diretor Curtis Harrington, assinando como John Sebastian, trabalhando na remontagem do longa original, a dublagem dos diálogos, claro, e a filmagem de algumas cenas com Basil Rathbone e Faith Domergue, tudo feito quase simultaneamente a outro trabalho de Harrington também com a mutilação de longa soviético, o “clássico” Queen of Blood, que seria lançado no ano seguinte. Não satisfeito com usar o material original apenas uma vez, Corman, então, em 1968, encarregou Bogdanovich de fazer uma “nova versão” de Planeta Bur, desta vez adicionando um harém de lindas mulheres loiras, com destaque para Mamie Van Doren, como “sereias” do planeta Vênus, só que sem rabo de peixe, só saias mesmo e os obrigatórios biquínis de conchas.

E lá foi Bogdanovich – que, depois, se recusou a assinar seu nome e, como Harrington, trocando-o para o fictício Derek Thomas – sexualizar e objetificar mulheres para satisfazer os apetites televisivos americanos da época (tanto esse quanto o anterior foram licenciados para a TV americana da época). O resultado é, para usar um eufemismo, estranho demais, já que todas as sequências com as dez lindas donzelas alienígenas do planeta batizado com o nome da deusa romana do amor, que ficam zangadas com os astronautas que lá chegam e matam seu “deus”, um pterodátilo de papel machê que se chama Terra, são completamente descoladas da expedição vinda de nosso planeta azul, com os momentos em que um dos astronautas – que também é o narrador, com voz do próprio Bognanovich – em tese vê olha na direção das moças, sem as ver, porque ele, na verdade, está muito claramente em outro filme…

É evidente, porém, que há um inegável charme trash no resultado final. É ruim, muito ruim, não tenham dúvida, mas todo o contexto de como o longa foi feito traz uma camada extra de apreciação e explica muita coisa que obviamente não funciona como obra monolítica, mais parecendo uma colcha de retalhos puída, revelando as costuras. Diria que, se alguma coisa, Viagem ao Planeta das Mulheres Selvagens cria curiosidade para se conhecer Planeta Bur, o longa original duplamente mutilado, pois o que se percebe que vem dele – as sequências espaciais, o robô “John”, por sua vez inspirado em Robbie, de Planeta Proibido, e outros detalhes – revela um razoável grau de qualidade que a vontade de Corman de fazer um trocados fáceis simplesmente destrói com sua narrativa mal e porcamente retirada de Odisseia, de Homero e enfiada de qualquer jeito na obra de Klushantsev.

Viagem ao Planeta das Mulheres Selvagens é, no final das contas, um longa que não fica de pé sem que o espectador entenda o que foi feito “nos bastidores” por um Corman com cifrões nos olhos (mas ele não foi o único a fazer algo assim na época, que fique bem claro). É uma curiosidade que se torna ainda mais interessante quando justamente constatamos que foi um Peter Bogdanovich de começo de carreira que, mesmo a contragosto, embarcou no projeto.

Viagem ao Planeta das Mulheres Selvagens (Voyage to the Planet of Prehistoric Women – EUA, 1968)
Diretor: Peter Bogdanovich (como Derek Thomas)
Roteiro: Henry Ney
Elenco feminino: Mamie Van Doren, Mary Marr, Paige Lee, Judy Cowart, Margot Hartman, Irene Orton, Pam Helton, Frankie Smith, Robin Smith, Adele Valentine
Elenco masculino: Aldo Romani, James David, Vladimir Yemelyanov (Roberto Martelli), Yuri Sarantsev (Ralph Phillips), Georgiy Zhzhonov, Murray Gerard, Peter Bogdanovich
Duração: 78 min.

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