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Crítica | Vidas Amargas

por Luiz Santiago
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Vidas Amargas, adaptação para o cinema da épica obra de John Steinbeck (parceiro de Kazan em Viva Zapata!), é um filme importantíssimo para a definição do ídolo precoce que se tornaria James Dean – aqui, em seu primeiro papel de destaque no cinema – e para o impulso que a juventude rebelde ganharia nas grandes telas a partir do final da década de 1950.

O roteiro, escrito por Paul Osborn (Virtude Selvagem, Sayonara, No Sul do Pacífico), traz apenas uma parte do romance, o momento da 1ª Guerra Mundial. Na trama, vemos uma conhecida história bíblica retrabalhada com cores sociais e filosóficas. Adam (o patriarca Adão) é um religioso fervoroso que foi abandonado pela esposa e segue com sua vida no rancho da família, em Salinas, Califórnia. Seus filhos Cal (leia-se Caim) e Aaron (leia-se Abel) são jovens de personalidades diferentes que, no decorrer do filme, passam por grandes mudanças psicológicas.

Erguido em três grandes colunas temáticas (livre-arbítrio, dever cívico/social, disfunção familiar), o roteiro apresenta uma cativante trama que se encaixa em três momentos diferentes, mostrando a oposição entre o “bom” e o “mal”– no início, com o amor e o respeito entre os dois irmãos, algo que desaparece na reta final da película –; os acasos e eventos do tempo que empurrariam os jovens para caminhos distintos, e, por fim, o ponto trágico, onde a morte é sugerida de um lado e moralmente decretada de outro.

Como se passa em um rancho, espaço que na primeira parte da obra é plenamente explorado pelo fotógrafo Ted D. McCord (O Tesouro da Sierra Madre, A Noviça Rebelde), Vidas Amargas tem a cor verde e os elementos naturais como destaques no desenho de produção e na direção de fotografia. De forma dramática – ampla e negativamente criticada por muitos críticos e cinéfilos –, o verde imperante é posto como um anúncio de polaridade pelo seu próprio significado: o verde do broto e do mofo, a vida e a morte representadas pelos dois irmãos, uma relação que até o meio do filme, embora complexa, mostrava-se dentro de padrões humanizados.

A chegada da Grande Guerra e a exploração do núcleo dramático centrado na atriz Jo Van Fleet (que por sua interpretação aqui receberia o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante), faz vir à tona a qualidade de “crônica da depressão” típica da literatura de Steinbeck. O triângulo amoroso insinuado no início se torna fato, servindo de motor para a primeira grande briga entre os dois irmãos e dando início ao melhor momento da atriz Julie Harris no filme. Sua participação se tornará mais convencional na reta final, e também o desfecho caloroso ao lado do personagem de James Dean carregará o ranço negativo do “final feliz”, porém, nada assim tão grave e nada que diminua a sua importância e boa figuração no miolo da fita.

Não sendo Elia Kazan um diretor de acurado trabalho estético, é impressionante observarmos a atenção que ele dá a determinadas sequências de Vidas Amargas, como as tomadas dentro do bar em Monterey (a “casa” de Kate, a mãe que fugiu e se tornou prostituta) e, principalmente, toda a sequência do parque de diversões estendendo-se até a briga em frente à casa do sapateiro alemão acossado pelos ex amigos (a trama desse personagem, curiosamente, nos lembra a do barbeiro judeu em O Grande Ditador). As cores quentes que aos poucos ganham tonalidades frias, o controlado uso da trilha sonora de Leonard Rosenman (De Volta ao Planeta dos Macacos, Barry Lyndon), a montagem em ritmo de suspense, todo o esforço técnico funciona bem nesse ponto da obra.

Infelizmente a música não segue a mesma exposição em todo o filme, cometendo alguns exageros, principalmente nos pontos mais densos do roteiro. A mesma crítica vai para os planos diagonais que Kazan utilizou para explorar o desvio moral ou as dificuldades na relação entre Adam e Cal. Em 1955 este já era um recurso ultrapassado – afinal, existia em amplo uso desde os filmes vanguardistas do final dos anos 1910! – mas Elia Kazan parece ter gostado bastante de sua aparência na tela, repetindo-o algumas desnecessárias vezes.

Mas se o brilhantismo técnico do diretor é apenas localizado, seu alto controle dos atores e condução da história (exceção à calmaria um tanto destoante do roteiro, na reta final) são inesquecíveis. Seguindo o mesmo estilo de trabalho com os elencos de Uma Rua Chamada Pecado e Sindicato de Ladrões, o diretor se aproveitou de todas as condições particulares e cênicas possíveis para tornar seus protagonistas aceitáveis e perfeitamente entendíveis pelo público – é curioso que mesmo não simpatizando com James Dean o diretor o escalou porque via nele “a cara e o jeito perfeitos para o papel”, provando o quanto seu olhar dramatúrgico era livre e disposto a riscos.

Digam o que disserem das caras e bocas, da gagueira, da “artificialidade” e do “jeito nada à vontade” de James Dean, mas ele é o verdadeiro destaque do elenco de Vidas Amargas, e faz total jus à fama que recebeu, especialmente após a sua morte, seis meses depois da estreia do filme. Geralmente quem o critica de forma negativa não leva em conta o modelo de trabalho do Actors Studio. Para entendê-lo, basta contextualizar o caráter divisório entre o teatro e a naturalidade e então olhar para o personagem de Dean em Vidas Amargas e ver que sua interpretação não nega o propósito do personagem e traz uma enorme riqueza para as suas relações em cena.

O título em português, Vidas Amargas, perde o caráter bíblico do original, que se baseia em um trecho do Capítulo 4 do Gênesis, a conclusão para o que acontece com o primeiro homicida após matar seu irmão Abel: Então Caim afastou-se da presença do Senhor e foi viver na terra de Node, a leste do Éden.

Desolador, cativante e com maravilhoso trabalho cênico (no sentido amplo), Vidas Amargas é um dos mais interessantes filmes baseados na obra de John Steinbeck (Vinhas da Ira e Ratos e Homens são as outras duas), um filme que, mesmo não sendo perfeito, garante um bom lugar na filmografia de Elia Kazan e, pelo menos para a maioria dos espectadores, uma boa e lancinante sessão.

Vidas Amargas (East of Eden) – EUA, 1955
Direção: Elia Kazan
Roteiro: Paul Osborn (baseado na obra de John Steinbeck)
Elenco: Julie Harris, James Dean, Raymond Massey, Burl Ives, Richard Davalos, Jo Van Fleet, Albert Dekker, Lois Smith, Harold Gordon, Nick Dennis
Duração: 115 min.

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