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Crítica | Vingança & Castigo

Um western diferente e estilizado.

por Kevin Rick
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Embora os eventos de Vingança & Castigo sejam fictícios, o filme começa com esta declaração: “Essas. Pessoas. Existiram.” Usando personagens negros baseados em verdadeiros homens da lei e bandidos do Velho-Oeste americano em uma típica trama de vingança do gênero western, o cineasta Jeymes Samuel busca uma espécie de reinvenção e desmistificação das convenções do gênero ao criar um espaço fictício onde negros que tradicionalmente foram excluídos de faroestes americanos podem ter uma vitrine para os duelos armados, os tiroteios rápidos e as perseguições de cavalos.

A premissa do longa é bastante simplória, rapidamente nos situando em uma trama de retaliação quando o perverso Rufus Back (Idris Elba), entra em uma casa e mata os pais de uma criança. O menino cresce e se torna o famoso pistoleiro Nat Love (Jonathan Majors), que passa os dias roubando ladrões de banco. Após descobrir que seu inimigo irá ser libertado da prisão, Nat reúne sua gangue, composta por grandes personagens do velho-oeste, como Stagecoach Mary (Zazie Beetz), Jim Beckwourth (RJ Cyler) e Bill Pickett (Edi Gathegi), além de contar com a parceria do delegado Bass Reeves (Delroy Lindo), para caçar Rufus e seu grupo impiedoso, também contando com o figurão histórico Cherokee Bill (Lakeith Stanfield) e – essa mais desconhecida historicamente – Trudy Smith (Regina King).

O uso de personagens baseados em caubóis e foras da lei afro-americanos do século XIX é uma baita escolha inteligente de Samuel para o contexto de reclamação histórica que permeia o longa. No entanto, apesar desse tom de ironia histórica e representatividade do filme, Samuel não está realmente interessado em uma experiência de western, digamos, fidedigna da realidade do faroeste. Vemos isso claramente na sequência da “cidade branca”, em que um banco é literalmente branco, com tábuas, placas e degraus pintados de branco, de forma tão visível (e deliciosamente sarcástica) que o público deve se dar conta de como tudo parece artificial, ou então o rápido diálogo que Trudy interrompe um homem de dizer um xingamento racista. Com exceção de algumas sequências pontuais, raramente vemos preconceito discutido em tela que não seja pelo subtexto e o próprio conceito bem óbvio do filme. Aliás, praticamente não temos personagens brancos, sempre colocados em papéis figurantes, no qual acompanhamos cidades, bares e hotéis sendo administrados por negros.

De certa forma, Vingança & Castigo é um western escapista. É um faroeste dominado por afro-americanos que não temem (e raramente veem) o racismo. A despeito das várias homenagens de Samuel ao gênero, desde a trama de vingança, a tragédia familiar, a mitologia em volta da violência cíclica e, claro, as ambientações de saloons, ruas empoeiradas e a vasta paisagem de beleza austera, o cineasta não está interessado em revisionismo visual. Fazendo uma ponte entre o western e o exagero do blaxploitation, o diretor cria um espetáculo visual, transformando luz, cor e movimento em fontes de prazer no seu faroeste vibrante – os figurinos coloridos, a casas expressivas e os revólveres dourados são um deleite estético fantástico.

Além disso, Samuel é um diretor que sabe o que fazer com a câmera. Usando e esbanjando mudanças de ângulos e focos para criar risos e suspiros – alguns zoom-ins de personagens vinculados com batidas musicais são simplesmente fantásticos. Aliás, o cineasta imprime uma certa sensibilidade de musical para a encenação de grandes momentos, sempre acompanhado da trilha sonora moderna explosiva de hip-hop e pop, com o longa ganhando um estilo de videoclipe. Sequências de ação também seguem um visual mais pop e contemporâneo, com lutas corporais e tiroteios frenéticos que lembram mais um filme do Bond do que os clássicos de John Wayne e Clint Eastwood. Em suma, Vingança & Castigo é uma explosão de entretenimento.

Contudo, se conceitualmente inovador e visualmente magnífico, o filme peca bastante no desenvolvimento dos personagens, dramaturgia e diálogos. A questão de “estilo sem substância” nem me incomoda tanto em termos do enredo clichê de uma trama bem batida de vingança, mas Samuel tem muita dificuldade em equilibrar a quantidade de personagens apresentados. Os atores estão incríveis, preenchendo a tela com excentricidade humorística e atuações vistosas – Elba é especialmente poderoso e comandante de atenção sempre que aparece -, mas a maioria dos personagens têm pouco tempo de tela para deixar uma marca ou um vínculo com o espectador. O elenco faz o máximo com o mínimo de presença – a caracterização bem individual e a dinâmica da ação ajudam nesse sentido -, mas, com exceção de Jonathan Majors, incrível na performance confiante e vulnerável ao mesmo tempo, personagens aparecem e desaparecem de tela com muita esporadicidade.

Isso acaba influenciando negativamente a maneira que Samuel usa a violência. Ele claramente tenta emular Quentin Tarantino na criação de um espaço cênico em que a violência esteja conectada com o humor negro, a tensão e o drama, mas a falta de desenvolvimento dos personagens, os diálogos pobres e melodramáticos e a falta de habilidade para criar aflição com a câmera deixam a parte sangrenta mais no campo da estilização do que algum impacto emocional real. Ainda assim, Vingança & Castigo é um belo exemplar de inventividade estilística, e até de originalidade – tão rara esses dias -, para um gênero visualmente conhecido. Jeymes Samuel, já em sua estreia em longas-metragens, se mostra um diretor com uma visão estética muito especial, redefinindo o filme de faroeste para uma era moderna, tanto em termos históricos quanto em experiência de puro entretenimento.

Vingança & Castigo (The Harder They Fall) – EUA, 03 de novembro de 2021
Diretor: Jeymes Samuel
Roteiro: Jeymes Samuel, Boaz Yakin
Elenco: Idris Elba, Jonathan Majors, Zazie Beetz, Regina King, Delroy Lindo, Lakeith Stanfield, RJ Cyler, Danielle Deadwyler, Edi Gathegi, Deon Cole, Damon Wayans Jr.
Duração: 111 min.

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