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Crítica | Viagens Alucinantes

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

Baseado nas experiências de privação sensorial através de tanques de isolamentos conduzidas por  John C. Lilly na década de 1980, que utilizava diversas drogas, como o LSD, Viagens Alucinantes nos leva em uma jornada psicodélica e metafísica até as origens do homem. Um filme corajoso para Hollywood, que utiliza fortes imagens e uma montagem frenética para perfeitamente ilustrar para o espectador a sensação dessas experiências, em segunda instância sugando-o para essas surreais atividades. A obra, um verdadeiro trabalho de ficção científica, foge dos padrões que costumamos ver e enfatiza muita mais o lado psicológico do homem.

Eddie Jessup (William Hurt) é um renomado cientista que busca, através de experiências em tanques de isolamento, analisar a esquizofrenia. Suas motivações, porém, se tornam mais que puramente científicos, ao passo que o doutor assume uma nítida curiosidade e fascinação pelo que passa dentro da privação sensorial. Imagens de cunho religioso preenchem seus pensamentos enquanto está nessa fuga de realidade e ele tenta entender o porquê e pouco a pouco toda sua vida passa girar em torno dessa sua pesquisa, afetando, inclusive, sua relação com sua esposa Emily (Blair Brown). Após uma viagem para o México, onde adquire uma droga utilizada por shamãs locais a experiência de Eddie ganha um novo rumo, levando-o para o estado primal do homem, acontecimento que acaba se externalizando, podendo alterar seu próprio código genético.

O que mais nos chama a atenção e de imediato nos cativa no longa-metragem é aquilo que garante o título nacional, as alucinantes viagens que fazemos parte ao lado de Jessup. Curtos planos são inseridos em sequência através de uma montagem desenfreada que criam no espectador uma mistura de sensações, que vão da angústia até o próprio mal-estar. A fascinação do pesquisador, entretanto, passa para nós, curiosos em ver que rumo suas atividades tomarão, ou que descobertas ele pode acabar fazendo. Nos prendendo nesse estado de transe, o filme assume uma narrativa que busca mimetizar o onírico, empregando inúmeras elipses não evidenciadas. O corte seco permeia toda a obra, garantindo um ritmo evidentemente desenfreado, que pula de ano em ano sem mais nem menos. Tal escolha ainda perfeitamente se encaixa com a atenção do doutor em relação às suas experiências, a única coisa que efetivamente importa em sua vida.

Uma tensão gradual, todavia, se alastra pela segunda metade da projeção, onde o trabalho de direção de Ken Russel é não menos que essencial. O comportamento angustiado e elétrico de Eddie é nítido, sua inquietação perfeitamente retratada por William Hurt, que nos mostra uma crescente loucura, por mais que seu personagem estivesse certo desde o início, algo muito similar ao que vemos em A Mosca. Sua atuação ainda é um dos responsáveis pelo funcionamento dessa trama acelerada, evitando que ela perca a naturalidade ao mesmo tempo que mantém a atenção do espectador. Naturalmente, Blair Brown conta com o mesmo mérito, criando a sensação de urgência gradativa, responsável pelo êxito do clímax final, que pediria uma grande suspensão de descrença não fosse pela fluida condução da narrativa.

Mas a angustiante tensão que se instaura não estaria sequer perto de completa não fosse o trabalho emblemático de som e trilha sonora, que utilizam fortes melodias e alguns sons estridentes para criar um evidente terror no espectador. O desconhecido se torna praticamente palpável, sugando completamente nossa atenção para o que está na tela, fisgando qualquer centelha de curiosidade que dispomos. A presença do silêncio também é essencial em inúmeras sequências, como a calmaria antes da tempestade, apenas aumentado nossa expectativa para o que está por vir. As viagens demonstradas jamais funcionariam não fosse tal esforço da equipe, sedimentando a imersão tão almejada pelo roteiro. Esta, por sua vez, ainda é perfeitamente moldada pelo excelente trabalho de maquiagem e efeitos visuais, que evocam inúmeras sensações no espectador, sem, em ponto algum, soarmos incrédulos diante do que vemos.

Viagens Alucinantes, portanto, mais que cumpre seu papel, trazendo à vida as experiências de John C. Lilly e nos transportando para dentro delas, ao mesmo tempo que nossa mente se enche de indagações. Trata-se de um filme para se deixar absorver, para viajarmos junto do protagonista, para contemplar e se desgastar pelas suas fortes imagens que, certamente, surtirão diferentes efeitos sobre cada espectador. Acima de tudo, uma obra obrigatória para qualquer apreciador da ficção-científica.

Viagens Alucinantes (Altered States – EUA, 1980)
Direção:
 Ken Russell
Roteiro: Paddy Chayefsky
Elenco: William Hurt, Blair Brown, Bob Balaban, Charles Haid, Thaao Penghlis, Drew Barrymore
Duração: 102 min.

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